Formada na Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, Residência médica em Gastroenterologia no Hospital Heliópolis 1987. Me...
i A hepatite C é uma doença infectocontagiosa que acomete o fígado, causada pelo vírus C. A transmissão ocorre por contato direto com sangue ou seus derivados contaminados, por isso é comum entre usuários de drogas que compartilham seringas e até o início dos anos 90 a transfusão de sangue também era um fator de risco, porém com o desenvolvimento de testes para detecção do vírus C e sua realização em bancos de sangue essa forma de transmissão foi controlada.
O vírus da hepatite C (HCV) é hoje a maior causa de hepatite crônica no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 170 milhões de pessoas estão cronicamente infectadas pelo HCV e mais de 350.000 pessoas morrem todos os anos de complicações hepáticas relacionadas à doença. No Brasil, perto de três milhões de pessoas tem sorologia positiva para HCV.
É uma doença silenciosa, raramente causa sintomas, por isso a maioria dos portadores do HCV não sabe que está contaminada, só descobre se fizer um teste específico. Cerca de 90% das pessoas infectadas não eliminam o vírus e se tornam cronicamente infectadas, sendo que aproximadamente 20% delas irão desenvolver cirrose, e destas, 25% podem progredir para câncer de fígado.
O tratamento habitual da hepatite C é feito com uma combinação de interferon peguilado, usado por injeção subcutânea, e ribavirina, medicamento oral, por um período de 24 ou 48 semanas, dependendo do genótipo. Esse tratamento apresenta muitos efeitos colaterais, principalmente decorrentes do interferon, que incluem cefaleia, febre, dores musculares, cansaço, perda de apetite, perda de peso, prurido, depressão, além de queda de glóbulos brancos, plaquetas e anemia. Por isso muitos pacientes com HCV não podem ser submetidos à terapia, como os doentes com cirrose, com doenças psiquiátricas e autoimunes. Além disso, somente 40-50% dos pacientes tratados atinge a cura, ou resposta virológica sustentada, que seria a não detecção do vírus 12 semanas após o término do tratamento.
A partir de 2011, para os pacientes com genotipo 1 e com doença avançada, passou-se a associar um de dois medicamentos via oral de ação antiviral, inibidor de protease, boceprevir ou telaprevir. Com essa terapia tripla a chance de cura subiu para 70%. Porém se limita ao genotipo 1 e houve um acréscimo nos efeitos colaterais, com anemia mais grave e quadros dermatológiocos às vezes severos.
A hepatite C é uma das poucas doenças crônicas que pode ser curada, essa possibilidade se torna mais real com advento desses novos medicamentos de uso oral, sem necessidade do interferon, usados por períodos mais curtos e com menos efeitos colaterais. Novos medicamentos vêm sendo estudados, com o objetivo de se obter um tratamento com menos efeitos colaterais e com maior chance de cura. Confira:
Sofosbuvir e Simeprevir
O Sofosbuvir é o primeiro medicamento dessa nova geração, antiviral de ação direta, que atua como inibidor de uma enzima essencial para a replicação do vírus C, a polimerase NS5B de ácido ribonucleico. O Sofosbuvir é bem tolerado, com pouco ou nenhum efeito colateral.
Estudos com sofosbuvir associado a peginterferon e ribavirina mostram taxas de cura entre 80 a 98%, além de reduzir o tempo do tratamento para 12 semanas. Pesquisas com sofosbuvir e ribavirina sem interferon tem mostrado resposta variando de 64 a 100%, e com boa segurança. Este medicamento fornece a primeira opção de tratamento para o HCV sem interferon.
Estudos clínicos com Simeprevir, medicamento que age de forma semelhante ao Sofosbuvir, em combinação com o interferon peguilado e ribavirina, obtiveram a cura entre 68% e 86% dos pacientes. Os efeitos colaterais relatados foram associados ao interferon peguilado e a ribavirina.
A FDA (Food and Drugs Administration), agência norte-americana equivalente à ANVISA no Brasil, autorizou a comercialização do Sofosbuvir e do Simeprevir para o tratamento da hepatite C, portanto um dos dois poderá ser incorporado ao esquema com interferon peguilado e ribavirina, com maior chance de cura e redução do tempo de tratamento, mas ainda haverá restrição a pacientes intolerantes ou com contraindicação ao interferon ou ribavirina. Esses medicamentos poderão ser administrados combinados entre si, dispensando o uso do Interferon e da Ribavirina, com a cura para praticamente todos os portadores do HCV (acima de 95%) em menos tempo e com boa tolerância, mesmo por pacientes que sofrem da doença em estágio avançado. Mas essa associação ainda não foi aprovada por qualquer agencia reguladora.
A má notícia, porém, é o custo desses remédios. O tratamento usado hoje no Brasil custa cerca de 90 mil reais por seis meses. Estima-se que o tratamento com as novas moléculas por três meses vai sair por 90 mil euros, o equivalente a mais de 280 mil reais. O custo do sofosbuvir por três meses (tempo do tratamento) é de US$ 84 mil (cerca de R$ 184 mil). O custo do simeprevir é de US$ 66 mil (R$ 144 mil). A associação de ambos, recomendada em pesquisas custa US$ 150 mil (R$ 328 mil).
Daclatasvir
Os pacientes portadores do vírus da hepatite C tiveram uma boa notícia no início desse ano: o medicamento daclatasvir teve o registro liberado pela Anvisa. Após o registro do medicamento a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) avaliará o uso na rede pública, o que pode demorar até seis meses.
Apesar de ser uma notícia muito boa, ainda é cedo para comemorar, pois esse medicamento não pode ser utilizado de forma isolada, deve ser usado em associação com algum outro medicamento de ação antiviral.
O daclatasvir teve seu registro liberado, enquanto ou outros dois, sofosbuvir e simeprevir ainda aguardam o registro. O registro é o documento que permite a venda de um medicamento no país. Portanto, apesar dessa liberação para comercialização e uso desse medicamento no Brasil, ainda é necessário o registro e liberação dos outros para que se possa fazer um tratamento adequado.
Após a liberação dos medicamentos ainda será necessária avaliação das diretrizes de tratamento, ou seja, dos esquemas de tratamento conforme genótipo do vírus e a gravidade do quadro clínico. Pois os medicamentos a serem associados dependem do genótipo do vírus, e o período de tratamento varia conforme o estágio da doença. Além disso, serão definidas prioridades, ou seja, quais os pacientes terão prioridade no tratamento, geralmente pacientes com doença mais grave, mais avançada, serão os primeiros a receber o novo tratamento.
Além de ter um índice de cura maior com o uso destes medicamentos, chegando a 90%, o período de tratamento é reduzido de 48 para 24 ou 12 semanas e a vantagem do uso oral. Além disso, são medicamentos de menor toxicidade, com menos efeitos colaterais.
Pesquisas em andamento
Outros agentes antivirais, inibidores de protease mais potentes, inibidores de polimerase, os análogos nucleosídeos ou nucleotídeos e os inibidores do complexo NS5A também estão sendo estudados, como faldaprevir, daclatasvir, ledispavir, asunaprevir. Estudos com a combinação de daclatasvir e asunaprevir, ledipasvir e sofosbuvir, simeprevir sem interferon, com ou sem ribavirina, com ritonavir, sofosbuvir ou daclatasvir, por 8 a 24 semanas, mostraram taxas de resposta variando de 82 e 99%.
O daclatasvir (inibidor da NS5A) foi estudado em mais de 5500 doentes em combinação oral com outros antivirais e com interferon e ribavirina. Mostrou ação em todos os genotipos, teve baixa interação medicamentosa, podendo ser utilizado em doentes com comorbilidades. Estudos com a combinação de daclatasvir e Sofosbuvir por 12 a 24 semanas, com ou sem ribavirina, mostraram taxas de resposta virológica sustentada, entre 92 e 100%, sem efeitos colaterais significativos.
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