Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde também realizou mestrado em Psiquiatria. Doutor e...
iO conceito de psicose tem a ver com uma perda do vínculo com a realidade. A sua origem vem de uma contração das palavras "psíquica" e "neurose", referindo-se a uma doença dos nervos com manifestação psíquica. No decorrer da história da Psiquiatria "neurose" passou a denominar transtornos de origem psicológica nos quais era possível compreender o aparecimento dos sintomas com base na história do indivíduo (1) e "psicose", transtornos em que os sintomas eram incompreensíveis, desligados da realidade, como alucinações, delírios ou vivências em que o indivíduo sentia que seus atos não eram controlados por ele mesmo ou que seus pensamentos se difundiam para fora de sua cabeça.
Sintomas psicóticos são os que caracterizam os "loucos", na linguagem popular pois, por vezes, as pessoas psicóticas verbalizam seus pensamentos e vivências, absurdas aos ouvidos de pessoas normais ou mesmo agem com base nelas. Por exemplo, vão a uma delegacia reclamar da perseguição que sofrem por parte de uma máfia imaginária.
O episódio depressivo maior se caracteriza por a pessoa sentir-se triste, desanimada, vazia, sem esperança, a maior parte do tempo. No caso de crianças e adolescentes, a manifestação pode ser irritabilidade. Perda de interesse e prazer na maior parte das atividades também caracterizam depressão.
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A estes sintomas de humor se associam alterações como aumento ou diminuição significativa do peso corporal (sem dieta intencional), insônia ou hipersônia quase todos os dias, agitação ou lentificação dos movimentos (observável, não somente subjetivo), fadiga ou perda de energia, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva, capacidade diminuída para pensar ou concentrar-se, pensamentos recorrentes de morte (na linha de "seria melhor morrer" ou "seria melhor se Deus me levasse") ou mesmo pensamentos suicidas.
A quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana (DSM 5) classifica a depressão de psicótica quando houver presença de delírios ou alucinações. Delírios são pensamentos incondizentes com a realidade. São chamados de "congruentes com o humor" quando denotam pensamentos negativos, compreensíveis com base no humor deprimido: por exemplo, uma pessoa tem a convicção de que vai morrer nas próximas semanas (mesmo sem haver nenhuma evidência para tanto) ou de que sua esposa o está traindo porque ele não merece o amor de ninguém (mesmo não havendo evidências para nenhuma das duas afirmações).
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Delírios "incongruentes com o humor" são aqueles pensamentos que não condizem com a realidade e nem têm relação com a negatividade do humor: por exemplo, a pessoa tem a convicção que outros conseguem ler seu pensamento ou tem um delírio de que está sendo perseguida sem motivo algum (se achar que a perseguem por se sentir culpada, seria congruente com o humor do deprimido).
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Dentre os casos de depressão maior, quase vinte por cento têm características psicóticas (3).
Tratamento
O tratamento da depressão psicótica geralmente é feito através da associação de uma medicação antidepressiva com uma medicação antipsicótica. A eletroconvulsoterapia ou ECT, um tratamento em que uma corrente elétrica é aplicada ao cérebro durante alguns segundos (sob uma leve anestesia geral) também é eficaz (2). Após a recuperação, a pessoa deve continuar o tratamento, geralmente mantido com medicações.
Depressão psicótica no transtorno bipolar
Episódios de depressão psicótica podem ocorrer também na depressão do transtorno bipolar. O transtorno bipolar é um quadro no qual a pessoa apresenta pelo menos um episódio com sintomas opostos aos da depressão, denominado de "mania". As características desta são uma alegria "excessiva", que não é apenas o bem-estar de uma pessoa que se recuperou de um episódio de depressão (por vezes, a principal manifestação é irritabilidade excessiva), aumento excessivo da vitalidade e da energia.
Também se observam sintomas como auto-estima exageradamente alta ou grandiosidade, diminuição da necessidade de sono, loquacidade excessiva (a pessoa fala exageradamente), pensamentos muito acelerados, fácil perda do foco de atenção, aumento de várias atividades como a sexual, a social, a profissional ou a escolar, por vezes com promiscuidade e gastos descontrolados ou intensa agitação.
Componentes psicóticos podem ocorrer também na fase maníaca do transtorno bipolar. O tratamento do transtorno bipolar psicótico se faz com estabilizadores de humor, medicações antipsicóticas e, por vezes, antidepressivos associados. Como os antipsicóticos modernos são em geral bons estabilizadores de humor, por vezes é possível utilizá-los como único tratamento. A ECT também é utilizada.
Existe também o transtorno esquizoafetivo, no qual há um episódio de depressão maior ou de mania concomitantemente a sintomas de esquizofrenia como delírios, alucinações, discurso ("fala") desorganizado ou comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico (comportamento em que a pessoa fica imóvel em posturas frequentemente rígidas e eventualmente bizarras) e diminuição da capacidade de expressar emoções ou perda da vontade. Para que se possa fazer o diagnóstico de transtorno esquizoafetivo, a Associação Psiquiátrica Americana, em seus critérios diagnósticos, exige que haja uma semana de delírios ou alucinações SEM sintomas de mania ou depressão. O tratamento é feito com antipsicóticos, estabilizadores de humor e, conforme a necessidade, antidepressivos.
Causas
Sintomas depressivos e psicóticos podem aparecer como consequência de alterações do funcionamento cerebral resultantes de doenças como acidentes vasculares cerebrais, processos cerebrais inflamatórios ou tumores. Nestes casos, além do tratamento sintomático com remédios, deve-se tratar também a causa original.
Referências
1 - Bürgy M. The concept of psychosis: historical and phenomenological aspects. Schizophr Bull. 2008 Nov;34(6):1200-10. doi: 10.1093/schbul/sbm136. Epub 2008 Jan 2 - Jennifer Keller Alan F. Schatzberg Mario Maj Current Issues in the Classification of Psychotic Major Depression Schizophrenia Bulletin, v.33, 2007, p. 877?885, https://doi.org/10.1093/schbul/sbm065PMID: 181746083 - Rothschild AJ Challenges in the treatment of major depressive disorder with psychotic features. Schizophr Bull. 2013 Jul;39(4):787-96. doi: 10.1093/schbul/sbt046. Epub 2013 Apr 18.4 - American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington, DC: