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Responda sinceramente: você consegue compreender os rótulos dos alimentos, comparar e escolher a melhor opção no mercado? Se sua resposta for não, você faz parte dos 75% dos brasileiros que também não conseguem fazer isso, de acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). Isso acontece por causa da complexidade das informações contidas tanto no rótulo, quanto na lista de ingredientes que muitos produtos carregam.
"O Idec já fez pesquisas em anos anteriores, que indicaram que a população tem dificuldade em entender a tabela nutricional de hoje. Entre os motivos, foram citados o tamanho da letra ser muito pequeno, a necessidade de cálculo por causa da porção referente aos valores nutricionais, os termos técnicos, a poluição visual, a localização um pouco escondida da informação nutricional, entre outros", explica a nutricionista Laís Amaral, do Idec.
Por todos esses problemas, desde 2014 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e um grupo de trabalho que envolve especialistas no assunto, associações e órgãos de defesa do consumidor, estão estudando a melhor maneira de reformular o modelo de rótulo alimentar no Brasil, que está com o mesmo padrão desde 2003. Ao que tudo indica, o projeto deve ter um desfecho ainda esse ano.
De lá para cá, alguns modelos de rotulagem foram desenvolvidos pelo grupo de trabalho, embasados por pesquisas e até pelo exemplo de outros países em alguns casos, e todos estão sob análise da Anvisa e devem ir para consulta pública nos próximos meses.
Modelos de rotulagem em análise
As propostas estão gerando grandes debates entre as associações e órgãos que atuam diretamente no projeto de mudança. Cada grupo defende uma abordagem diferente nas embalagens, alguns são mais radicais, outros acreditam que isso só trará terrorismo alimentar para a população. Entretanto, de acordo com o nutrólogo Carlos Alberto Nogueira de Almeida, da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), a Anvisa não vai optar por um dos modelos apresentados. "A Anvisa vai ter um modelo próprio e eles estão aceitando sugestões para incrementar o próprio projeto", ressalta ele.
De acordo com a Anvisa, a maioria das propostas encaminhadas pelos membros do grupo de trabalho focou em modelos de rotulagem nutricional guiados por cores, com indicações na parte da frente dos alimentos. Algumas propostas contemplaram, também, modificações na tabela nutricional ou em outras informações de composição, como a lista de ingredientes e as advertências de composição. Ainda podem surgir novas propostas para a análise da agência.
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Proposta 1
Modelo de rotulagem nutricional frontal, com advertência na forma de círculo vermelho quando o alimento contiver quantidade elevada de açúcar, gordura e sódio. Complementar a essa informação, o produto traria ainda uma tabela simplificada com até 8 componentes do alimento, com cores do semáforo para destacar valores altos (vermelho), médios (amarelo) e baixos (verde) dos componentes. Além dessa tabela com cores, foi proposta uma tabela adicional para a declaração de um número maior de componentes do alimento.
Proposta 2
Utiliza cores do semáforo na rotulagem frontal para açúcares, gorduras totais, gorduras saturadas e sódio, e traz informações quantitativas sobre os nutrientes em porções. Em uma tabela secundária, traria dados dos nutrientes previstos na RDC 360/03 (dados de rotulagem nutricional obrigatória, prevista em lei) em 100g do alimento e, de forma complementar e opcional, por porção e com percentual de Valor Diário (%VD).
Proposta 3
Este modelo traz na rotulagem frontal da embalagem alertas em octógonos de cor preta, com borda branca, informando a presença de teores elevados de açúcares, sódio, gorduras totais, gorduras saturadas, gordura trans, presença de edulcorantes (adoçantes) e aditivos alimentares. As informações declaradas seriam com base em 100 gramas ou 100 ml do alimento.
Proposta 4
O modelo apresenta na rotulagem frontal alertas na forma de triângulos de cor preta, que informam sobre teores elevados de açúcar, sódio, gordura, gordura saturada, gordura trans e adoçante (edulcorante), com fundo branco. A proposta sugere também alterações na lista de ingredientes e na tabela de informação nutricional, além de destacar em amarelo os componentes em excesso na tabela nutricional localizada nos painéis secundários (laterais ou na parte detrás). É proposto também incluir frase de advertência em relação ao uso moderado de certos ingredientes culinários.
Proposta 5
Chamado de Nutri-Score, o modelo traz na embalagem uma nota para o alimento, que vai de A a E, sendo A a nota mais positiva e E a nota mais negativa. A classificação do alimento é feita avaliando a composição total do produto e não os ingredientes isolados e em porções específicas. Ele avalia o equilíbrio entre os nutrientes considerados "positivos" (teor de frutas, legumes, fibras e proteínas) e "negativos" (energia, gordura/gordura saturada, açúcares totais e sódio) em uma base de 100g.
Novo padrão de rotulagem será feito sob medida para o Brasil
Os modelos de rotulagem nutricional frontal apresentados são adaptações inspiradas em modelos do Reino Unido (semáforo nutricional), do Chile (advertências) e da França (Nutri-Score). Apesar de os modelos acima serem os principais na análise, existem outras opções que também podem contribuir para a construção do novo modelo brasileiro. Um exemplo é o adotado pelo Equador, que mescla conceitos usados tanto no semáforo quanto no modelo de advertências:
Atualmente, não existem estudos científicos publicados que comparem a efetividade dos modelos em questão com o objetivo de aumentar a compreensão dos alimentos e pela promoção de melhores escolhas alimentares. Além disso, a agência afirma que os modelos usados em outros países não podem ser copiados no Brasil sem antes ser feita uma análise muito complexa, pois aqui existem fortes diferenças no nível educacional e no conhecimento sobre nutrição. A Anvisa ressalta que todas as propostas serão muito bem estudadas, modificadas e aperfeiçoadas para o cenário brasileiro.
Entidades estão divididas sobre modelos propostos
É nisso o que acreditam os membros da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN). "Entendemos que o consumidor tem que ser empoderado e, para isso, ele tem que ser educado nutricionalmente. Existem medidas que são muito rasas, como colocar símbolos na frente em preto, que a pessoa bate o olho e não consome. Somos contrários, porque isso divulga o pânico. Para a SBAN não existe alimento ruim. Em toda a área de nutrição não existe alimento que faça só mal, a não ser que esteja estragado. Um alimento rico em gordura não vai afetar sua saúde, mas sim a quantidade e a frequência que você consome", explica Marcia Terra, nutricionista e membro da diretoria da SBAN.
A SBAN acredita no uso do semáforo nas embalagens, com a indicação da taxa de açúcares, gorduras totais, gorduras saturadas e sódio presentes no alimento, em três escalas diferentes: alta, média e baixa quantidade. "O rótulo não vai explicar o que você deve comer ou não, é uma ferramenta apenas, o rótulo não deve ser balizador do que é bom ou ruim", completa ela.
Por outro lado, o modelo de alerta na cor preta na frente da embalagem é defendido pelo IDEC. Esse modelo de advertência foi inspirado no padrão usado no Chile. Nesse formato, ingredientes críticos que tivessem níveis altos no produto iriam ter destaque na embalagem. "Outros países já estão adotando esse modelo, Israel acabou de começar a usar esse modelo, Canadá está adotando um modelo de advertência, Uruguai está próximo de aprovar essa lei", diz Laís, nutricionista do IDEC.
"Nosso objetivo principal com essas mudanças é garantir o direito à informação para o consumidor. Com o símbolo a pessoa já saberia que aquele alimento é prejudicial para a saúde dela. Com isso, vamos ter escolhas alimentares mais conscientes e saudáveis, é o objetivo principal da nossa proposta", completa ela.
Já a ABRAN aposta no Nutri-Score como a melhor saída para esse embate, entrando como algo adicional ao modelo que temos atualmente."O nosso rótulo atual é excelente, temos legislação muito boa, temos uma tabela nutricional excelente. Não propomos nenhuma modificação nisso. A ideia é decodificar algumas informações desse rótulo e transformar isso em rápida informação para o consumidor. A mensagem fica na frente da embalagem e, ao ver, o consumidor já saberia o que ele estaria comprando."
O que todos querem: maior acesso à informação
Apesar dos embates gerados pelos modelos de rotulagem propostos, a Anvisa e as entidades envolvidas no tema esperam que a população consiga compreender o que compra, leva para casa e consome, aumentando assim o nível de educação nutricional no Brasil. E essa questão se mostra cada dia mais urgente: de acordo com o Ministério da Saúde, a obesidade cresceu 60% no país entre 2006 e 2016, o que mostra que algo está errado na casa dos brasileiros e que essas mudanças são extremamente necessárias.