Com mais de 40 anos de experiência, Dr. Paulo Chaccur é formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. I...
iMais de um ano após o registro de seu início no Brasil, ainda enfrentamos a grave pandemia causada pelo coronavírus. Hoje, porém, com características um pouco diferentes daquelas vividas em 2020. Os números atuais apontam uma maior capacidade de transmissão do vírus, rápida evolução e agravamento dos sintomas em 48 horas, além do aumento das taxas de letalidade e mortalidade.
Vimos nos últimos meses as necessidades de hospitalização, cuidados intensivos e suporte de assistência ventilatória explodirem nos hospitais praticamente em todas as cidades do país, culminando em novos recordes de mortes diárias. Como temos acompanhado, o perfil dos pacientes também mudou.
Se antes eram os mais velhos que figuravam no topo da lista dos casos graves da Covid-19, agora são os jovens que ocupam este triste lugar. Pela primeira vez, as internações em UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) de pessoas com menos de 40 anos são maioria, com 52,2% do total. Houve também um salto de quase 40% no número de pacientes graves com necessidade de ventilação mecânica (dados de março/2021 da plataforma UTIs Brasileiras, da Amib - Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
E por que isso nos preocupa? Um agravante aqui é o crescente do número de pessoas com riscos de sequelas após a ?recuperação? da Covid. Isso porque o coronavírus não traz consequências apenas enquanto a doença está ativa no organismo, mas pode deixar marcas por um longo período - infelizmente ainda não é possível dizer ao certo por quanto tempo e nem se as consequências podem ser permanentes e irreversíveis.
Aos poucos, o vírus foi revelando seu potencial agressivo, inclusive com o surgimento de novas variantes. O que sabemos hoje é que o órgão mais atingido é o pulmão. No entanto, já está comprovado que a doença provoca lesões em outros órgãos e tecidos, com alterações, por exemplo, no cérebro, nos sistemas digestivo, circulatório e cardiovascular.
Covid e o coração
O coronavírus pode danificar o coração de várias maneiras e por caminhos diferentes, uma vez que o órgão é uma das peças-chave para o funcionamento do nosso corpo, tal como o pulmão. Ambos, aliás, trabalham juntos a fim de manter a oxigenação. Ou seja, quando o pulmão é afetado por uma doença respiratória, como a Covid-19, o coração também pode ser prejudicado.
Outro porém: uma vez que o corpo detecta uma infecção, ativa suas defesas imunológicas e passa a trabalhar para combatê-la, o que pode acarretar em consequências cardiológicas. Assim, as lesões ocorrem tanto pela ação direta do coronavírus no músculo cardíaco como pela elevação de substâncias inflamatórias no organismo. Tudo isso mesmo com a ausência de doenças cardíacas congênitas, preexistentes ou de fatores de risco, como diabetes, hipertensão, colesterol, tabagismo, obesidade, sedentarismo, entre outros.
Inimigo direto
O coronavírus pode atacar diretamente o músculo cardíaco (o miocárdio), causando a miocardite. A inflamação associada à Covid é um dos problemas que vêm sendo relatados com frequência, mesmo em pacientes que não apresentaram quadros mais complicados da doença e até entre assintomáticos.
Como o músculo é o responsável pela contração do coração, a inflamação acaba prejudicando o bombeamento do sangue pelo corpo. A miocardite não é uma condição necessariamente grave, mas, em alguns casos, gera arritmias, leva à insuficiência cardíaca e, mais raramente, à necessidade de transplante do órgão.
Reação inflamatória
Em quadros graves da Covid-19, o sistema imunológico do corpo reage intensamente. No ímpeto de derrotar o vírus, o organismo se autobombardeia para atacar as células infectadas. Neste processo, é possível que o coração seja afetado, uma vez que ao reagir de maneira vigorosa, corremos o risco de destruir junto os tecidos saudáveis do órgão e, assim, prejudicar seu funcionamento.
O coração também pode ser comprometido indiretamente pela redução na concentração de oxigênio gerada pela disfunção dos pulmões, pela liberação de citocinas na corrente sanguínea (substâncias capazes de reduzir a função cardíaca) e por isquemia, devido à formação de coágulos na microcirculação. Além disso, a febre e a infecção motivadas pela Covid promovem a aceleração da frequência cardíaca e alteram a pressão arterial, causando mais estresse ao órgão.
Com a acentuada resposta inflamatória é possível ainda ter como consequência uma disfunção endotelial e aumento da atividade pró-coagulante, o que associado à menor oferta de oxigênio contribui para a formação de trombo na artéria coronária. Caso a situação evolua para um quadro agudo, existe a chance de um infarto do miocárdio.
Sequelas
O alerta, especialmente para quem enfrentou quadros sérios, é que nem sempre receber alta significa recuperação total. A atividade inflamatória provocada pelo coronavírus pode persistir de maneira silenciosa e com manifestação tardia, inclusive com a possibilidade de sequelas crônicas. Alguns estudos apontam que, mesmo 60 dias após o fim dos sintomas, quase 80% dos pacientes ainda têm algum grau de inflamação que atinge o coração. Ou seja, certos riscos permanecem.
O fato é que algumas consequências do pós-Covid podem trazer danos ao órgão, como a fibrose pulmonar, a dislipidemia (presença de níveis elevados de gorduras no sangue) e o desenvolvimento de coágulos sanguíneos (ocasionando tromboses, derrames e problemas renais).
A insuficiência e as arritmias são sequelas que também podem acometer aqueles que tiveram a miocardite. Além disso, a própria inflamação gerada em resposta à doença é capaz de desestabilizar placas de aterosclerose localizadas nas artérias coronarianas, causando infarto agudo do miocárdio.
E aqui vale um alerta: as sequelas cardíacas não atingem apenas os que sofreram com sintomas significativos da infecção. Mesmo quem passou pela Covid-19 sem sintomas ou com quadros leves da doença tem chance de ter consequências no coração. E infelizmente as más notícias não param por aí: indivíduos sem problemas preexistentes ou fatores de risco para eventos cardiovasculares também podem apresentar essas alterações.
E se eu já tinha o diagnóstico de doença cardíaca?
Se para quem não tem nenhum problema cardiovascular preexistente há tantas possíveis complicações, para aqueles com histórico cardíaco ou fatores de risco, as chances de um quadro grave ou de sequelas sérias é ainda maior.
Isso porque pacientes com doenças cardiovasculares prévias já tendem a apresentar alterações em seu sistema imunológico, além de um estado inflamatório crônico latente, o que pode piorar processos infecciosos. Assim, estão mais suscetíveis à Covid-19 e podem ter seu quadro agravado na fase inflamatória do vírus, piorando, por consequência, a evolução da doença cardiovascular.
Os cuidados valem para todos
Embora estejamos avançando e os dados de hoje possam refletir o efeito esperado do imunizante nas faixas já vacinadas, eles também revelam que muitos jovens fazem parte das vítimas da doença e de suas possíveis sequelas. Por isso, não é hora de relaxar nos cuidados.
Os tratamentos de doenças crônicas e de problemas no coração já diagnosticados devem ser mantidos com monitoramento médico (a telemedicina está aí para ajudar). Para aqueles que tiveram Covid, é recomendável que, antes de retomar as atividades físicas, por exemplo, procurem um cardiologista para fazer exames investigativos, especialmente em caso de sintomas recorrentes.
O fato é que temos um longo caminho pela frente. A compreensão dos efeitos da contaminação bem como de suas consequências seguem sendo avaliadas e estudadas. O processo é muito dinâmico. A lista de sequelas tanto cardíacas como de outros sistemas tende a ser mais longa do que já foi revelado.
Por ora cabe a nós permanecermos ligados aos sinais do corpo, mantermos a rotina diária de atenção e dedicação à saúde, além de todos os cuidados para evitar a doença - incluindo vacinação, uso de máscara e álcool gel e distanciamento social. A prevenção ainda é a melhor forma de se proteger.