João Gallinaro é Médico Psiquiatra com especialização em Medicina do Sono pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Med...
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É sensato pensar que um medicamento hipnótico — que dentre os efeitos colaterais possíveis pode causar alucinações e episódios de sonambulismo — seja de uso controlado. Porém, nos últimos anos, houve um aumento de 676% nas vendas desse fármaco no Brasil. Estamos falando do Zolpidem, indicado para o tratamento da insônia.
Os dados são da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), divulgados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e se referem às vendas no período entre 2011 e 2020. De acordo com o levantamento, o pico de aquisições do medicamento foi em 2020, quando foram vendidas 23,3 milhões de caixas do remédio.
E esse crescimento continua: entre janeiro e junho deste ano, 10,6 milhões de caixas do Zolpidem foram comercializadas, o que equivale a mais da metade (55,6%) do total de 2021. Para o psiquiatra João Gallinaro, especialista em medicina do sono, esse é um fenômeno que não acontece apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
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“Eu atribuo esse aumento a três fatores principais. O primeiro deles é a piora do padrão de sono das pessoas, as pessoas têm dormido cada vez pior. Sabemos que, hoje, um terço da população tem sintomas de insônia”, comenta o médico.
“O segundo ponto está relacionado ao excesso de prescrições dessas medicações, quando, na verdade, a primeira intervenção [para tratar a insônia] deveria ser baseada na terapia cognitivo-comportamental, que envolve a mudança de hábitos, comportamentos e formas de pensar sobre o sono”, afirma João.
Além disso, a automedicação também tem sido um fator importante para o aumento da venda do Zolpidem. “Muitas pessoas acreditam que é uma medicação inofensiva, que não causa efeitos colaterais e que é só ‘um indutor do sono’, quando nós sabemos que, como qualquer outro medicamento, tem suas indicações, que devem ser feitas por um médico, e também tem os seus possíveis efeitos colaterais”, diz o psiquiatra.
Diante dessa realidade, é importante entender o que é exatamente esse medicamento, como ele age no organismo e os possíveis riscos que ele pode oferecer. Entenda melhor a seguir:
O que é Zolpidem e para quem ele é indicado?
O Zolpidem é um medicamento que induz o sono, sendo indicado para pessoas com mais de 18 anos que apresentam diagnóstico de insônia crônica. “Ele atua em receptores cerebrais, aumentando a liberação do GABA (Ácido Gama Amino Butírico), o qual promove uma cascata de eventos que levam à sedação e ao sono”, explica Ivete Gianfaldoni Gattás, psiquiatra e professora do curso de Medicina da Faculdade Santa Marcelina.
Idealmente, o medicamento deve ser utilizado por um curto período de tempo: no máximo, quatro semanas. Isso porque, de acordo com a psiquiatra, ele pode causar dependência e tolerância, fazendo com que o paciente utilize doses cada vez maiores para obter os mesmos efeitos.
Quais são os riscos do uso indevido do Zolpidem?
Mesmo sendo um medicamento de uso controlado e com indicações específicas, ele tem se popularizado, principalmente entre os jovens. O problema é que muita gente acaba recorrendo ao Zolpidem sem consultar qualquer especialista previamente.
Ao fazer uma pesquisa nas redes sociais sobre o medicamento, é possível encontrar diversos relatos sobre pessoas que tiveram alucinações, comportamentos indevidos e amnésias após utilizar o Zolpidem. Muitas vezes, inclusive, os pacientes tomam uma atitude sob o efeito do remédio e, ao acordarem, não se lembram do que fizeram.
“Se o indivíduo ingerir o medicamento e não se deitar logo em seguida, aumenta o risco do ‘efeito adverso’ de sonambulismo e amnésia. Nesses casos, o cérebro não está nem totalmente acordado e nem totalmente dormindo e, com isso, não vai registrar adequadamente seus atos, gerando a falta de lembrança deles”, explica Ivete.
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De fato, na bula do medicamento, estão listadas entre as reações adversas distúrbios como alucinações, agitação, pesadelos, depressão, sonambulismo, irritabilidade, inquietação, alteração na libido, desilusão e dependência, além de sonolência, dor de cabeça, tontura, amnésia, tremor, distúrbio de atenção e distúrbio de fala.
“A pessoa pode levantar da cama, interagir com o ambiente. Às vezes, ela abre a geladeira, come alguma coisa, desce a escada. Existe um caso em que a pessoa pegou o carro, fez uma compra, voltou para casa e não se recorda de nada. Então, ela acaba se colocando em risco e colocando outras pessoas em risco também”, conta João.
Insônia: quando o Zolpidem é indicado?
Um dos prováveis fatores para o aumento exacerbado da venda de Zolpidem é a automedicação feita por pessoas que estão com dificuldade para dormir. Mas é importante saber diferenciar quando você está passando por um problema pontual ou quando pode se tratar, de fato, de um diagnóstico de insônia.
Segundo o psiquiatra João Gallinaro, é normal confundir os dois casos, porém existem critérios muito bem definidos para diagnosticar o transtorno de insônia. “É importante fazer uma avaliação clínica, em que o profissional vai avaliar a história do paciente, os sintomas e tentar identificar as possíveis causas para o problema”, afirma o médico.
Além disso, para o diagnóstico da insônia, existe a Classificação Internacional dos Distúrbios de Sono (ICSD), que define critérios para uma pessoa ter o transtorno, como: dificuldade para iniciar o sono (insônia inicial), manter o sono (insônia de manutenção) ou despertar antes do desejado (insônia terminal).
Esses três tipos classificam a insônia aguda, que está presente por menos de três meses. Já a insônia crônica é caracterizada pelos sintomas que duram há mais de três meses.
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Entretanto, mesmo quando o diagnóstico da insônia é feito, o tratamento inicial envolve a Terapia Cognitivo-Comportamental, conduzida por psicólogo especialista em sono. De acordo com Ivete, nessa abordagem, são sugeridas mudanças de hábitos, de crenças e perspectivas relacionadas ao quarto, à cama e ao dormir.
“Quando há a necessidade de terapia medicamentosa, esta precisa estar baseada no uso racional de fármacos e na menor dose possível para se obter o efeito desejado. Neste contexto, o Zolpidem é uma das ferramentas coadjuvantes de um processo muito mais complexo no resgate de uma boa noite de sono”, completa a médica.
Como melhorar a qualidade do sono de forma saudável?
Se você está enfrentando dificuldades para dormir, o primeiro passo é procurar ajuda especializada. Mas há, também, algumas medidas que podem ajudar a melhorar a qualidade do sono sem o uso de medicamentos. Um exemplo é a higiene do sono.
“Nela, a pessoa elimina da rotina todos os fatores ambientes que são nocivos para o sono, como, por exemplo, exposição a estimulantes durante o dia, como a cafeína, que deve ser evitada nas seis ou oito horas antes de dormir”, exemplifica João Gallinaro.
O psiquiatra também dá outras dicas, como evitar exposição à luz no período da noite. “Quando a pessoa se expõe à luz no período noturno, o cérebro acaba recebendo a informação de que ainda é dia e não produz melatonina, que é o hormônio do sono. Essa exposição envolve a luz de eletrônicos, como celular, tablet e televisão, e até mesmo a luz de casa”, explica o médico.
Por fim, também é importante evitar fazer refeições muito pesadas perto da hora de dormir. “O recomendado é tentar manter o intervalo de, pelo menos, três horas entre a última refeição e o horário de deitar”, finaliza.