Graduado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), tem mestrado e...
iMesmo sem queixas, de tempos em tempos é importante consultar um médico para fazerum check-up e entender como está a saúde. Um dos exames básicos e sempre pedidosnessas ocasiões é aquele avalia as taxas de triglicérides, um tipo de gordura que circula nosangue e que, se em quantidade excessiva, pode provocar várias complicações à saúde.Quando esses níveis estão muito altos, porém, é preciso desconfiar se não é o caso de umadoença rara chamada Síndrome da Quilomicronemia Familiar (SQF)[1].
Para entender melhor, os triglicérides são a forma com que a natureza armazena energia. "Todas as gorduras que ingerimos ou que já estão no nosso organismo - que estãoarmazenadas no tecido adiposo - estão sob forma de triglicérides", explica Raul Santos,cardiologista diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração (InCor-HCFMUSP), professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e presidenteda Sociedade Internacional de Aterosclerose (IAS).
O problema, porém, acontece quando há um excesso. Ter triglicérides em um nível muitoalém do ideal, porém, não é nada interessante: uma das consequências desse exagero podeser a pancreatite aguda, condição em que esse tipo de gordura obstrui a microcirculação do órgão,provocando uma inflamação grave, dolorosa e que é considerada uma emergência médica [1].
É preciso compreender, no entanto, que o estilo de vida pode impactar nas taxas detriglicérides. Quem não pratica uma alimentação saudável, ingere muita bebida alcoólica, éobeso ou tem diabetes, por exemplo, tem mais chance de apresentar níveis altos detriglicérides no sangue. Bons hábitos de vida, se manter no peso ideal e o controle dodiabetes, todavia, podem ajudar os níveis se manterem normais[2].
Síndrome da Quilomicronemia Familiar
Há, porém, pessoas que já nascem com uma alteração genética que torna o corpo inábilpara lidar com os triglicérides ingeridos pela dieta e com aqueles fabricados pelo próprioorganismo. É o caso da Síndrome da Quilomicronemia Familiar (SQF), condição que afeta ometabolismo de gorduras no corpo [1,3].
Essa doença genética rara afeta, em média, uma pessoa em cada 1 milhão [1,3]. Uma falhano DNA provoca a ausência ou deficiência de uma enzima que é responsável por quebrar agordura - a lipase lipoproteica -, fazendo com que os triglicérides se acumulem emquantidade exacerbada no sangue, chegando a níveis até 100 vezes maiores do que quemnão tem essa alteração genética e segue um estilo de vida saudável[1].
E é aí que mora o perigo: quando os níveis desse tipo de gordura estão muito altos noorganismo geralmente acima de 1.000mg/dL de sangue, o risco de pancreatite agudaaumenta consideravelmente[1].
Quando desconfiar?
O cardiologista explica que pessoas com SQF normalmente chegam ao consultório médicodepois de ter tido um episódio de pancreatite[1]. "Infelizmente, a maior parte das pessoasnão faz exames de sangue de rotina, então muitas delas vão parar no médico e descobremque estão com triglicérides altos depois de uma complicação super grave, que é apancreatite", alerta. "Geralmente é grave, com dor abdominal muito forte e que irradia paraas costas, junto com náuseas, vômitos, mal estar, sudorese, entre outros sintomas".
O especialista ressalta que há pessoas que passam anos tendo crises de dores abdominais epancreatite e não descobrem que têm triglicérides altos, pois não fizeram exames desangue.
Outra maneira de descobrir o problema - quando ele se apresenta de forma grave desde oinício da vida - é nos exames de sangue feitos no próprio berçário, ainda no bebê recém-nascido. Quem tem essa condição de forma grave, apresenta o sangue viscoso e decoloração esbranquiçada, desde a amamentação, já que o leite materno é rico em triglicerídeos[4].
"Não é todo mundo que tem SQF que apresenta um defeito genético muito grave já noinício, desde que nasceu. O que acontece, na prática, é que muitas pessoas vão perdendo asenzimas que quebram os triglicérides à medida que vão ficando mais velhas. Hácomportamentos diferentes, pois há falhas genéticas diferentes que acabam levando a maisou menos a mesma coisa", explica o cardiologista. "Dependendo da alteração genética apessoa terá manifestações mais graves e precoces, ou mais tardiamente".
O estilo de vida também importa, já que a alimentação ruim acaba influenciandonegativamente na saúde, aumentando ainda mais os níveis de triglicérides no sangue[2].
Dieta restrita em gordura
Para quem tem triglicérides altos mas não tem uma alteração genética que caracteriza aSQF, mudanças no estilo de vida, alimentação saudável pobre em carboidratos comoaçúcar, arroz e massas, evitar o consumo de álcool, praticar exercício físico, controlaro diabetes e o peso são medidas importantes que podem controlar as taxas dessagordura[2].
Já para quem tem SQF, além de outros bons hábitos sempre bem-vindos, o tratamento paraa doença passa exclusivamente pela boca: é preciso seguir à risca uma dieta restrita emgorduras, com no máximo 10 a 15% do valor calórico diário ingerido na forma degorduras[5]. "É necessário uma restrição de gorduras e de carboidratos simples - comoaçúcar e farinhas refinadas - sempre preferindo os complexos - como os alimentos integrais- além de restrição de álcool. O leite ou derivados só podem ser consumidos se desnatados",explica a cardiologista Maria Cristina Izar, professora livre docente da Universidade Federalde São Paulo (Unifesp).
A gordura da carne vermelha, das manteigas e dos óleos, por exemplo, são vetadas a quemtem SQF[6]. É por isso que quem tem SQF deve ter acompanhamento de um médico enutricionista para que a alimentação seja baixa em gorduras, porém com todos osnutrientes necessários para o bom funcionamento do organismo.
Triglicérides e colesterol não são a mesma coisa
Apesar de muitas vezes haver confusão, é importante saber que triglicérides e colesterol sãocoisas distintas[7]. "Ambos são gorduras, mas o colesterol é um tipo de gordura que sóexiste no reino animal, diferentemente dos triglicérides, que estão presentes tanto no reinoanimal como no vegetal", explica Santos. "Enquanto os triglicérides são considerados amoeda energética do organismo, o colesterol é basicamente utilizado para a síntese dasmembranas no organismo, dos hormônios esteroides - os sexuais, como testosterona eestrógeno - e hormônios das suprarrenais", detalha.
Maria Cristina Izar acrescenta que o excesso do colesterol pode levar à formação de placasde aterosclerose - as placas de gordura nas artérias que podem aumentar o risco de infartodo miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), entre outros problemas[7].
"O excesso de colesterol pode causar sinais visíveis como arco corneal, xantomas tendíneos- que são deposições de colesterol nesses tecidos", explica. "Já o aumento dos triglicéridesse associam à dores abdominais, esteatose hepática - ou gordura no fígado -, pancreatites,alterações nos vasos da retina e lesões na pele, conhecidas como xantomas eruptivos",detalha a cardiologista.
Saiba mais aqui sobre a Síndrome da Quilomicronemia Familiar.
Referências
[1] Falko JM. Familial Chylomicronemia Syndrome: A Clinical Guide For Endocrinologists.Endocr Pract. 2018;24(8):756-763.
[2] Savitha Subramanian, Alan Chait. Hypertriglyceridemia secondary to obesity anddiabetes. Biochimica et Biophysica Acta (BBA) - Molecular and Cell Biology of Lipids. Volume1821, Issue 5, May 2012, Pages 819-825
[3] Sugandhan S, Khandpur S, Sharma VK. Familial chylomicronemia syndrome. PediatrDermatol. 2007;24(3):323-325.
[4] Feoli-Fonseca JC, Lévy E, Godard M, Lambert M. Familial lipoprotein lipase deficiency ininfancy: clinical, biochemical, and molecular study. J Pediatr. 1998;133(3):417-423.
[5] Burnett JR, Hooper AJ, Hegele RA, et al. Familial Lipoprotein Lipase Deficiency. In:GeneReviews® [Internet]. Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993?2020.
[6] Williams L, Rhodes KS, Karmally W, et al. Familial chylomicronemia syndrome: Bringing tolife dietary recommendations throughout the life span. J Clin Lipidol. 2018;12(4):908-919.
[7] A. Cox Rafael, García-Palmieri Mario R. Cholesterol, Triglycerides, and AssociatedLipoproteins. Chapter 31. Clinical Methods: The History, Physical, and LaboratoryExaminations. 3rd edition. Walker HK, Hall WD, Hurst JW, editors. Boston: Butterworths;1990.
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