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A formação das escolhas alimentares de uma criança está diretamente relacionada à rotina familiar. O motivo é que os pais e cuidadores são as primeiras referências de contato com o mundo que as crianças têm. Sendo assim, elas aprendem e se condicionam a partir da imitação dos hábitos praticados pelos adultos.
De forma mais exata, a influência da família na alimentação da criança vem desde a vida intrauterina, pois nesse período a criança recebe pelo cordão umbilical os nutrientes ingeridos pela mãe. Durante o período de aleitamento, a transferência de nutrientes é feita a partir da amamentação e, na infância, a construção do repertório alimentar das crianças é feita pela imitação das práticas e escolhas feitas pelos familiares.
E a habilidade de imitar comportamentos está diretamente ligada à capacidade de observação que elas adquirem bem cedo. Logo, se os pais se alimentam de forma prazerosa, saudável e equilibrada, elas terão mais oportunidade de desenvolver um paladar variado, em que todos os grupos alimentares são incluídos, e rico em nutrientes que irão favorecer o seu desenvolvimento.
No entanto, não é sempre que isso acontece. Afinal, os hábitos alimentares passaram por muitas transformações nas últimas décadas. "Nos anos 70 não havia supermercados, as crianças comiam o que era feito em casa. Da mesma forma, não contávamos com tantas mulheres atuando no mercado do trabalho", afirma a psicóloga Denise Ely Bellotto de Moraes, doutora em ciências pela Unifesp, coordenadora do setor de psicologia da disciplina de nutrologia do departamento de pediatria e psicóloga clínica.
Atualmente, as famílias têm menos tempo para cozinhar e precisam recorrer a alternativas rápidas e práticas, mas nem sempre saudáveis. As consequências das mudanças nos hábitos alimentares dos brasileiros podem ser percebidas em um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2014.
O estudo aponta que 15% das crianças entre 5 e 9 anos apresentam um quadro de obesidade. E uma em cada três não chegaram ao nível de obesidade, mas estão com o peso acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde.
Além da consequência em relação ao peso das crianças, a má formação de hábitos alimentares pode facilitar também o surgimento de outros problemas.
"Crianças que não têm uma alimentação adequada ficam com carências nutricionais. Minerais como Ferro, Zinco, Cálcio e Cobre, encontrados nos alimentos, agem diretamente no desenvolvimento do corpo como um todo, tanto na parte física como cognitiva", explica o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, do Instituto Pensi. De acordo com ele, a deficiência desses minerais pode acarretar problemas no aprendizado, dificuldade de resolução de problemas e baixa estatura.
O que acontece é que muitas falhas na alimentação das crianças passam despercebidas pelos pais, o que causa um agravamento ainda maior desse quadro. A seguir, você encontra alguns costumes que podem ser melhorados:
1. Cozinhar sempre os mesmos alimentos
Oferecer pouca variedade de alimentos pode ser prejudicial para as crianças. Um dos motivos é que dessa forma elas deixam de conhecer diferentes tipos de alimentos, o que é importante para o desenvolvimento do paladar.
Um cardápio limitado, muitas vezes, também reduz o tipo de nutrientes consumidos pela criança e, dependendo do tipo de alimento, pode ocasionar problemas de saúde.
Vale lembrar que uma criança que consome sempre a mesma comida, muitas vezes, começa a rejeitar outras opções. Por exemplo, se ela é acostumada a comer uma proteína frita, quando tiver a chance de comer o alimento cozido pode não gostar por simplesmente nunca ter tido contato com aquele modo de preparo.
Além disso, ela pode achar as refeições sem graça e associar o momento de comer a algo chato. "Mostrar flexibilidade no cardápio é interessante não apenas do ponto de vista nutricional, mas também para o desenvolvimento psicológico da criança, pois mostra que na vida não precisamos seguir apenas um caminho e, sim, contamos com diferentes opções", conta a psicóloga Denise.
Para oferecer um cardápio variado para a família não é preciso fazer grandes modificações. "Uma cenoura pode ser utilizada em diferentes pratos, como uma salada, junto ao arroz e até mesmo em um bolo", observa a nutricionista Priscila Maximino, do Instituto Pensi e da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, especialista em nutrição infantil.
2. Não ter uma rotina alimentar bem definida
Na realidade atual, os pais passam grande parte do tempo fora de casa. Não há problema nenhum nisso. Só que pode significar que as refeições de qualidade são feitas na rua, e, quando chegam em casa, não estabelecem uma rotina alimentar muito bem definida. Isso, sim, pode ser um problema.
"Crianças precisam de rotina e essa rotina deve ser demonstrada pelos pais. Ela deve existir em todas as atividades que desempenham, seja na alimentação ou estudo, por exemplo", afirma a nutricionista Dyandra Loureiro, do Instituto de Desenvolvimento Infantil.
Sendo assim, se um dia os pais chegam em casa e jantam um sanduíche, no outro fazem uma refeição completa e no seguinte não comem nada, a criança ficará sem referência de como as refeições devem ser.
Por isso, é importante que, sempre que possível, a refeição seja feita em família. Isso porque essa reunião possui uma função que vai além da alimentação.
Em seu livro "Cozinhar - Uma História Natural da Transformação", o jornalista e escritor norte-americano Michael Pollan afirma que "a refeição compartilhada não é algo insignificante. Trata-se de um dos fundamentos da vida em família, o lugar onde as crianças aprendem a arte da conversação e adquirem os hábitos que caracterizam a civilização: repartir, ouvir, ceder a vez, administrar as diferenças e discutir sem ofender".
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Por isso é tão importante que as refeições sejam feitas em conjunto e em um ambiente de harmonia.
3. Comer na frente da televisão
Outro equívoco muito praticado pelas famílias é deixar a criança comer vendo televisão ou mexendo no celular. Esse hábito, em muitos casos, é praticado pelos próprios adultos sem perceber. Por mais que o acesso às informações esteja a poucos cliques de distância, as refeições devem ser feitas sem interferências.
O motivo é que as distrações favorecem a falta de percepção do que está sendo consumido e pode trazer prejuízos, tanto pelo risco de se consumir alimentos em quantidade maior do que o necessário, como também prejudicar a digestão por atrapalhar a resposta do organismo, diante dos estímulos visuais vindos do aparelho em uso.
Durante as refeições, é importante estimular o diálogo. Se a criança já souber falar, vale perguntar como foi o dia dela na escola, o que ela aprendeu ou se tem alguma novidade que ela gostaria de contar. Ou os pais contarem alguma coisa para os filhos sobre o que fizeram no trabalho e perguntar se a refeição está gostosa. As opções são muitas, o importante é que não envolvam televisão ou outros dispositivos móveis.
4. Usar a comida como recompensa
Incentivar as crianças a obterem conquistas é um hábito benéfico e importante e traz diferentes benefícios para a autoestima, mostra que ela tem poder de superação e foco. Parabenizá-las por essas conquistas também é fundamental.
O problema é quando os pais oferecem um doce a cada nota alta que a criança tira. Ou prometem um chocolate se elas se comportarem em determinada situação. Da mesma forma, pode acontecer de os pais tentarem amenizar um momento de aborrecimento com guloseimas.
Segundo Denise, alimentos não podem servir como recompensa ou paliativos para vitórias ou percalços da vida, pois isso pode fazer com que a criança comece a associar sentimentos à comida. Isso não é saudável nem do ponto de vista físico nem emocional.
"O que os pais podem fazer é sair para jantar para comemorar uma vitória, por exemplo. Dessa forma, cria-se uma relação afetiva diferente com o fato", esclarece.
5. Restringir demais a alimentação da criança
Da mesma forma que não é saudável a criança comer apenas alimentos gordurosos, açucarados e com taxas elevadas de sódio, não é indicado que os pais restrinjam demais sua alimentação. Claro, é mais indicado que ela tenha uma dieta equilibrada e rica em alimentos saudáveis. Mas é importante lembrar que as crianças vão sentir vontade de comer guloseimas.
Para lidar com essa questão, o caminho do meio é a melhor alternativa. Os pais devem ensinar que existem alimentos que podem ser consumidos com mais frequência, como frutas, verduras, legumes, proteínas e carboidratos. E também existem alimentos que podem ser consumidos eventualmente e em pequenas quantidades.
"É importante que haja equilíbrio na alimentação da criança, pois o controle excessivo pode levar a um comportamento contrário. Nesse caso, uma criança que sofreu muita pressão na hora de se alimentar, quando tiver uma oportunidade, pode cometer exageros", alerta o pediatra Fisberg.
A psicóloga Denise completa dizendo que existem pesquisas que mostram que crianças com pais muito restritivos são mais propensas a comer sem fome.
Uma boa alternativa é optar por alimentos saudáveis entre as opções de guloseimas. Por exemplo, se a criança quiser comer um bolo, ofereça um de cenoura. Se ela quiser um chocolate, oferecer uma opção com mais cacau é uma alternativa. Acredite, flexibilidade e saúde são conceitos que podem andar juntos.
6. Não chamar a criança para cozinhar junto
Muitas vezes, os pais ficam tão concentrados em cozinhar e servir a família que se esquecem de que, assim como a refeição, o preparo dos alimentos também é um momento social e pode contar com a ajuda das crianças.
É importante que a criança participe do preparo do alimento, pois assim saberá diferenciar um alimento cozido de um grelhado. Isso ajudará a criar conexões positivas com a rotina alimentar, além de ampliar o repertório alimentar.
No documentário brasileiro "Muito Além do Peso", da diretora Estela Renner, que aborda os problemas e consequências da má alimentação na infância, entre diferentes questões, a falta de conhecimento das crianças em relação aos alimentos ao mostrar diferentes frutas e verduras é evidenciada.
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Para chamar as crianças para cozinhar junto não é necessário expô-las a nenhum perigo, basta pedir que ajudem a lavar as verduras e legumes, a separar o feijão antes de colocá-lo na panela ou a abrir uma massa. Outra opção é ter uma hortinha em casa com algumas opções de ervas, como manjericão, hortelã e salsinha.
7. Induzir medos alimentares nas crianças
Muitas vezes, sem perceber, os pais acabam passando para as crianças alguns medos que eles têm, ocasionando distúrbios alimentares desde a infância. De acordo com a psicóloga Denise, é comum os pais falarem que precisam fazer dieta e perder peso e a criança achar que ela também precisa.
É importante ressaltar que não há necessidade de esconder da criança se alguém na família estiver passando por um processo de reeducação alimentar e precise consumir alguns alimentos em menor quantidade. Mas é fundamental deixar isso claro para a criança de forma que ela entenda que não precisa restringir a sua alimentação, tampouco ter uma visão distorcida da sua imagem.
Da mesma forma não é adequado dizer que a criança vai engordar se comer determinado alimento, ter cáries ou dor de barriga. O melhor a fazer é dizer que alguns alimentos podem ser consumidos diariamente e outros, de vez em quando.