Com mais de 40 anos de experiência, Dr. Paulo Chaccur é formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. I...
iNeste ano, grande parte do país enfrentou o que já é considerada a pior seca dos últimos 91 anos. Prejudicial em muitos aspectos, essa situação climática que tomou conta do Brasil em 2021 afeta e prejudica muito a nossa saúde, trazendo danos até mesmo para o coração.
Isso acontece em decorrência da baixa umidade por ela gerada, entre outros aspectos. Porém, apesar de pouco falada, a alta umidade também tem suas consequências e causa certos prejuízos ao organismo.
O equilíbrio é, em grande parte das situações, o mundo ideal. Quando o assunto é a umidade do ar, o melhor dos cenários seria um clima nem seco demais, nem muito úmido. Porém, dificilmente isso ocorre. E para complementar, ainda temos a questão da temperatura que, combinada à umidade, pode interferir ainda mais na saúde.
O fato é que nosso corpo reage - e aqui incluímos o sistema cardiovascular - às mudanças na umidade, clima e temperatura. Se há doenças e fatores de risco envolvidos, o quadro pode ser ainda mais preocupante. Portanto, entenda os efeitos de cada cenário no funcionamento do nosso coração:
Baixa umidade do ar
Ao enfrentarmos longos períodos de seca, nossa saúde sofre mais do que imaginamos, especialmente quando os níveis de umidade ao ar livre ficam muito baixos - de acordo com a OMS, a umidade ideal está na faixa entre 50 e 80%. E um dos principais problemas relacionados a esse cenário é a desidratação.
Quando você respira um ar contendo pouca umidade, as membranas mucosas que revestem as vias respiratórias e nasais secam. Níveis baixos de umidade nos fazem perder mais vapor de água através da respiração e dos poros da pele, o que pode causar:
- Pele seca crônica
- Piora dos quadros de eczema e outras formas de dermatite
- Lábios gretados
- Passagens nasais irritadas
- Dor e irritação na garganta
- Sensibilidade nos olhos
- Sangramento nasal
- Congestão e tosse no peito
- Agravamento de alergias, asma, bronquite crônica e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
O ar seco, especialmente se combinado à poluição, ainda deixa o organismo mais suscetível às doenças virais e respiratórias, como a gripe e a pneumonia. Já a infecção causada por essas enfermidades pode alterar a frequência cardíaca, sobrecarregando o bombeamento de sangue pelo coração.
Em resumo, isso ocorre porque as membranas mucosas do nariz e da garganta são a primeira defesa do nosso corpo contra os patógenos espalhados pelo ar. Quando estão saudáveis, não permitem a passagem de vírus e bactérias que nos causam infecções.
Caso as membranas estejam secas devido à baixa umidade, elas não são eficazes para fazer essa filtragem. Para piorar a situação, quando o nariz e os lábios estão irritados, os vasos capilares ficam mais expostos, facilitando a passagem dos micróbios diretamente para a corrente sanguínea.
Então, assim que o organismo detecta a presença dos agentes infecciosos, passa a produzir substâncias para tentar reagir. O problema é que essas substâncias são inflamatórias e nocivas ao sistema cardiovascular. Elas acabam na corrente sanguínea e, se o paciente já tiver alguma vulnerabilidade cardíaca, como comprometimento coronário, o processo é mais rápido e mais grave.
Existe também a possibilidade de uma doença viral gerar um processo de agressão ao músculo do coração e, assim, causar uma miocardiopatia - umas das causas mais comuns de insuficiência cardíaca (situação em que o coração não consegue mais bombear sangue suficiente para o resto do corpo). Esse quadro pode, inclusive, culminar em um infarto ou AVC.
Alta umidade do ar
No outro extremo, a alta umidade do ar também pode trazer problemas para a saúde em geral. Pessoas com pressão alta e doenças cardíacas, pulmonares ou renais são as mais vulneráveis aos efeitos das condições úmidas, bem como as pessoas com mais de 50 anos.
No caso do coração, o clima extremamente úmido, especialmente quando combinado a altas temperaturas, pode ser um agravante, por exemplo, para indivíduos com insuficiência cardíaca ou para aqueles com chances elevadas para tal, assim como para quem tem risco alto de ataques cardíacos.
Essas complicações, geralmente, acontecem em temperaturas acima dos 21°C (ou com sensação térmica maior que 27°C) e umidade passando dos 70%. Muita umidade no ar pode interferir nos mecanismos naturais de refrigeração do nosso corpo, fazendo com que as temperaturas pareçam muito mais quentes do que realmente estão. E isso também pode gerar tensão no sistema cardiovascular.
Um dos principais mecanismos de resfriamento e controle de temperatura do nosso corpo é o suor. Quando o suor evapora da pele, reduz a temperatura corporal central e, ao fazê-lo, gera uma sensação de alívio.
Porém, com a umidade alta, o suor não evapora tão facilmente - e isso não impede que o corpo siga produzindo. A questão é que o suor pode causar desidratação e, consequentemente, baixar a pressão sanguínea. Assim, com o excesso de calor, o cenário só piora.
Com o tempo quente, nosso corpo tem que trabalhar mais para manter a temperatura em níveis normais, e isto, mais uma vez, sobrecarrega o sistema cardiovascular. O coração passa a bater mais rápido para bombear com mais força o sangue pelo corpo, especialmente para a pele, com a intenção de promover o resfriamento.
Os vasos sanguíneos, então, são mais exigidos com o aumento da pressão e do volume do líquido. Para se ter uma ideia, num dia de altas temperaturas, é possível que circule de duas a quatro vezes mais sangue a cada minuto do que em um dia frio.
Além disso, o suor contém eletrólitos (minerais essenciais como potássio e sódio), que são necessários para o funcionamento saudável do coração. O suor excessivo durante o tempo quente pode desequilibrar os níveis de eletrólitos, o que pode estressar ainda mais o órgão que já está trabalhando duro.
A perda de líquidos também diminui o volume do sangue. Desta forma, enquanto o coração ainda está em esforço para resfriar o corpo, será mais exigido e precisará trabalhar mais e rapidamente para conseguir a quantidade de sangue necessária para distribuir pelo corpo.
O trabalho extra, agravado pela perda de sódio e potássio e pela inundação interna de hormônios de estresse, pode então ser o gatilho para eventos e complicações cardiovasculares - como dito, especialmente para aqueles com certa predisposição.
Outros pontos importantes
O desequilíbrio da umidade afeta ainda outros aspectos importantes para nosso bem-estar, qualidade de vida e saúde. Pode influenciar, por exemplo, na resistência das vias aéreas quando respiramos, dificultando a passagem do ar. Isso pode desencadear, entre outros problemas:
- Tosse e constrição das vias aéreas
- Aumento da quantidade de muco no nariz e garganta, causando congestão, espirros, corrimento e gotejamento nasal
- Sono ruim
- Proliferação de mofo, ácaros e outros irritantes transportados pelo ar
Por isso, vale ficar atento: em ambos os cenários, é importante beber muita água mesmo antes de sentir sede. Alternativas como um desumidificador ou umidificador de ar também podem ajudar.
Já na prática de esportes e atividades físicas ao ar livre, é importante estar ciente da temperatura e do nível de umidade e cuidar da hidratação. Isso porque, com o esforço do exercício, o sistema cardiovascular será mais exigido e, como vimos acima, dependendo do cenário, já pode estar sobrecarregado.
Em caso de dúvidas, especialmente para quem já tem o diagnóstico de fatores de risco (como diabetes, pressão e colesterol altos), doenças e complicações cardiovasculares, busque a orientação de um médico e veja quais cuidados tomar nessas condições climáticas.