Médico especializado em angiologia e cirurgia vascular graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é...
iAs verdades são transitórias mesmo dentro da ciência, pois em um determinado momento um corpo celeste vira um planeta e o mesentério, um velho conhecido já descrito por Leonardo Da Vinci no século XVI, vira órgão. Com novas tecnologias e conhecimento, vamos descobrindo novas funções e em um determinado momento descobrimos que aquela estrutura que todo médico conhece muito bem começa a ser mais bem entendida e ganha status de órgão.
Para entendermos melhor precisamos falar rapidamente sobre a anatomia. Existe uma membrana contínua que reveste toda a cavidade abdominal pélvica e as vísceras, que chamamos de peritônio. O mesentério é uma lâmina dupla de peritônio e faz parte das estruturas abdominais, responsável por fixar toda parte móvel do intestino, ligando-o ao organismo através de nervos e vasos que alimentam o trato intestinal e também trazem os nutrientes absorvidos na digestão nesses órgãos.
A importância do mesentério é que ele serve como um assoalho para a passagem dos vasos e nervos, ajudando para que não fiquem soltos dentro da cavidade abdominal. Os vasos linfáticos absorvem gordura do intestino e drenam a linfa até o tronco linfático intestinal em direção à cisterna do quilo. Sua estrutura em forma de leque é maleável o suficiente para permitir que o intestino se movimente, o que é muito importante para suas funções, principalmente de defesa contra infecções.
As doenças vasculares que acometem os vasos mesentéricos podem ser didaticamente divididas em isquemias agudas e crônicas.
Saiba mais: Mesentério: entenda como funciona o novo órgão
Isquemia mesentérica aguda
É um fechamento da chegada de sangue na artéria mesentérica como se fosse um infarto, só que no intestino. Precisamos de sangue para irrigar nossos órgãos e tecidos e, se há uma interrupção nessa irrigação, chamamos de isquemia.
Essa oclusão pode ser pela presença de um êmbolo, que funciona como uma rolha dentro de um vaso sanguíneo e interrompe abruptamente a circulação. Pode ser por uma trombose, que é a interrupção por um coágulo de sangue dentro do vaso que vai crescendo até interromper totalmente ou parcialmente a passagem de sangue. Temos a trombose venosa mesentérica, que acomete as veias que drenam o sangue do intestino.
Por fim podemos ter a isquemia mesentérica não oclusiva, que é decorrente de uma diminuição do diâmetro de uma artéria, causando uma falta de sangue temporária em um determinado segmento do intestino.
As isquemias agudas são mais frequentes em mulheres idosas e os sintomas são de dores intensas seguidas de náuseas, vômitos, diarreia e sangue oculto retal ou gástrico. A dor geralmente localiza-se em região perto do umbigo e é muito maior do que aparenta ao exame físico. O diagnóstico é feito por uma arteriografia, que é um exame que consegue visualizar os vasos por meio da injeção de um meio de contraste, já que o sangue não aparece na radiografia.
Isquemia mesentérica crônica
Pode acontecer por anormalidades nos vasos, sendo a mais comum a aterosclerose, que vai obstruindo lentamente a passagem de sangue no vaso por acúmulo de gordura dentro dele. Existem também as compressões por fora dos vasos, que podem acontecer por ligamentos que vão ficando mais frouxos com o passar dos anos e caem obstruindo parcialmente os vasos ou tumores, que podem crescer e comprimir um vaso lentamente até a sua oclusão total.
Em relação aos vasos linfáticos, podemos ter a ascite quilosa, que é uma rara complicação após procedimentos cirúrgicos abdominais e após trauma no tórax e abdômen. Por ser muito rara, não será objeto de nossas considerações neste artigo.
Tratamento das doenças do mesentério
O melhor tratamento é a revascularização do vaso acometido e que deve ser feito o mais rápido possível. Em muitos casos o diagnóstico é difícil de ser feito e o tratamento costuma ser a ressecção de uma parte do intestino, que foi acometida e está morta (necrosada). Essa parte necrosada é retirada e a parte normal do intestino que sobrou é reconstituída. Nos casos crônicos, o sintoma mais comum é a dor abdominal após a alimentação, quando há necessidade de chegar mais sangue para ajudar na digestão dos alimentos e o sangue não chega na quantidade adequada. Como consequência, há perda de peso e aversão à comida.
O tratamento pode ser clínico, com uma dieta alimentar adequada, pouco volumosa e fracionada, associada à medicação antiespasmódica e vasodilatadora. Só devem ser tratados clinicamente os casos com poucos sintomas e mesmo esses devem ser muito bem acompanhados. Os casos mais sintomáticos devem ser submetidos a revascularização.
Pense saúde para não ter que tratar da doença
A "dorzinha" que aparece depois de uma alimentação farta, pode um dia se manifestar como uma doença grave, como uma trombose mesentérica, levando a tratamentos cirúrgicos ou até à morte. Por isso, devemos pensar saúde e entender a linguagem do nosso corpo, que muitas vezes começa a manifestar sintomas como dor que não damos a devida atenção.
Podemos dizer que as isquemias dos vasos mesentéricos são graves, com um índice alto de mortalidade e devem ser abordadas o quanto antes para um maior sucesso no tratamento. Pensar na possibilidade de uma isquemia é muito importante para um diagnóstico precoce.
Como a população está envelhecendo mais e as doenças vasculares têm uma íntima ligação com a idade, as doenças que falamos neste artigo vão acompanhar esse crescimento da população idosa e devem se manifestar mais.