Médica ginecologista e obstetra com especialização em medicina fetal pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Fed...
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O Brasil tem enfrentando intensas ondas de calor, fruto do efeito do El Niño, fenômeno climático que altera significativamente a distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico. Elas foram intensificadas pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global.
As previsões no cenário climático mundial também não são animadoras: espera-se que a temperatura média da Terra aumente quase 3ºC até o fim do século em comparação com a era pré-industrial. Isso acende um alerta sobre os riscos das altas temperaturas à saúde — em especial para mulheres grávidas.
A exposição excessiva ao calor pode afetar tanto a mãe quanto o bebê e está associada a uma série de resultados adversos, como aborto espontâneo, baixo peso ao nascer e problemas congênitos.
Para entender essa relação, o MinhaVida conversou com Tatiane Boute, ginecologista do Fleury Medicina e Saúde, e explicou os principais riscos das altas temperaturas durante a gestação e algumas recomendações de como se proteger.
Mudanças climáticas podem prejudicar o desenvolvimento dos bebês
As altas temperaturas são capazes de provocar desidratação, náuseas, insolação e mal-estar em qualquer pessoa. No entanto, segundo estudos, os riscos para gestantes são ainda maiores do que se pensava anteriormente.
Isso foi abordado em uma pesquisa realizada no sul da Índia, no Estado de Tamil Nadu, pela Faculdade de Saúde Pública de Saúde Pública do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa Sri Ramachandra. O estudo, iniciado em 2017, foi realizado com a participação de 800 mulheres grávidas do Estado de Tamil Nadu.
Cerca de metade delas trabalhava em empregos que envolviam a exposição prolongada ao calor intenso, como em atividades agrícolas, olarias e salinas. A outra parte das participantes trabalhavam em ambientes mais frescos, como escolas e hospitais. Porém, algumas também estavam expostas a níveis de calor elevados nesses empregos.
As participantes expostas a níveis elevados de calor apresentaram risco duplicado de aborto espontâneo e a um risco aumentado de qualquer resultado adverso na gravidez e no feto, como baixo peso ao nascer e problemas congênitos.
“O estresse térmico (aumento exagerado da temperatura corporal), causado pela combinação de temperatura ambiente, umidade, radiação solar e velocidade do vento, pode desencadear uma variedade de respostas, desde desconforto leve até riscos graves à saúde, incluindo óbito”, explica Tatiane Boute, ginecologista do Fleury Medicina e Saúde.
As mudanças climáticas também foram apontadas como responsáveis pelo aumento de doenças cardíacas em recém-nascidos. Um estudo publicado no Journal of American Heart Association em 2019 apontou que um número maior de bebês provavelmente nascerá com cardiopatias congênitas entre 2025 e 2025 em função da exposição das gestantes ao calor extremo.
De que modo o calor afeta mulheres grávidas e os bebês?
Ainda são necessários mais estudos para explicar de que maneira o calor afeta o desenvolvimento do bebê, mas existem hipóteses.
Um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health apontou que o aumento do estresse térmico pode causar constrição uterina e a desidratação (que é mais comum em gestantes) resulta na diminuição do fluxo sanguíneo uterino, o que poderia contribuir para resultados adversos na gravidez, como nascimento prematuro.
Outras pesquisas em animais sugerem que a exposição ao calor durante o início da gestação poderia interferir na síntese normal de proteínas por meio da produção de proteínas de choque térmico. A interrupção na homeostase (equilíbrio) da proteína pode levar a danos nas células fetais, alterando potencialmente o desenvolvimento fetal.
Existem sinais de alerta?
Mulheres grávidas têm maior probabilidade de desidratar, então Tatiane aponta para os principais sinais da condição para ficar atenta, como:
- Boca seca
- Sede intensa
- Urina escura
- Náuseas
- Sensação de tontura ou fraqueza
- Aumento da frequência cardíaca (sensação de “batedeira” no peito)
- Pele avermelhada
- Dor de cabeça
- Cansaço extremo
- Diminuição na quantidade ou número de vezes que urinou
“Ao sentir esses sintomas, a gestante deve procurar um pronto-socorro imediatamente”, acrescenta a ginecologista.
Medidas para se proteger do calor extremo
O ideal, durante a gravidez, é evitar a exposição direta ao sol — o que pode não ser possível para muitas pessoas, especialmente as que trabalham ao ar livre.
Nesses casos, Tatiane orienta a hidratação adequada (não espere estar com sede para beber água!), uso de roupas leves e claras, feitas de tecidos de algodão, e chapéu ou boné para proteger a cabeça.
“Além disso, tente fazer intervalos na sombra ou em ambientes com ar-condicionado para evitar períodos prolongados de exposição ao calor intenso”, acrescenta.
Também é importante ter atenção à alimentação. O ideal é adotar uma dieta leve e balanceada, que contribui para uma digestão mais rápida e efetiva. Evite o excesso de gorduras e alimentos muito condimentados, dando preferência ao cardápio de alimentos frescos e higienizados, uma vez que o calor favorece a proliferação bacteriana.
Para atividades físicas ao ar livre, preferir o início da manhã ou final da tarde. Por fim, gestantes devem evitar saunas e banhos quentes de imersão.
Referências
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