Redatora especialista na cobertura de conteúdos sobre saúde, bem-estar, maternidade, alimentação e fitness.
A série The Last of Us (“O Último de Nós”, em tradução livre), da HBO Max, virou um tremendo sucesso. Baseada na franquia de videogames de mesmo nome, a distopia conta a história de Joel e Ellie, que lutam pela sobrevivência em meio a um cenário apocalíptico causado por uma pandemia do fungo Cordyceps.
Na ficção, a espécie infecta humanos e os transforma em criaturas perigosas e com tendências canibais, como uma espécie de zumbis. Diante do sucesso do jogo - e, agora, da série - e após quase três anos de pandemia na vida real, causada pelo coronavírus, fica a pergunta: esses fungos existem e podem, de fato, causar algum mal aos humanos? Quais são os verdadeiros perigos? Entenda a seguir.
O que é o fungo da série The Last of Us?
De acordo com Flávio Cesar Viani, professor do curso de Biomedicina da Universidade Cruzeiro do Sul, Cordyceps é um gênero que inclui várias espécies de fungos. Elas estão distribuídas por todo o mundo, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais com clima quente e úmido, incluindo, portanto, o Brasil.
Mas não há motivo para se preocupar. Todas as espécies do gênero Cordyceps são entomopatogênicos, ou seja, atacam somente insetos. “Cada espécie de Cordyceps ataca uma única espécie de inseto. De modo geral, atacam várias ordens de inseto, principalmente aquelas em que se encontram as borboletas e mariposas”, explica Flávio.
O professor de biomedicina, que também é veterinário e possui doutorado em Micologia Médica (a área que estuda fungos patogênicos), explica que os fungos Cordyceps não têm capacidade de infectar mamíferos, como os humanos. “As razões são inúmeras, mas podemos resumir na incapacidade do fungo de romper nossa pele, além de que o nosso sistema imune é muito mais refinado do que o dos insetos”, afirma.
Saiba mais: Infecção vaginal por fungo: sintomas, tratamentos e causas
Nos insetos, esses fungos atuam da seguinte maneira: produzem e dispersam esporos pelo ar que, ao se aderirem ao exoesqueleto (esqueleto externo) dos insetos, germinam e iniciam seu processo de crescimento. “As estruturas do fungo vão crescendo no interior do inseto, produzindo diversas enzimas que irão digeri-lo, bem como muitas toxinas que irão interferir na fisiologia do animal”, explica.
Mas esses fungos conseguem controlar as funções dos hospedeiros e transformá-los em verdadeiros zumbis, como acontece em The Last of Us com os humanos? Segundo Flávio, não. “O comportamento aberrante que os insetos apresentam é fruto da destruição de seus tecidos e da grande quantidade de toxinas liberadas”, esclarece.
Quais fungos são realmente perigosos para os humanos?
Apesar de o Cordyceps não atacar humanos e, muito menos, transformá-los em zumbis, como acontece na série, ainda é preciso ficar atento com algumas espécies. Afinal, existem fungos que podem causar doenças perigosas nas pessoas.
Um bom exemplo são as leveduras do gênero Candida, responsáveis desde infecções superficiais banais, como micose, candidíase e sapinho, até infecções graves que atingem o sistema nervoso e o urinário. Outro exemplo é o Cryptococcus neoformans, que vive naturalmente no solo e é espalhado pelas aves, como os pombos.
Leia mais: Micose: tipos e como tratar a infecção
“Nas pessoas imunocomprometidas, que o adquirem por inalação, ele gera infecções respiratórias e infecções no sistema nervoso central”, explica o professor de Biomedicina. “Após a inalação desta levedura, normalmente presente nos excrementos de pombos, pode haver tanto uma pneumonia severa quanto uma encefalite. A multiplicação dessa levedura no cérebro vai determinar uma inflamação severa e, posteriormente, a destruição do tecido encefálico. Se não tratada, é fatal”, alerta.
Existe, ainda, uma espécie de bolor típica do Brasil, o Paracoccidioides brasiliensis, causadora de uma doença chamada paracoccidioidomicose. “Seus esporos adentram ao corpo humano principalmente por inalação e a doença se manifesta com forma respiratória e cutânea com ulcerações, podendo, inclusive, penetrar até os ossos”, afirma Flávio. “Essa doença é mais comum em área rural, onde o contato com o solo por parte dos trabalhadores favorece a disseminação”, completa.
Ameaças atuais: fungos que preocupam cientistas
Além dessas espécies, existem alguns fungos que, recentemente, têm chamado a atenção de especialistas e cientistas. No mundo, cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem a cada ano devido a infecções fúngicas, de acordo com a Sociedade de Microbiologia.
No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma lista de 19 patógenos fúngicos considerados “uma grande ameaça”. Um deles é a levedura Candida auris, que causou impacto mundial pela sua resistência aos medicamentos antifúngicos.
Identificada pela primeira vez há uma década, na Coreia do Sul, o Candida auris já causou surtos na Índia, África do Sul, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e Japão. A transmissão dessa espécie acontece através da pele ou da mucosa e, quando o fungo atinge a corrente sanguínea, as chances de mortalidade são de 59%. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o fungo ainda não foi registrado no Brasil.
Saiba mais: Como tratar fungos na pele?
Outro patógeno presente na lista é a Aspergillus fumigatus, um fungo que causa doenças pulmonares em pessoas com sistema imunológico enfraquecido. Na lista, constam, ainda, o Candida albicans, uma levedura que vive na boca, intestino e pele e pode causar infecção vaginal, assaduras ou candidíase em caso de desequilíbrio no microbioma do corpo humano; e o Cryptococcus neoformans, citado anteriormente.
Além desses, um fungo presente no Brasil também tem acendido o alerta. O Sporothrix brasiliensis foi descoberto nos anos 1990, com os primeiros casos de infecção por esse patógeno sendo registrados no Rio de Janeiro. Aos poucos, as infecções se espalharam para outros estados brasileiros. As transmissões acontecem de gatos para humanos.
Esses micro-organismos penetram nas camadas superficiais da pele, provocando feridas e podendo invadir o sistema linfático, afetando olhos, nariz e até os pulmões. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), foram 178 casos de esporotricose - doença causada pelo fungo Sporothrix brasiliensis - entre 1998 e 2001. De acordo com o médico Flávio Telles, da Sociedade Brasileira de Infectologia, em entrevista à BBC News Brasil, já são mais de 12 mil casos em seres humanos desde então.
Como prevenir a contaminação por fungos?
A prevenção da contaminação por fungos está relacionada a hábitos de higiene tradicionais, conforme orienta o professor de biomedicina Flávio. “Lavar bem os alimentos, não colocar mão suja na boca, utilizar instrumentos de unha devidamente esterilizados, realizar exames médicos antes de entrar em piscinas coletivas e não permitir a multiplicação de pombos próximo às habitações humanas, principalmente onde existem pessoas vulneráveis, como escolas, hospitais e asilos”, elenca.