Xi, isso é psicólogico. Com certeza você já escutou essa frase, dita quando nenhum motivo aparente parece justificar est...
iNão há dúvida que o desconhecido, na mesma proporção que nos fascina, nos ameaça. Lembro-me de ter visto na TV uma entrevista de um célebre neurologista dizendo que, se o cérebro humano tem mil partes, a ciência não conseguia conhecer inteiramente nenhuma delas. Na ocasião, tendo um familiar num processo de doença degenerativa, confesso que fiquei amargurada e sem esperança.
Trago esta observação para o momento atual quando estamos impregnados de dúvidas, medo e estupefatos diante das notícias chocantes que nos invadem digo particularmente da menina Isabela, cuja morte sensibilizou o Brasil.
O assunto é tão dilacerante que o melhor seria nem evocá-lo, mas há momentos em que não dá. Então temos que nos aproximar da realidade, de modo crítico e reflexivo.
Pois é, voltando ao neurologista e fazendo um paralelo do que ele disse com a mente humana eu diria que, se a mente humana tem mil caminhos, nós temos que começar a desbravar um. Voltar ao ponto de partida e identificar o que há de real ou
fantasioso, consciente ou inconsciente nas nossas memórias, vivência e experiências de vida.
O alarde que se dá ao papel dos pais biológicos ou postiços explica o grande destaque deste caso. Não gosto da palavra madrasta, pois em muitos casos elas são as boadrastas . Mas este caso põe em xeque a única certeza que se tem da psique humana: a idéia sagrada que temos do pai e da mãe como ligados ao mito da proteção, da vida e, principalmente, da sobrevivência.
Então, vamos convir que mesmo a pequena possibilidade do crime ter sido cometido pelo protetores nos abala em nossa crença e necessidade de proteção parental ou divina. Mas que existem distúrbios de comportamento que levam alguns a cometer insanidades, nenhum de nós duvida.
Nesse caso, em particular, é interessante como percebemos muito mais pessoas desejando ardentemente que os cuidadores não sejam os assassinos do que pessoas simplesmente lamentando o ocorrido.
Há pouco tempo, tivemos a notícia de um triste e infeliz pai que, por conta do estresse, esqueceu o seu bebê dentro do carro e, no calor que fazia na época, resultou na morte do filho por desidratação.
Naquele dia, todos nós ficamos com medo e ansiosos, pois a certeza que temos que nós enquanto pais somos responsáveis pelos nossos rebentos também é uma crença saudável e de estrutura da nossa personalidade. Infelizmente, outro caso é da moça que, por causas aparentemente desconhecidas, maltratava e acorrentava crianças sob o pretexto de educá-las. Descobriu-se logo que a mulher em questão tinha sido uma criança abandonada e desprovida desse senso de proteção a que me referi no inicio desse artigo.
Sem a intenção de absolvê-la do ato hediondo, uma das poucas certezas em relação a abuso e maltrato infantil é que crianças abusadas ou violentadas podem se tornar adultos cruéis em relação às crianças. Pois em algum momento desse abuso uma cisão se forma e, nessa fresta alucinada, o comportamento anormal se solidifica.
Repito que torço para que não tenha sido nenhum familiar da pequena Isabella o seu assassino. Chamou minha atenção o único comentário sobre o comportamento de seu pai nos relacionamentos amorosos o ciúme, esse sentimento que é a máscara do amor para a violência física ou psicológica.
Falando de pessoas ou relações calcadas no ciúme me remeto ao mito de Medéia no seu aspecto mais sombrio ela mata os próprios filhos para punir aquele que a abandonou. Não num acesso de loucura, e sim num ato premeditado e frio de vingança. Uma situação que, hoje em dia, não se tolera nem mesmo em casos de patologias mentais.
Pois uma coisa digo com certeza: nenhuma tragédia acontece de repente, sempre tem um aspecto de crõnica anunciada, seja pelo tipo de relacionamento ou por situações precedentes. Basta apenas que tenhamos um olhar mais criterioso com nossos sentimentos e com as situações vividas e percebidas, não como pessoas desconfiadas e assustadas com o mundo surpreendente que nos cerca, mas, para que não percamos de vez mais um aspecto altamente consistente para a nossa vida que é a esperança.
Aliás, coitadinha da esperança... está tão abalada. Mas não pode ser destruida, pois dela dependemos para criar, brincar e viver.
Márcia Atik é psicóloga, especialista em sexualidade, doenças psicossomáticas, terapia de família e casal e transtornos alimentares.
Para saber mais acesse: www.marciaatik.com.br