Possui graduação em medicina pela Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (2009). Possui títu...
icâncer de próstata (CaP) foi responsável por 1,1 milhão de novos casos e 300 mil mortes no mundo em 2012. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima 70 mil novos casos para este ano. A justificativa pelo aumento na incidência ocorrido nas últimas três décadas foi a descoberta do PSA e seu uso indiscriminado como exame de rastreamento.
O tratamento do câncer de próstata é multidisciplinar, sendo que o urologista, o oncologista e o radioterapeuta atuarão em conjunto nos diversos momentos do curso da doença. De uma forma simplista, o tratamento divide-se no tratamento da doença localizada e da doença recorrente/metastática.
O tratamento da doença localizada não é o foco de hoje. Sendo breve, ele consiste essencialmente em cirurgia (prostatectomia) ou radioterapia (com ou sem deprivação androgênica), sendo que a escolha é baseada nas condições clínicas do paciente, na agressividade do tumor e no perfil de efeitos colaterais.
No entanto, cerca de 5-10% dos pacientes se apresentarão com uma doença metastática ao diagnóstico e uma parcela variável dos pacientes tratados inicialmente como doença localizada terão uma recidiva bioquímica (elevação do PSA) ou clínica (surgimento de metástases à distância). O tratamento da doença disseminada é sistêmico e deve ser conduzido preferencialmente por um oncologista com experiência neste tipo de tumor.
O papel dos androgênios no estímulo para multiplicação das células prostáticas, benignas ou malignas, foi descoberto por Charles Huggins, em 1941, e baseado nisso foi desenvolvida a primeira linha de tratamento para pacientes com câncer de próstata avançado: a terapia de deprivação androgênica (TDA).
A supressão dos níveis de testosterona pode ser obtida através da extração cirúrgica dos testículos (orquiectomia bilateral) ou por meio de drogas que atuam bloqueando o eixo hipotálamo-hipófise e a secreção dos hormônios gonadotróficos (FSH e LH), como goserelina, leuprolide ou degarelix. A maioria dos pacientes obtém redução das lesões (resposta clínica) ou queda do PSA (respostabioquímica) nesta fase conhecida como doença sensível à castração.
Infelizmente, quase a totalidade dos pacientes evoluirá com uma nova elevação do PSA ou aumento do número/dimensão de suas metástases (progressão clínica) e uma nova terapêutica deverá ser instituída neste momento (doença resistente à castração).
Inicialmente, acreditava-se que essa resistência à TDA se devia a aquisição de novas mutações, que alterariam o comportamento do tumor, que agora se proliferaria independente do bloqueio hormonal. Esses pacientes começaram a ser tratados com quimioterapia - e o docetaxel foi a droga que demonstrou melhores resultados.
Ao estudar os pacientes com doença resistente à castração, os investigadores chegaram a duas conclusões importantes: que as células tumorais e mantinham parcialmente dependentes de androgênios e que mesmo pacientes submetidos à orquiectomia bilateral possuíam hormônios circulantes de outras fontes (glândula suprarrenal, por exemplo).
Foi nesse contexto que a droga chamada abiraterona surgiu e vem tomando papel de destaque no tratamento do câncer de próstata metastático resistentes à castração. Ela age através da inibição seletiva e irreversível da enzima CYP17, responsável pela síntese de androgênios na suprarrenal e no interior do tumor a partir do precursor pregnolona. A dose recomendada é de 1000 mg dose única diária (4 comprimidos de 250 mg), 1 hora antes ou 2 horas após a refeição.
A inibição seletiva da CYP17 impacta na produção de glicocorticoides, reduzindo produção do cortisol e gerando aumento do ACTH com consequente elevação da produção de mineralocorticoides. Por isso seus principais efeitos adversos são hipertensão, hipocalemia e edema. A administração concomitante de corticoide visa minimizar tais efeitos adversos e a suspensão do tratamento por toxicidade é um evento incomum.
O estudo pivotal COU-AA-302, que levou a aprovação da droga em pacientes não expostos previamente à quimioterapia, aleatorizou 1.088 pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração para receberem abiraterona 1000 mg/dia com prednisona 10mg/dia ou placebo com prednisona 10 mg/dia. Os resultados mais recentes foram apresentados em setembro de 2014, em Madrid, e revelaram que após quatro anos de seguimento, o braço contendo a abiraterona prolongou significativamente a sobrevida global (SG) (34.7 versus 30.3 meses). Além disso, a abiraterona foi associada a um menor uso de opioides para controle da dor, melhor qualidade de vida, além de postergar a necessidade de quimioterapia.
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Paralelamente ao desenvolvimento da abiraterona, outro agente que mudou o paradigma no tratamento do câncer de próstata avançado foi desenvolvido: a enzalutamida. Com um mecanismo de ação diferente, ela se liga ao receptor de androgênio dentro da célula, inibindo sua translocação para o núcleo e ligação com a molécula de DNA. Com isso, ela inibe a síntese de fatores essenciais para a multiplicação celular. A dose recomendada é de 160 mg dose única diária (4 capsulas de 40 mg)e não necessita uso concomitante de corticoide. O estudo PREVAIL aleatorizou 1.717 pacientes com CaP metastático resistente à castração não expostos previamente à quimioterapia, que receberam enzalutamida ou placebo. O estudo foi fechado precocemente, pois uma análiseinterina pré-planejada já demonstrava um benefício para o braço enzalutamida (32,4 versus 30,2 meses). Além disso, a droga postergou o tempo até a elevação do PSA, tempo até a primeira complicação óssea pela doença e assim como a abiraterona, postergou o início da quimioterapia.
Um importante estudo apresentado no último congresso americano demonstrou um expressivo ganho de sobrevida quando se associa quimioterapia à TDA (castração inicial) naqueles casos com grande volume de metástases e com lesões viscerais ao diagnóstico. No entanto, para a maioria dos pacientes com pequeno volume de doença metastática, o principal objetivo do tratamento é manter a qualidade de vida com a menor toxicidade possível. Para este objetivo, essas duas drogas se mostraram as melhores opções.
Esses dois novos medicamentos demonstraram eficácia no contexto da doença avançada e, sendo assim, seu objetivo é manter o câncer de próstata sob controle pelo maior tempo possível, mantendo a qualidade de vida. Mesmo que elas tenham sido testadas e sua eficácia comprovada naqueles pacientes que já haviam recebido docetaxel, o grande nicho destes agentes parece ser antes da quimioterapia, muitas vezes mal tolerada em pacientes idosos e fragilizados. Ainda, estão sendo testados no tratamento adjuvante (logo após a cirurgia ou radioterapia) a fim de aumentar a chance de cura dos pacientes com doença localizada, porém o uso neste cenário ainda é experimental e não deve ser usado fora do com texto de pesquisa clínica.