Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1991), residência e especial...
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Autodiagnósticos utilizando aplicativos móveis, dados biométricos e informação médica disponível na internet são cada vez mais comuns. Mas isso realmente funciona?
Caso real: sexta feira à noite, durante a janta, toca o celular. Atendo e ouço um choro desesperado. Assustado, pergunto: "quem é". Sem resposta e achando tratar-se de sequestro virtual, vou desligar quando escuto: "vou morrer!!!", ao que respondo: "Quem é você e por que você vai morrer". Finalmente, minha interlocutora, paciente de um colega cujas férias eu cobria, explica: ela fez uma ressonância do cérebro sem indicação e por conta própria e o laudo mencionou: "gliose". Desconhecendo o termo, foi ao Dr. Google encontrando tratar-se de moléstia progressiva, incurável, intratável e fatal. O resultado" Passei a noite explicando que "focos de gliose" são apenas achados de exame sem maior significado e ela não iria morrer disto.
É por casos como este que precisamos pontuar alguns fatos sobre o autodiagnóstico:
1. O mais simples sintoma pode ser complexo e apresentar variações
Os sintomas frequentemente se sobrepõem aos de outras patologias e confundem até o mais bem treinado médico, de modo que uma simples dor de cabeça pode representar de uma sinusite a uma hemorragia subaracnóidea. O leigo, mesmo se esforçando em buscar fontes confiáveis, não está equipado para diferenciá-las, pois não possui a experiência, discernimento ou a linguagem indispensáveis para extrair destas fontes, os dados corretos e relevantes.
Ele geralmente as compreende erroneamente no contexto de sua própria experiência e isto não é demérito. O mesmo ocorre quando médicos tentam escrever contratos, ou arquitetos decidem realizar análises macroeconômicas. As cifras das linguagens específicas a cada área comprometem significativamente sua compreensão.
2. Uma auto análise pode ser completamente tendenciosa
Outro ponto crucial é a objetividade analítica. O Dr. William Osler, considerado o pai da medicina moderna, dizia: ?o médico que trata a si próprio, tem um bobo como paciente?. Quando você analisa seus próprios sinais e sintomas, pegam carona sem você perceber seus medos, ansiedades, preferências e vários outros viéses capazes de descarrilhar o mais objetivo raciocínio.
Um exemplo pessoal que corrobora esta afirmação é que em meu quarto ano de medicina, mesmo sem tendência à hipocondria, lembro-me de não pensar ter bem mais do que três ou quatro das centenas de doenças que estudei. Sim, somos seres medrosos e impressionáveis e como isto se manifesta? Evitando aqueles diagnósticos que tememos, mesmo quando prováveis, ou tratamentos que nos assustam, mesmo quando indicados. Por isso é muito mais eficaz e seguro delegar estas decisões a um terceiro não diretamente afetado pelo resultado.
3. Os resultados nem sempre são confiáveis
No outro lado da equação, se analisarmos os resultados elencados pelos motores de busca regulares, veremos que o principal critério não é sua solidez científica, mas o fato do link ser patrocinado ou número de acessos, elementos fracamente associados à credibilidade da informação. Com isso, ao buscar respostas, pacientes são frequentemente expostos a dados questionáveis ou propaganda, cuja implementação pode produzir impactos deletérios importantes em sua saúde. Exemplos típicos deste tipo de prática são as terapias de "detoxificação", dietas para emagrecer, suplementos para ficar forte e bonito sem fazer esforço, afrodisíacos de toda espécie, a promoção de produtos "naturais" que curam todas as doenças e assim por diante.
Então, o que podemos concluir?
É por tudo isso que raramente um autodiagnóstico sobrevive a um questionamento especializado. Novamente, leigos não são obrigados a ser diagnosticadores proficientes, nada na medicina é simples ou direto e exatamente por isso, convém voltarmos ao exemplo inicial e perguntar: Valeu a pena a intensa angústia da paciente que se auto diagnosticou equivocadamente? Este diagnóstico, todos estamos habilitados a fazer.