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O preconceito e a violência praticada contra pessoas homossexuais no Brasil merecem atenção da sociedade. Registros nacionais e internacionais colocam o País no ranking dos lugares mais perigosos e que mais cometem crimes de discriminação de gênero e orientação sexual.
Infelizmente, muitos dos casos de discriminação contra essas pessoas são praticados pelos próprios familiares. Esse tipo de atitude deprecia, humilha e coloca seres humanos à margem da sociedade em condição de vulnerabilidade.
Nossa equipe editorial conversou com o diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rodrigo Lima, e com a psicóloga Raquel Baldo como forma de esclarecer a falta de informação e o preconceito dirigido às pessoas homossexuais. A seguir, você confere nove ideias que precisam ser esclarecidas:
1. Ser homossexual não é uma doença
"Categoricamente ser homossexual não é uma doença. Antigamente a homossexualidade era compreendida como um transtorno do comportamento, hoje sabemos que é apenas uma variação da personalidade", diz Lima.
A história que a homossexualidade seria uma doença vem de 1968, quando foi publicada a Classificação Americana para os Transtornos Mentais, em que a homossexualidade era listada como um deles. Depois disso, em 1973 a Associação Americana de Psiquiatria votou para que não mais a questão fosse tratada como um problema psiquiátrico, o que só aconteceu realmente em 1987.
Contudo, apenas em 1992, com a publicação da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a homossexualidade deixou, definitivamente, de ser considerada uma doença ou transtorno psiquiátrico.
2. Saber se a orientação sexual é definida pela genética, ao nascer ou por condições sociais ainda divide opiniões
Esta é uma questão que ainda divide pesquisadores e especialistas ao redor do mundo. As pessoas e demandas são muito diferentes, e há diversas linhas que tentam explorar todas as possibilidades de cada uma das opções. A seguir, a psicóloga e o médico de família explicam os seus pontos de vista sobre o assunto:
Raquel Baldo
Quando nascemos, não somos homossexuais ou heterossexuais, somos um ser em formação e tudo que vamos vivenciar e sentir desde o nascimento vai influenciar nisso. Nós só temos um gênero neste momento porque a sociedade coloca esta determinação.
Já com o crescimento, a criança passa a amar tanto a mamãe quanto o papai, o que é uma questão bissexualizada, mas que em nada está relacionada ao sexo e sim com a percepção de amor.
Não existe uma idade em que a sexualidade seria definida, apesar das teorias que tentam provar isso. Logo, a homossexualidade não é um ato pensado e escolhido, é um impulso inconsciente que é vivido e sentido.
Se perceber gay tem a ver com diversos fatores, até mesmo fisiológicos - que estudos estão tentando comprovar através de alterações no organismo. Mas o principal está relacionado com o aprendizado de amor vivido nos primeiros anos de vida na base da família, por mais que ela seja muito tradicional. Isso porque ser gay não é um sintoma, é uma essência do ser.
Rodrigo Lima
Não acredito que nascemos conscientes dos desejos que manifestaremos ao longo da vida, então não observaremos um comportamento hetero, homo ou bissexual em uma criança. Esse comportamento será manifestado com o tempo e influenciado pelo ambiente em que está inserida.
Não há evidência de um determinado gene que esteja relacionado a presença ou não da homossexualidade, assim como de outras variações de personalidade. Contudo, é provável que alguma carga genética possa ter um papel neste direcionamento, mas não podemos afirmar pois não há nada comprovado.
O que sabemos é que a homossexualidade surge nos mais diferentes contextos e cenários no mundo, onde há mais repressão ou mais permissividade, e isso não intervém na quantidade de homossexuais. Só interfere se iremos ficar sabendo ou não, pois onde há mais repressão a tendência é que as pessoas se expressem menos.
3. Doença sexualmente transmissível (DST) não é exclusividade de homossexuais
Esta é mais uma questão ligada a um menor conhecimento sobre saúde e DST no passado. O HIV (vírus da imunodeficiência humana) e o seu agravamento que é a aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), estão muito relacionados a este tipo de preconceito.
Em 1982 foram classificados os primeiros casos de aids no mundo. Eles estavam relacionados aos homens homossexuais, profissionais do sexo, hemofílicos e usuários de heroína injetável. Logo começou-se a notar a frequência com que estes homens eram acometidos e a doença chegou a ficar conhecida como "câncer gay".
Lima explica que quando o comportamento homossexual passou a ser um pouco mais aberto na sociedade, era comum que estes homens frequentassem os mesmos círculos e acabassem se relacionando entre si. O que numa época em que os preservativos não eram tão difundidos e não se conhecida nada sobre a doença, fez com que ela se espalhasse rapidamente entre eles.
"Contudo, hoje isso mudou e já sabemos que não existe um grupo de risco para HIV, e sim um comportamento de risco, que envolve todas as pessoas igualmente", diz Lima. Isso quer dizer que qualquer pessoa que se exponha ao vírus através de sexo sem proteção, compartilhamento de instrumentos perfuro cortantes infectados ou transmissão vertical (de mãe para filho), está sujeita a desenvolver a doença.
4. É possível ser atraído por homens e mulheres ao mesmo tempo
Da mesma forma que existe a heterossexualidade (ser atraído por pessoas do sexo oposto) e a homossexualidade (pelo mesmo sexo), também há a bissexualidade, ou seja, a pessoa é atraída por ambos os sexos. "Esta é uma variação normal do comportamento e não significa problema algum", diz Lima.
5. A homossexualidade não é "contagiosa"
"A homossexualidade não é um vírus, bactéria, doença, síndrome ou até deformação, ou seja, não é algo que se possa 'pegar'. Ela faz parte da formação do ser", diz a psicóloga Raquel. Ela ainda explica que há uma lei nesta questão em que os profissionais de saúde não podem usar termos como "cura" ou "contágio", justamente por não ser uma doença e passar uma ideia errada.
6. Crianças que têm contato com gays não serão obrigatoriamente homossexuais
Da mesma forma que vimos que a homossexualidade não é uma doença, por isso não é contagiosa, também é errado dizer que crianças que tenham contato com gays se descobrirão desta forma.
A psicóloga Raquel explica que o que faz que uma pessoa seja homo ou heterossexual são as experiências particulares dela, seja da mente ou do corpo, junto com as experiências do meio em que vive, dos prazeres e desprazeres que ela vai ter desde bebê e durante todo o seu desenvolvimento.
"Ao longo do crescimento ela vai determinando as suas identificações, desejos e não desejos, então em nada tem a ver o 'exemplo'. Uma criança pode ver um 'beijo gay', ser filha de um casal homossexual e ser heterossexual sem nenhum problema e vice-versa", diz a psicóloga.
7. Estresse na gravidez não aumenta chance do filho ser homossexual
Essa história surgiu de um livro lançado em 2014 por um neurologista holandês chamado Dick Frans Swaab, que acredita que a homossexualidade estaria ligada a uma alteração na composição hormonal na formação do cérebro durante a gestação.
Contudo, ainda não há estudos que corroborem e comprovem definitivamente a fala do médico. De acordo com Lima, "isso é uma bobagem sem tamanho, não faz o menor sentido?.
8. Heterossexualidade e homossexualidade não são necessariamente "para sempre"
"Como não é uma doença, não existe 'tratamento' para deixar de ser gay. A homossexualidade é uma variação do comportamento, então ela pode se manifestar de maneiras diferentes durante a vida. Existem pessoas que vivenciam experiências homossexuais e depois passam a não sentir mais prazer naquilo", explica Lima.
Segundo os especialistas, o mesmo pode acontecer com todas as pessoas, inclusive um homem heterossexual de 50 anos, casado e com filhos, por exemplo. As implicações desta mudança serão diferentes para cada um, e incluem a reação da família e amigos ao seu redor.
"Infelizmente as pessoas se prendem muito a rótulos: o ser homo, hetero ou bissexual. Inclusive alguns homossexuais consideram uma 'traição' a pessoa não se ver mais assim. Mas antes de sermos qualquer um destes rótulos somos seres humanos, esta não é uma questão de perder ou ganhar nada", opina Raquel.
Contudo, é importante ressaltar que "tratamentos" que prometam fazer a pessoa deixar de ser homossexual não são aceitos como verídicos e são proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia.
9. Não é possível "impedir" a homossexualidade
"Impedir" ou "prevenir" que a homossexualidade aconteça não é possível, pois ela não é uma doença. A psicóloga Raquel explica que, por mais que seja normal que os pais imaginem o futuro dos filhos, "tentar determinar isso é, na verdade, um desejo muito egoísta".
O que se pode fazer é tratar a sexualidade com mais naturalidade, ensinar a criança que seu corpo é valioso e precisa de respeito, assim como o do amigo e o da amiga. Os pais podem mostrar que são heterossexuais, pois o papai gosta de menina e a mamãe de menino, mas não é possível e não funciona tentar impor este comportamento, e o mesmo vale para o oposto.
É necessário tomar cuidado com cartilhas que negam ou ensinam a homossexualidade. "Não existe um livro que seja emocional, social ou psiquicamente saudável que vai induzir o que a pessoa deve ou não fazer. Não existe apenas um jeito hetero ou homossexual de ser, existe o jeito de cada um, então não há o que prevenir", finaliza Raquel.