Pediatra especializada em medicina do adolescente, conhecida como hebiatria. Formada pela Pontifícia Universidade Católi...
iEm 2015 veio a público a existência dos chamados Guevedoces, crianças da República Dominicana classificadas como do sexo feminino ao nascimento e que, aos 12 anos, com o aparecimento do pênis, eram reconhecidas como sendo do sexo masculino. Casos semelhantes foram descritos na Turquia e Papua Nova Guiné.
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Como isso acontece?
Apesar de estranho, o fato tem explicação científica. Essas crianças eram portadoras de uma desordem de desenvolvimento sexual, causada pela deficiência de uma proteína chamada 5-alfa-redutase tipo 2, uma doença autossômica recessiva rara. A alta incidência nessa região acontece devido ao grande número de casamentos consanguíneos, o que favorece o aparecimento de doenças de causa genética.
Diversas são as alterações genéticas que podem levar a desordens do desenvolvimento sexual, todas elas ocorrendo na fase embrionária, no início da gestação. Até a sétima semana após a concepção, o feto não apresenta diferenciação sexual. É nesse momento que os fetos masculinos (46XY) começam a desenvolver os testículos, se diferenciando dos fetos femininos (46XX), que através de mecanismos próprios, desenvolvem os ovários.
Na nona semana de gestação, depois que as células produziram testosterona suficiente para permitir a síntese de diidrotestosterona (DHT), é que a genitalia externa se torna característica. É só na 17ª semana que os orgãos sexuais externos estão totalmente formados. A diferenciação e o crescimento dos órgãos genitais externos são particularmente dependentes da DHT e os bebês 46XY que não possuem a 5-alfa-redutase, apesar de nascerem com testículos normalmente funcionais, têm os órgãos genitais externos pouco desenvolvidos.
Na puberdade, pelo aumento da testosterona sérica e das concentrações de DHT, através da 5-alfa-redutase tipo 1, inicia-se o crescimento dos testículos, do pênis e dos músculos. As crianças do sexo masculino com deficiência da 5-alfa-redutase tipo 2, que tiveram pouco ou quase nenhum desenvolvimento peniano, recebem esse novo estímulo que resulta no desenvolvimento de sua genitália externa, demonstrando que, apesar de na infância serem tidos como meninas, são, na realidade, meninos.
Os Guevedoces são, portanto, meninos que, apesar de terem testículos desenvolvidos e níveis de testosterona normais, apresentaram um problema de desenvolvimento dos caracteres sexuais durante a gestação, devido à conversão defeituosa de testosterona em dehidrotestosterona, fundamental para a diferenciação sexual do feto.
E a identidade de gênero dessas crianças?
Outra questão que surge diante dessa população é: como fica a identificação de gênero e a orientação sexual desses meninos, criados até o início da puberdade como meninas? Segundo estudiosos, a maioria desses meninos se viam como do sexo masculino e sentiam-se atraídos por meninas. Isso acontece porque a identificação de gênero (como se sente) e orientação de gênero (por quem se sente atraído) independe da criação, é intrínseca ao ser humano.
Por serem meninos tratados como meninas, é possível que os Guevedoces tenham sentimentos ambíguos durante a infância, devido à discordância de sua identificação pessoal com seus corpos e papel estabelecido pela sociedade, e infelizmente alguns devem sofrer em seus ambientes sociais e familiares, já que não se comportam de acordo com a sua expressão de gênero, ou seja, eram tidos como meninas, mas tinham comportamentos masculinos.
A deficiência da 5-alfa-redutase tipo 2 é uma doença orgânica de causa genética, mas devido as suas características, nos leva a uma discussão muito maior, sobre a aceitação da diversidade sexual. A sociedade está pronta para aceitar o diferente, aquele não segue o padrão da maioria? E você?