Marcos Santos é psicólogo especialista em sexualidade da plataforma Sexo sem Dúvida com 10 anos de experiência.&nbs...
iRedator focado em saúde e bem-estar, com destaque para comportamento e saúde mental.
Logo após o lançamento do filme "Cinquenta Tons de Cinza", em 2015, pensar ou discutir sobre sadomasoquismo tornou-se ainda mais comum.
A prática, sempre envolta por uma aura de curiosidade e receio, é alvo de tabus e equívocos sociais. Isso porque há quem acredite que a união entre dor e prazer é insustentável.
Mas antes de deslegitimar o fetiche, é necessário entendê-lo por completo, compreendendo o que faz milhares de pessoas trocarem os buquês de flores por correntes e chicotes.
O que é BDSM
A sigla BDSM engloba seis comportamentos:
- Bondage (que significa amarrar alguém ou ser imobilizado)
- Disciplina
- Dominação
- Submissão
- Sadismo
- Masoquismo.
Dessa forma, o objetivo da prática é encontrar prazer em meio à dor e situações desconfortáveis. Para isso, relações de poder são estritamente estabelecidas na transa: enquanto um impõe seus desejos sexuais, o outro apenas obedece, sem contrariar.
À primeira vista, a situação pode parecer abusiva. Entretanto, para o BDSM ser genuíno, deve haver um consenso entre o casal praticante.
Além disso, a prática não põe em risco à vida de seus adeptos. Há limites e regras a serem seguidas. Um exemplo disso é o uso de uma palavra de segurança.
Antes de iniciar o sexo sadomasoquista, é necessário definir uma expressão que pode ser dita no momento em que uma das partes sentir vontade de encerrar a transa. Por ser são, seguro e consensual, o BDSM não pode ser considerado um ato de violência ou assédio.
Práticas que podem ser consideradas BDSM
Existem diferentes níveis de intensidade quando falamos sobre o fetiche. Podemos receber arranhões e xingamentos, ou sermos chicoteados e amordaçados. Veja a seguir algumas atitudes e objetos que podem ser considerados pertencentes ao BDSM:
- Agressão física leve, como tapas e arranhões
- Xingamentos
- Imobilização por meio de cordas, algemas, correntes e fita adesiva
- Chicoteamento
- Amordaçamento
- Roupas de couro que dificultam a mobilidade durante a transa
- Uso de coleiras
- Interpretação de papéis (sempre fortalecendo a relação entre dominador e dominado)
- Impedir que a pessoa atinja o orgasmo ao chegar perto dele
- Punições que podem envolver prisão em armários ou jaulas
- Obediência (vestir e comer apenas o que o(a) dominador(a) mandar).
Segundo o sexólogo e terapêuta Marcos Santos, vivenciar agressões físicas e emocionais durante a transa proporciona uma descarga de adrenalina em nosso cérebro. Por isso, quanto mais intensa for a sensação de desconforto, maior será o êxtase sexual.
"Para ampliar a experiência, o casal pode incluir varas e outros acessórios que causem dor, como chinelos, chicotes, palmatórias e diversos apetrechos. Seja como for, a confiança no relacionamento é essencial para a experiência ser positiva", afirma o especialista.
Ser dominador(a): por que o controle excita?
A necessidade de controlar o mundo ao nosso redor é uma característica inerente ao ser humano. E para Marcos Santos, este desejo acaba adquirindo um sentido erótico dentro das práticas do BDSM, já que o fetiche ressalta a noção de poder sobre as sensações e emoções.
"Causar a dor no próximo significa ter dominação sobre o que o outro está sentindo, ou pode sentir", explica o sexólogo.
Ser submisso(a): por que causa prazer?
Culturalmente, a dor é enxergada como algo negativo. Somos programados a fugir dela e buscar apenas o prazer. Mas, na prática, a separação entre a satisfação e o incômodo não é tão clara.
Um exemplo disso é a pimenta. Ao comer pela primeira vez, a ardência beira o insuportável. Mas, quando descobrimos as doses certas, sentimos prazer em sentir a boca "pegar fogo".
Marcos explica que a ligação entre a dor e o prazer são biológicas, e os limites disso são psicológicos, sociológicos e culturais. A aflição faz com que o sistema nervoso central libere endorfinas para bloquear sensações incômodas, gerando um sentimento de euforia, semelhante ao proporcionado por drogas como a morfina.
Este "narcótico natural" também estimula as mesmas regiões cerebrais responsáveis pela excitação e paixão. Junto com a adrenalina que sentimos em resposta à dor, os hormônios acabam nos gerando sentimentos mistos.
Por um lado, sentimos medo do desconhecido. Mas por outro, ficamos entusiasmados em descobrir o que virá em seguida.
A sensação de controle também está presente ao sermos submissos no sexo. "Naturalmente, nós estabelecemos uma diferença entre a dor ruim e boa. A primeira significa que não estamos saudáveis e precisamos nos atentar. Já a segunda é agradável, porque podemos estabelecer limites para ela", esclarece o sexólogo.
Conversando com o(a) parceiro(a) sobre o fetiche
O sadomasoquismo erótico ainda é visto como uma prática "suja", restrita a sujeitos exóticos ou que frequentam clubes sexuais. Portanto, muitas pessoas irão apresentar resistência em experimentar algo que esteja rodeado de polêmicas.
Por esse motivo, é necessário conversar aos poucos sobre o desejo de experimentar o BDSM. Marcos recomenda que expliquemos que a técnica existe para que possamos explorar nossos limites e níveis de controle, e que isso não significa ser submetido a torturas e humilhações.
"Na verdade, para poder praticar, é necessário cultivar a confiança e o respeito no vínculo amoroso", diz. E compartilhar os fetiches com o outro não é uma tarefa fácil, pois temos medo do julgamento.
Entender o desejo do próximo em experimentar coisas novas também não é tão simples. Por isso, ter paciência e estimular o diálogo constante é essencial.
"Não se trata de assustar ou empurrar o(a) parceiro(a) para experiências sexuais com as quais ele(a) não está confortável. Trata-se de uma jornada que vocês estarão dispostos a viver juntos e que pode ser muito excitante, nova e prazerosa", ressalta Marcos.
O BDSM na vida a dois não é uma fantasia obscura e aterrorizadora, e sim, um símbolo de liberdade sexual e sintonia de interesses eróticos.
Como começar a praticar o sexo BDSM
Antes de adotar o BDSM em sua vida sexual, é necessário buscar informações de qualidade. Sadomasoquismo não é romance, e nem somente sexo, já que a penetração não é uma regra para a prática correta.
Portanto, converse com outros adeptos e reflita sobre até onde você deseja ir. Após isso, pesquise as possibilidades dentro da técnica, como posições, objetos e se deseja ser submisso ou dominador.
Acessórios BDSM
Alguns acessórios potencializam a experiência BDSM, reforçando ideias de hierarquia. Eles podem ser encontrados em sex shop e os mais comuns são:
- Coleiras
- Algemas
- Chicotes
- Cordas
- Correntes
- Mordaça.
Dicionário básico para BDSM
Baunilha - o termo Baunilha costuma ser utilizado para descrever as pessoas fora do meio BDSM, que vivem e se relacionam de maneiras mais "tradicionais", ou para descrever os âmbitos mais comuns da vida cotidiana, a vida sem relação com BDSM.
Switcher - é uma pessoa que pode transitar entre os papéis de dominação e submissão.
Até que ponto o BDSM é saudável?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para a prática sexual ser saudável, ela deve preservar o bem-estar biopsicossocial do ser humano.
Em outras palavras, os comportamentos sexuais só devem ser acompanhados clinicamente caso afetem negativamente a vida do indivíduo e daqueles que se relacionam com ele.
O sadismo, por exemplo, só é considerado uma doença quando a pessoa se excita sexualmente com violência não consensual ou fantasiada, colocando a própria vida e a dos outros em risco.
"Se a pessoa não sofrer e não prejudicar terceiros, não é uma patologia. O importante é sempre saber quem está no controle: você manda no seu desejo ou o desejo manda em você?", indaga Marcos.
Autoestima x sadomasoquismo: existe relação?
A sexualidade é um reflexo de nossas particularidades e, portanto, não há respostas definitivas. "Entre o preto e o branco, qualquer comportamento pode ser pintado com muitos tons de cinza", metaforiza Marcos.
Entretanto, tudo é possível: há quem busque no BDSM um escape para suas complicações mentais-afetivas-sociais. É como se o submisso procurasse reafirmar suas inseguranças no sexo sadomasoquista.
Em contrapartida, outras pessoas podem ter uma autoestima alta e, por isso, buscam outros pontos de vista nas mais variadas áreas da vida, incluindo a sexual.
"Curiosamente, muitas posições sociais de poder (liderança, riqueza, autoritarismo) levam o indivíduo a práticas sexuais contrárias à sua posição (querer ser pisoteado e xingado nos bastidores sexuais)", exemplifica.
Por isso, é importante reservar momentos de reflexão e autoconhecimento na rotina para entender o que nos motiva a tomar certas decisões, sejam elas sexuais ou não.
BDSM empodera as mulheres?
"Pense na personagem Mulher Maravilha. No início, a personagem foi censurada das bancas de revistas por ser sádica, já que usava seu laço da verdade para submeter os homens à sua vontade", ilustra Marcos.
Para o sexólogo, a super-heroína e outras mulheres reais inspiraram as pessoas a dominarem diversos aspectos de suas vidas, incluindo a sexual.
Por isso, assumir um papel de controle no sexo pode reafirmar a quebra dos padrões machistas da sociedade, especialmente na cama - onde, historicamente, muitas mulheres foram e são submetidas aos desejos do homem.
Referências
- Marcos Santos, sexólogo, terapeuta, conselheiro sexual e especialista em Sexualidade Humana na plataforma Sexo sem Dúvida
- Organização Mundial de Saúde (OMS).
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