Graduado em medicina pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), com residência médica em Genética Médica pelo Hos...
iErros inatos do metabolismo (EIM) são raras desordens genéticas (hereditárias) nas quais o corpo não consegue transformar os alimentos em energia apropriadamente. Essas desordens são geralmente causadas por defeitos em proteínas específicas (enzimas) que ajudam a metabolizar os alimentos.
Um produto alimentar que não é sintetizado em energia pode se acumular no corpo e causar uma ampla gama de sintomas. Vários erros inatos do metabolismo causam atrasos no desenvolvimento ou outros problemas médicos, se não forem controlados.
Os erros inatos do metabolismo são considerados a causa das Doenças Metabólicas Hereditárias (DMH), um grupo de doenças que representa cerca de 10% de todas as doenças genéticas.
No entanto, ainda hoje, por serem casos individualmente raros e com manifestações clínicas inespecíficas, é bastante comum que ocorra um diagnóstico tardio, o que acarreta uma demora no tratamento que pode ser irreparável para a criança.
Por outro lado, o diagnóstico precoce e a intervenção clínica adequada podem são bastante benéficos para uma boa evolução do paciente.
Que doenças e quadros estão englobados nessa classificação?
Existem vários diferentes tipos de erros inatos do metabolismo. Tradicionalmente as doenças metabólicas herdadas são classificadas como desordens do metabolismo de carboidratos, de proteínas, de ácidos orgânicos ou doenças de armazenamento lisossômico. Nas últimas décadas, centenas de novas desordens do metabolismo herdadas foram descobertas e as categorias proliferaram.
Algumas circunstâncias metabólicas são catalizadoras de quadros sintomáticos agudos nos pacientes de erros inatos do metabolismo. Veja a seguir as desordens no metabolismo relacionadas aos principais fatores desencadeantes:
Proteínas | Frutose | Desmame | Galactose | Glicerol | Carboidratos | Jejum, infecção, febre, catabolismo | Anestesia, Cirurgias | Medicamentos |
Defeitos do ciclo da ureia | Intolerância à frutose | Intolerância à frutose | Galactosemia | Intolerância ao glicerol | Deficiência de piruvato desidrogenase | Aminoacidopatias | Acidentes tromboembólicos na homocistinúria | Porfirias |
Intolerância à proteína com lisinúria | Deficiência de frutose 1,6-difosfatase | Deficiência de frutose 1,6-difosfatase | Defeitos da cadeia respiratória mitocondrial | Defeitos da oxidação dos ácidos graxos | As doenças das colunas anteriores | Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase | ||
Síndrome do triplo H | Defeitos do ciclo da ureia | Hiperinsulinismo | Defeitos do ciclo da uréia | |||||
Doença da urina do xarope de bordo | Intolerância à proteína com lisinúria | Defeitos da gliconeogênese | ||||||
Acidemias orgânicas | Síndrome do triplo H | Defeitos da glicogenólise (glicogenoses) | ||||||
Hiperinsulismo | Doença da urina do xarope de bordo | |||||||
Acidemias orgânicas |
Qual a incidência destes problemas?
A grande maioria dos erros inatos do metabolismo compõe-se de doenças que afetam o organismo como um todo, o que geralmente envolve esforços de médicos de diferentes especialidades para que o diagnóstico seja obtido. Os problemas manifestam-se em qualquer faixa etária.
Isoladamente, a incidência de uma doença metabólica é pequena, pois a herança é autossômica recessiva, ou seja, precisa de dois genes iguais para se manifestar. O fato de terem o diagnóstico subestimado também colabora essa baixa incidência oficial. A frequência dessas desordens metabólicas é mais expressiva quando são analisados os 500 distúrbios mais conhecidos, o que dá uma proporção de 1 para cada 5 mil nascidos vivos.
No Brasil, a prevalência estimada de algumas doenças como a fenilcetonúria é de 1 caso para cada 12 a 15 mil nascidos. A "doença da urina de xarope de bordo" tem a prevalência de 1 para 43 mil nascidos e a deficiência de biotinidase atinge 1 a cada 125 mil recém-nascidos vivos.
Alguns erros inatos do metabolismo podem não ser nunca diagnosticados?
Os erros inatos do metabolismo individualmente são raros, mas coletivamente são comuns. Eles se apresentam geralmente no período neonatal ou na infância, mas podem ocorrer a qualquer momento, mesmo na idade adulta.
O diagnóstico de um erro inato do metabolismo é difícil e muitas vezes acontece por exclusão de outras condições mais comuns. Por isso é importante que os médicos estejam alertas para incluir um EIM no diagnóstico diferencial.
O diagnóstico não exige conhecimento extensivo de caminhos bioquímicos ou doenças metabólicas individuais. Uma compreensão das principais manifestações clínicas de erros inatos do metabolismo fornece a base para saber quando considerar o diagnóstico. Um alto índice de suspeita é o fator mais importante na realização do diagnóstico clínico.
Muitos destes quadros se manifestam no nos recém-nascidos: letargia, convulsões, vômitos, hipotonia ou distúrbios hidroeletrolíticos, entre outros sintomas. Os sinais de alerta para que o diagnóstico seja feito variam bastante, pois os sinais e sintomas podem ser confundidos com outros problemas de saúde. Muitas crianças morrem devido a um quadro destes, mas o óbito é atribuído a causas mais comuns.
O caráter transitório dos sintomas e sinais é outro fator que dificulta o diagnóstico dos erros inatos do metabolismo. Alergias alimentares e situações de estresse são tratadas paliativamente, enquanto que o quadro mais grave passa desapercebido.
Em termos de suas manifestações clínicas, os casos são divididos geralmente em quatro grupos:
1) Grupo de pacientes que apresentam sintomas agudos logo após o nascimento;
2) Grupo de pacientes que apresentam sintomas agudos e muitas vezes recorrentes depois do período pós-natal - geralmente dos 29 dias de vida até a vida adulta;
3) Grupo dos quadros clínicos específicos, com deterioração progressiva de um órgão ou sistema. Neste grupo encontram-se as doenças degenerativas cerebrais, as hepatopatias progressivas, as síndromes bem específicas como a homocistinúria, entre outras;
4) Grupo de pacientes que apresentam quadros crônicos que podem ser gerais e não específicos: retardo mental por acúmulo de substâncias tóxicas, retardo do crescimento por evitar substâncias tóxicas na alimentação.
Como é feito o diagnóstico de erros inatos do metabolismo?
O diagnóstico de um erro inato do metabolismo começa pela essencial suspeita clínica, que se segue de testes laboratoriais simples, como a triagem urinária, até a complexa dosagem enzimática e investigações genéticas.
Muitos das doenças decorrentes dos erros inatos do metabolismo são agora detectáveis por testes de rastreamento do recém-nascido. Este é um meio que vem sendo cada vez mais usado e que tem resultado em tratamentos precoces com melhores resultados.
Existe uma tecnologia revolucionária, a cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa (GC/MS), que torna possível testar um recém-nascido para mais de 100 desordens metabólicas genéticas. Devido à multiplicidade de condições, muitos diferentes testes diagnósticos são usados para fazer o screening genético. Um resultado anormal é geralmente confirmado por subsequentes "testes definitivos" para que as suspeitas sejam confirmadas.
Entre os testes mais usados, e mais importantes, para diagnosticar erros inatos do metabolismo está a triagem urinária. São testes simples e de baixo custo que investigam alterações do metabolismo de aminoácidos, carboidratos, glicoaminoglicanos, ácidos orgânicos e das porfirinas, entre outros parâmetros. Mas é a dosagem enzimática que dará o diagnóstico conclusivo, na maioria dos casos.
Além disso, em famílias que passam por processos de fertilização in vitro, os embriões são testados e selecionados para não apresentarem essas doenças futuramente.
Erros inatos do metabolismo podem ser tratados?
Pacientes com suspeita, ou que já tenham sido diagnosticados com conhecidos erros inatos do metabolismo, precisam de tratamento de urgência para que o metabolismo se estabilize. Crianças recém-nascidas com resultados positivos no rastreio para um erro metabólico congênito podem requerer avaliação rápida, com testes confirmatórios, e início imediato de manejo específico da doença.
Entre as primeiras medidas de tratamento está a abstenção de alimentos que podem desencadear sintomas (como o glúten, a lactose e alimentos não permitidos para as crianças portadoras de fenilcetonúria, por exemplo).
O estímulo ao anabolismo, com soluções glicosadas ou mesmo o uso de hormônio de crescimento e glicoinsulinoterapia, é também uma medida terapêutica imediata.
Coquetéis de vitaminas do grupo B e outras vitaminas e minerais de reposição também serão necessários para o controle clínico dos sintomas, especialmente quando a criança apresenta convulsões.