Por Lílian Cristina Moreira, pediatra e homeopata*
Momento ansiosamente esperado pelos pais, o desfralde é tecnicamente definido como o período em que a criança consegue ter efetivo controle sobre seus esfíncteres. Assim, ela é capaz de segurar a urina e as fezes e, portanto, não necessita mais do uso de fraldas.
Mas como um bebê que nasce absolutamente dependente, em pouco mais de dois anos adquire essa habilidade, a de identificar e controlar suas necessidades fisiológicas e desenvolver autonomia para usar o banheiro?
Imagine um local onde, mesmo nu, você está sempre agradavelmente aquecido e aconchegado. Onde a luz é uma constante penumbra e o som mais perceptível é o ritmado bater do coração de alguém que muito te ama.
Fome e sede não existem, pois nesse local seu corpo está sempre recebendo água e nutrientes em proporções adequadas às suas necessidades: eis a vida intrauterina.
Mas, ao final de 9 meses, chega o momento do nascimento e de enfrentar os desafios do mundo exterior. Todos sabemos o quão dependente um bebê é de seus pais. Precisa ser alimentado, aquecido, acalentado e cuidado em todos os aspectos, o que implica ter suas fraldas trocadas diversas vezes ao dia!
Mudanças que levam à independência
A jornada do desenvolvimento e crescimento do bebê pressupõe mudanças constantes e dramáticas, que transcorrem em ritmo acelerado especialmente nos dois primeiros anos de vida.
Neste período, as habilidades de andar, correr, segurar e manusear objetos são adquiridas, assim como as habilidades cognitivas e linguísticas, incrementando sua comunicação, que dará um salto ao iniciar o domínio da linguagem.
É a partir destas conquistas que a criança tem condições de iniciar o controle fisiológico dos esfíncteres. Isto significa a capacidade de voluntariamente controlar seu desejo de urinar e evacuar, expressar essa vontade e aprender onde essa necessidade deve ser satisfeita, levando em consideração não somente a higiene como o rito social implicado.
Quando a criança está de fraldas ela pode fazer suas necessidades onde bem quiser. Quando deixa de usar fraldas, ela precisa entender que há um local determinado para fazer "xixi" e "cocô".
Quando começar o desfralde?
É necessário não somente possuir consciência corporal, mas também consciência espacial do mundo à sua volta. Portanto é na fase pré-escolar, entre o segundo e o quinto ano de vida, que usualmente ocorre o desfralde.
Como saber em que momento iniciar esse processo? Naturalmente a criança dará sinais de que está apta a abandonar as fraldas, por isso é importante os pais estarem atentos. Mas que sinais seriam esses?
Sugiro aos pais observar os seguintes pontos:
- A criança passa de 3 a 4 horas com a fralda seca
- Consegue andar com firmeza
- Evacua em horários mais ou menos regulares
- Tem capacidade de verbalizar e associar as palavras "cocô" e "xixi", ainda que de modo rudimentar, expressando seus desejos e necessidades bem como compreender comandos e instruções
- Consegue perceber os sinais do próprio corpo e é capaz de alertar os pais sobre isso
- Demonstra curiosidade pelo uso do banheiro ao observar seus pais ou irmão mais velho
- Fica claramente incomodada quando a fralda está molhada ou suja
Ao enxergar esses sinais os pais podem dar início ao processo de desfralde.
Processo de desfralde
Mas como fazer isso? As dicas abaixo podem ajudar:
Dar o exemplo e incentivar: A primeira dica é dar o exemplo e mostrar com naturalidade como se usa o banheiro. De forma lúdica, pode-se inclusive usar algum brinquedo da criança que sirva de modelo, sempre com estímulos positivos para a criança se sentir motivada. Ela precisa saber que essa é uma grande conquista, e motivo de orgulho para seus pais.
Calcinhas e cuecas: Outra dica é demonstrar para criança os ganhos de abandonar as fraldas, como o direito de usar calcinhas e cuecas tal como seus pais. Além disso, diferente das fraldas, predominantemente brancas e desconfortáveis, as roupas íntimas infantis podem estampar temas do universo da criança.
Segurança no assento: A terceira dica é usar o penico ou o vaso sanitário - adaptado (com uso de redutor) ou proporcional ao tamanho da criança, para que ela se sinta segura e tranquila. É muito comum a criança nessa idade ter medo de cair e ser "tragada" pelo vaso sanitário e esse temor dificulta o relaxamento dos esfíncteres, que é necessário para que a criança urine e evacue.
Diálogo: A quarta dica é conversar e explicar de forma natural para a criança sobre todo o processo, podendo inclusive se valer de outros artifícios, como músicas e livros infantis que abordem o tema. Isso cria um laço afetivo e cognitivo que pode auxiliar e encorajar a criança.
Desfralde noturno
O desfralde diurno é diferente do noturno. Essa distinção faz-se importante pois o desfralde diurno acontece primeiro, tendo em vista que a criança precisa estar desperta para ser introduzida nesse aprendizado. Após o treinamento esfincteriano ter tido sucesso durante o dia, é muito mais fácil que ele ocorra naturalmente no período noturno.
O desfralde diurno ocorre entre o segundo e terceiro ano de vida, podendo se estender até o quarto. Ele começa pelo controle da urina, seguido do controle intestinal. Já no desfralde noturno esse padrão se inverte e tipicamente há o controle intestinal ocorre antes do urinário.
Recusando o desfralde
Mas nem sempre as coisas caminham como gostaríamos. E este momento pode se tornar um cabo de guerra entre a criança e seus pais. A recusa repetida dela em usar o banheiro, negando-se a fazer essa transição, gera stress na criança e frustração nos pais.
Os erros mais comuns nessa etapa são:
- Iniciar o desfralde sem a criança estar preparada
- Não explicar para criança o que está acontecendo
- Tirar a fralda de forma abrupta
- Fazer o desfralde concomitante com outros momentos de mudança na vida da criança
- Fazer o desfralde em meio a crises familiares
- Ser agressivo e reprovar a criança, caso ela tenha escapes ou dificuldades.
Desfralde: idade ideal
A "idade ideal" do desfralde é um conceito elástico e possui inúmeras variáveis, intrínsecas e extrínsecas, e bastante relacionadas ao meio sociocultural e familiar em que a criança está inserida.
O desfralde não é uma troca de roupa, mas uma mudança de comportamento, que reflete um ganho de maturidade, tanto no nível físico como emocional. O fato do período de desfralde ir do segundo ao quinto ano de vida, demonstra o quanto cada ser humano é único e possui seu próprio biorritmo.
A criança não é mais ou menos inteligente por largar a fralda antes ou depois de outra. Assim como é importante que a criança naturalize essa transição, também o é que os pais respeitem o seu tempo não acelerando etapas, imprimindo na criança um ritmo que não é dela.
Cada um tem seu tempo, que deve ser respeitado, o que não nos impede de estimularmos e sermos facilitadores dessas aquisições.
Cabe aos pais irem ao encontro da criança, auxiliando-a nessa transição, e não a criança ir ao encontro dos pais para atender suas expectativas. Sabemos o quão gratificante é ter filhos, mas isso não torna a experiência menos trabalhosa. Busque sempre ajuda de seu pediatra para ele te orientar nesse processo.
No caso de dificuldade no desfralde é importante identificar a causa do problema. É mais provável que ela esteja relacionada ao ambiente familiar do que propriamente à criança.
O atraso em controlar os esfíncteres para muito além do tempo previsto pode sim ser resultado de algum problema físico, mas na maioria das vezes é resultado de questões emocionais, onde a criança exterioriza aspectos disfuncionais de seu entorno.
O desfralde é um ganho de autonomia, uma conquista não somente da criança, mas também de toda família. Por que fazer disso uma tormenta?
*Lílian Cristina Moreira é graduada em Medicina em 1989, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, FCM UERJ, com Residência Médica em Pediatria 1990-1992 pelo HGJ - Hospital Geral de Jacarepaguá /INAMPS, Pós-graduação em Homeopatia pelo Instituto Hahnemanniano do Brasil - IHB- 1992- 1995, recebendo título de especialista pela instituição, Título de especialista em pediatria em 1995 - TEP - recebido após aprovação na respectiva prova ministrada pela SBP - Sociedade Brasileira de Pediatria e Aprovada no curso PALS- Pediatric Advanced Life Support- 2012- da Academia Americana de Pediatria - AAP- ministrado pela SBP em conjunto com a SOPERJ.