Xi, isso é psicólogico. Com certeza você já escutou essa frase, dita quando nenhum motivo aparente parece justificar est...
iEscrevo para você jovem mulher, aliás, com um potencial profissional, intelectual e de conquistas das mulheres de tempos anteriores ao seu. Hoje você é uma profissional liberal, de sucesso e independente. Tem sua casa própria, seu carro e viaja. O mundo está aos seus pés, conseqüência de sua dedicação e busca para alcançar aquilo que outrora nem se imaginava que uma mulher pudesse ou tinha direito de ter.
Ao vê-la assim dá um sentimento de paz e missão cumprida. Nesse apogeu você encontra seu príncipe. Ele não vem num cavalo branco, mesmo porque você sabe dirigir sua vida e não precisa da garupa de ninguém para ultrapassar seus horizontes. Ele trabalha numa área bem diferente da sua e isso não lhe assusta. Pelo contrário, é um novo universo a ser desbravado pela sua curiosidade de quem quer evoluir. Ótimo!
Sem problemas. Vocês trabalham e quanto da saudades os fins de semana e feriados permitem se encontrar, ficam juntos na sua casa ou na dele, usufruem de todos os bons, alegres e prazerosos momentos de uma relação a dois. Não há nada mais a desejar do mundo.
Então, eu lhe encontro e você me diz que está profundamente infeliz e não sabe se é esse seu sonho. Pois todas as suas amigas casam, abandonam a profissão, se dedicam aos filhos, às vezes até se aborrecem; mas você acha que esse é o modelo ´normal´. E fica infeliz por viver de uma maneira que, segundo você, não é normal.
No meio da conversa me conta que sua mãe está no auge da maturidade, mas é depressiva e está aprisionada num casamento no qual nunca teve espaço para se expandir e cultivar suas potencialidades. A essa altura da conversa, minha cabeça deu um nó.
Ah! Está bem. Deixa ver se eu entendi. Você rejeita totalmente o estilo de vida de sua mãe, que também se esforçou para lhe mostrar um mundo mais amplo no qual, enquanto mulher, você também pode ser independente, respeitada e dona de seu destino. Porque apesar de ser feliz e ter uma vida normal ela sabia que poderia ser muito melhor a vida e quis lhe presentear com essa idéia e com as ferramentas para que isso ocorresse na sua vida. Teve êxito absoluto. Mas você não está feliz com seu casamento aberto, um novo modelo, adequado aos novos tempos que, por um lado, te satisfaz afetivamente, mas incomoda e muito por não ser o tipo de relação que você viu a vida toda. Aliás, você acabou de me contar como funciona ao comentar a desgastante quase cruel relação dos seus pais. Ufa! Bem que Freud um dia se perguntou: As mulheres têm cura? Afinal, o que querem as mulheres? Essas duas falas de Freud ainda repercutem, pois para muitas mulheres é difícil separar os ideais de feminilidade do século 19 e reconhecer outras escolhas de destino muito mais como expansão do limite do eu e nunca como falha, culpa e ou perda.
Outro dia, num debate entre mulheres, alguém me chamou de ´advogada do diabo´, pois não consigo absolver totalmente nós, mulheres, da culpa por esse desgaste gerado pela ambivalência dos seus papéis. E, muito mais que isso, entre o novo e o velho modelo. Creio que isso incrementado pela idéia errada de que, para ser moderna e viver de um modo adequado a essa modernidade, tenho que anular todos os outros aprendizados e vivências. Esse maniqueísmo, ainda fruto da falsa idéia de homens e mulheres inimigos, papéis rigidamente inalterados e congelados, gera uma culpa por viver o novo e ser mais feliz.
Menina, mulher seja feliz ao seu modo e dê a sua mãe a chance de ver isso para que, se por acaso ela não tenha vivido isso, ela tenha o prazer de ver que todo o investimento na sua criação de uma mulher com chances mais amplas que a dela, valeu a pena! E repito aqui: afinal, o que queremos nós mulheres?
Márcia Atik é psicóloga e terapeuta sexual.