Formada em psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e em psicanálise pelo Centro de Estudos em Psicanálise.Especi...
iVou iniciar este artigo lembrando a todos que sou psicóloga e psicanalista e que não tenho qualquer intenção de abordar questões nutricionais ou mesmo defender alguma ideologia, nem lá, nem cá. A ideia aqui é outra, é trocar com todos vocês minhas observações a respeito deste assunto que parece ser uma questão merecedora de atenção.
A gente não vê só comida...
A questão com a alimentação é uma relação antiga do ser humano, tanto dele com o meio, como dele consigo mesmo. Uma das primeiras experiências que temos ao nascer é com a alimentação, através do mamar o ser humano começa a aprender sobre si e sobre o meio. Aprende que possui instintos de sobrevivência e por isso precisa comer e pede por comida. E também aprende que com este alimento chega sempre algo mais, podendo ser um aconchego, um calor gostoso que acalma, sacia e acalenta ou as vezes o inverso, uma falta de alimento (fome), um sufocar, um movimento brusco e agressivo, uma invasão de quantidade e de tempo.
Este algo mais que vem com nossas primeiras experiências com comida, na verdade deveriam ser entendidos como algo de extrema importância e por vezes determinante para nossa relação futura com a comida, com o mundo e com o prazer ou desprazer que vamos buscar e repetir inconscientemente pela vida. Logo a relação com a alimentação desperta em todos nós sensações, desejos, prazeres, repulsas e incômodos que irão nos acompanhar de alguma forma pela vida e que estarão presentes, inconscientemente, nas mais diferentes cenas e escolhas.
Acompanho já algum tempo pacientes com diferentes questões na relação alimentar e através deste relacionamento do sujeito com seu alimento, muito se fala sobre a estrutura emocional daquela pessoa. Nosso alimento muitas vezes é reflexo de como nos sentimos ou do que desejamos ser ou ter. Por exemplo, podemos lembrar aqui que quando estamos muito felizes temos a tendência a comemorar, certo? Este comemorar no geral envolve comer algo (mesmo que seja beber). Com isso, estamos falando da satisfação oral que está sendo dividida com o meio e com as pessoas para expressar carinho, felicidade, sucesso. Assim como é comum quando estamos tristes ou irritados fazermos o inverso, comer muito pouco ou nada, pois a comida perde o sabor, perde o prazer. Ou acabamos nos tornando vorazes e engolimos tudo que podemos -pizza, chocolate, sorvete, gorduras, pães...-, para buscar desesperadamente uma sensação de saciedade e prazer na esperança de aliviar tal angustia. Podemos então observar que o ser humano fala muito sobre ele e suas emoções, seus afetos e desafetos através de suas escolhas ou questões alimentares. E é disso que estamos falando aqui.
Portanto quando uma pessoa que opta por ser vegetariana, ela está falando algo mais sobre si e sobre suas emoções. Assim como qualquer outra escolha, um vegetariano está expondo através desta escolha sua relação com o mundo, mostrando para si e para quem estiver vendo, o que prefere e o que lhe dá prazer e saciedade, igualmente acontece com quem não é, isto é muito importante firmar aqui. Acontece com todos nós!
Um vegetariano incomoda muita gente... Por quê?
Mas então porque as pessoas se incomodam quando alguém em sua vida se assume ou escolhe ser vegetariano? Esta pergunta por si só já traz a resposta. Provavelmente o incômodo está não em ser vegetariano, mas no fato que essa pessoa escolheu mudar! E mudanças incomodam sempre quem está ao redor. Sem contar que a proposta alimentar sem ou com pouca inclusão animal sugere que estão fazendo algo politicamente correto e isso incomoda muito aqueles que não querem optar ou que ainda não optaram.
Por que isso acontece? Porque somos seres dependentes (inconscientemente) dos outros sempre. Usamos a imagem do outro para nos apoiar e nos orientar, isto é, através do que vemos e ouvimos no dia a dia, vamos sabendo aos poucos se devemos continuar ou mudar, se estamos certos ou errados e é por isso que acabamos sempre nos agrupando, geralmente, com pessoas que pensam ou agem parecidos conosco. Esta identificação nos acolhe e nos garante segurança.
Logo, quando alguém de nosso convívio opta ou assume tal mudança, nos sentimos incomodados, pois não era aquela imagem que usávamos até ontem ou as vezes até nos identificamos com tal proposta nova, mas nos esforçamos para negar por diversos motivos, dentre eles o mais comum é a cultura que pouco se questiona e mais se segue, mesmo sem saber porque muitas vezes. E o ser humano tende a se contentar com respostas técnicas do certo e errado, usando estatísticas como comprovação, ou seja, se a maioria opta por tal escolha deve ser a certa e nesses momentos acabam se esquecendo deles mesmos, do que sentem e do que precisam para serem eles mesmos.
Já faz alguns anos que percebo um crescente número de pessoas optando pelo vegetarianismo e isso me chamou a atenção. Os pacientes que me procuram por outras questões em suas vidas e ao longo da análise surgia esta questão a de ser vegetariano. Na maioria dos casos, os pacientes não estavam se descobrindo vegetarianos, mas sim criando coragem para se assumirem como tal. Traziam seus receios, medos e chateações vividas com seu meio de convívio e curiosamente a maioria dos conflitos, piadas, deboches, criticas e provocações acontecem com seu meio mais próximo (familiares e amigos).
Dentro de um contexto psicanalítico tendo a pensar que seu meio se sente provocado por tal ousadia em mudar. A mudança sempre deixa no ar a ideia do incomodo. Quando alguém muda ou age de uma nova forma, nos coloca a questionar não somente o ato ou outro, mas a nós mesmos e não gostamos da ideia de estarmos equivocados ou errados. E é aqui que a confusão começa: naturalmente a primeira reação que temos é recorrer a estratégia técnicas e superficiais do certo ou errado e nós não queremos ser os errados, não é?
Enquanto o sujeito tiver um olhar e entendimento limitado a esta teoria básica de um está certo e outro errado, o conflito vai existir. Mas se pudermos entender que aqui, ao menos, estamos falando de um sujeito e suas particularidades emocionais, talvez possamos nos conter um pouco e deixar certo espaço para que o outro sinta seus prazeres com o que lhe dá prazer e não com o que achamos que ele deva sentir.
O outro lado da moeda
Há também um histórico de vegetarianos que acabam se confundindo em suas próprias buscas e assumem postura de campanha política e salvadora do mundo e saem por aí apontando e criticando aqueles que não se interessam por este costume e com certeza esta imagem acaba sendo generalizada para todos. E creio ser valido também falar aqui que estas pessoas extremistas que não suportam fazer suas escolhas por si e precisam apontar os outros e seus costumes, agem exatamente igual ao que estávamos falando, optam por versões limitadas de vida onde só existem dois lados e um sempre estará errado. É preciso pensar além de si mesmo.
Quando somos bebes e mamamos, estamos numa relação muito intima e particular, nenhuma mãe irá amamentar igual outra, pois são pessoas diferentes, bebes diferentes e é isso que torna tão rica tal alimentação. Portanto vale pensar que sua relação de prazer ou desprazer também sempre será única entre você seu alimento ou sua vida e jamais outra pessoa irá sentir algo igual, mesmo que sintam parecidos.
O respeito a intimidade, é o respeito a possibilidade de existir e este é a porta para o respeito que permite cada um SER.