Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde também realizou mestrado em Psiquiatria. Doutor e...
iA ideia de que a mente e o corpo interagem teria começado a ser considerada já na Idade Média pelo médico muçulmano Al-Balkhi (1). Hoje em dia ninguém duvida que problemas clínicos ("físicos") possam surgir em resposta ao estresse psicológico - doenças como diabete, problemas cardíacos e reumatólogicos, claramente podem ter seus sintomas piorados, por exemplo, na presença de situações de ansiedade grave.
Entretanto, o objetivo deste artigo é fazer uma breve discussão de outro aspecto da interação, a da possibilidade de alterações específicas do organismo poderem aparecer como consequência de problemas psicológicos. Este tipo de interação é estudado dentro do escopo da medicina psicossomática, assim como dentro da própria psiquiatria.
Origem
O termo "psicossomático" tem origem as palavras gregas "psyche" - mente - e "soma" - corpo e começa a aparecer, na literatura, na primeira metade do século XIX (2). Freud e Breuer, no final do século XIX concluíram que problemas psicológicos poderiam levar a graves sintomas físicos, ao descreverem o caso de Anna O.(3), uma paciente que, após a morte do pai, desenvolveu sérios problemas psíquicos e corporais, como alterações na capacidade de falar, dores, paralisia e dificuldades visuais. Segundo sua hipótese, estas manifestações seriam resultado de uma conversão da ansiedade resultante de conflitos psíquicos (no caso, desencadeados pela doença e morte do pai) em sintomas físicos. Freud, posteriormente, procurou relacionar estes distúrbios a fenômenos inconscientes.
No extremo da ideia de que problemas psicológicos poderiam causar sintomas físicos, Franz Alexander, no começo do século XX, desenvolveu a teoria de que determinados conflitos psíquicos levariam a manifestações somáticas específicas, diretamente relacionadas ao conflito (4) e Nunberg (5) sugeriu que, ao contrário da abordagem habitual, de se procurar causas físicas das doenças mentais, o paradigma deveria ser invertido e se procurar sempre uma causa mental para uma doença física. Deve-se deixar claro que este tipo de afirmação não possui nenhuma base científica.
Acredita-se, hoje em dia, muito mais, que uma predisposição geral ao desenvolvimento de sintomas físicos, na vigência de transtornos psicológicos, possa explicar o aparecimento dos transtornos de sintomas somáticos - denominação utilizada, atualmente, pela Associação Psiquiátrica Americana e geralmente usada nas publicações científicas. (6)
Principais "sintomas"
No que se refere àqueles quadros que eram classicamente considerados "psicossomáticos", são especialmente importantes:
1) O Transtorno de Sintomas Somáticos, caracterizados pela presença de múltiplos sintomas físicos (por exemplo, dor ou fadiga), que causam grande desconforto e interferem negativamente no dia-a-dia do paciente; para se poder fazer o diagnóstico, é necessário que durem por períodos prolongados, de pelo menos seis meses e não tenham causa clínica demonstrável. No entanto, pode haver, simultaneamente, a presença de uma doença clínica comprovada como no caso de uma pessoa que sofreu um infarto mas apresenta, ao mesmo tempo, sintomas de dor sem explicação física.
2) Os Transtornos de Conversão, nos quais o indivíduo têm sintomas neurológicos (por exemplo, fraqueza, paralisias, movimentos anormais) que não correspondem aos padrões reais do funcionamento do sistema nervoso.
É muito importante que o médico seja muito cuidadoso e não faça estes diagnósticos simplesmente porque os sintomas lhe parecem bizarros, ao mesmo tempo que não parta do princípio de que são simples fingimentos (o que, entretanto, também pode ocorrer).
Apesar de que não se conhece a causa destes transtornos e de que as explicações mais antigas não são cientificamente embasadas, acredita-se que situações como maior sensibilidade a dor, exposição a traumas como agressões físicas e privação de necessidades, assim como aspectos culturais podem predispor aos sintomas somáticos.
Tratamento
Em relação ao tratamento, ainda não há evidências suficientes quanto à eficácia do uso de antidepressivos, antipsicóticos e remédios naturais (7) - o que não significa que não sejam úteis, porém que esta utilidade ainda deve ser pesquisada e, assim, de modo geral, ainda não se justifica seu uso.
Psicoterapias, de modo geral, parecem melhorar os sintomas. A maior parte dos estudos sobre tratamentos psicológicos envolve a terapia cognitivo-comportamental (TCC), na qual se procura identificar fatores externos e internos (pensamentos, emoções) relacionados aos sintomas apresentados pelo paciente e se objetiva uma atuação sobre estas causas. (8)
Referências bibliográficas
1. Deuraseh N; Abu Talib M (2005), Mental health in Islamic medical tradition, The International Medical Journal 4 (2), p. 76-79.
2. Margets EL The origin of the word ?psychosomatic? The Canadian Medical Association Journal v. 63, p. 402-4, 1950.
3. Breuer J.; Freud S. Studien üver Hysterie. 267 p. Franz Deuticke (Leipzig e Viena), 1895.
4. Vários editores Psychosomatic disorder ? pathology Encyclopaedia Britannica http://www.britannica.com/science/psychosomatic-disorderhttps://ia801405.us.archive.org/22/items/StudienZurHysterie/Deuticke_1895_Freud_Breuer_Hysterie.pdf
5. Nunberg H. Princípios da psicanálise. Atheneu Editora, 1989. 406 p.
6. American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª. Edição, Arlington, VA, American Psychiatric Association, 2013.
7. Kleinstäuber M, Witthöft , Steffanowski , van Marwijk H, Hiller W, Lambert MJ. Pharmacological interventions for somatoform disorders in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2014 Nov 7;11:CD010628. doi: 10.1002/14651858.CD010628.pub2.
8. van Dessel N, den Boeft M, van der Wouden JC, Kleinstäuber M, Leone SS, Terluin B, Numans ME, van der Horst HE, van Marwijk H Non-pharmacological interventions for somatoform disorders and medically unexplained physical symptoms (MUPS) in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2014 Nov 1;11:CD011142. doi: 10.1002/14651858.CD011142.pub2.