
Redatora de saúde e bem-estar, autora de reportagens sobre alimentação, família e estilo de vida.

O sono é uma obsessão inerente ao ser humano. Temos provas disso: desenvolvemos três ferramentas para dormir rapidamente, sabemos qual é o melhor horário para ir para a cama e temos até uma infinidade de truques para ter uma noite de sono melhor.
Entretanto, embora há muito tempo tenhamos ouvido que dormir mais é melhor para a saúde, nem sempre é esse o caso. De fato, este ano descobrimos que talvez tenhamos exagerado no número de horas. Agora também sabemos que, às vezes, dormir “menos” é até benéfico.
Isso foi relatado recentemente na Scientific American. A ideia de que todos devem dormir de 7 a 9 horas por noite se estabeleceu como padrão, apoiada por pesquisas que associam a falta de sono a problemas de saúde, como perda de memória, doenças cardíacas, fraqueza imunológica e até mesmo demência.
Entretanto, os seres humanos não são todos iguais. De fato, há um pequeno grupo de pessoas, conhecido como “pessoas com sono curto natural”, que desafia essa norma. Esses indivíduos geneticamente predispostos precisam de apenas 4 a 6 horas de sono para manter a energia e a saúde, o que levou os cientistas a repensar o conceito tradicional de sono como uma atividade uniforme.
Genética é fundamental
Entre elas, a mutação no gene DEC2 foi a primeira a ser descoberta. Esse gene regula a produção de orexina, um hormônio que promove a vigília. Nesse grupo especial, os níveis de orexina são mais altos, permitindo que eles permaneçam acordados e ativos com menos sono.
Posteriormente, foram identificadas mutações em outros genes, como o ADRB1, que está envolvido na regulação do sono no tronco cerebral, e o NPSR1, que influencia o ciclo sono-vigília. Essas mutações não só possibilitam dormir por menos tempo, mas também parecem proteger contra os efeitos negativos da privação de sono, como a memória prejudicada.
Na verdade, experimentos com camundongos geneticamente modificados mostraram que esses animais dormiam menos, mas mantinham o desempenho cognitivo normal, sugerindo que seus cérebros são mais eficientes na consolidação da memória e na eliminação de toxinas durante o sono.
Benefícios exclusivos
As pessoas com essa predisposição genética não só se beneficiam do descanso reduzido, mas também apresentam características exclusivas. Por exemplo, estudos indicam que elas tendem a ser mais enérgicas, resistentes ao estresse, otimistas e mais capazes de tolerar a dor.
Além disso, pesquisas preliminares sugerem que eles podem ter maior longevidade devido à eficiência de seus processos metabólicos e de limpeza do cérebro, reduzindo o acúmulo de proteínas tóxicas associadas a doenças como o Alzheimer.
De fato, a descoberta do grupo desafia o modelo tradicional de sono, que se baseia em dois processos: o ritmo circadiano, que regula os ciclos de sono-vigília por meio da luz, e a chamada homeostase do sono, que gera uma pressão cumulativa para dormir após períodos de vigília.
Para explicar o fenômeno do sono curto, os pesquisadores propuseram um terceiro fator, chamado de “impulsividade comportamental”, que leva essas pessoas a permanecerem ativas mesmo com descanso limitado.
Nesse sentido, pesquisadores como Phyllis Zee sugeriram que a eficiência do sono desse grupo poderia ser devida a um tempo maior nos estágios de sono profundo (ondas lentas), a um metabolismo cerebral acelerado ou talvez a uma maior capacidade de eliminar os resíduos acumulados durante o dia. De qualquer forma, todas essas são hipóteses que abrem novas perspectivas para a compreensão e a otimização do sono humano.
O futuro e os aplicativos
Essa é a última etapa a ser abordada. Uma vez que a existência desse grupo foi reconhecida, seu estudo tem implicações profundas para a medicina do sono e a saúde pública. A compreensão dos mecanismos biológicos por trás desse fenômeno pode, por exemplo, levar a tratamentos para distúrbios do sono e ao desenvolvimento de intervenções que otimizem a qualidade do sono para a população em geral.
Estudos recentes demonstraram que os estímulos acústicos, como o uso do chamado “ruído rosa”, podem melhorar as ondas lentas do sono profundo, aumentando a memória e a recuperação cognitiva sem a necessidade de aumentar o tempo de descanso.
Dito isso, ainda não se sabe ao certo como essas mutações tornam o sono mais eficiente. Pesquisadores como Ptáček e Fu continuam seus esforços para medir a atividade cerebral do grupo e explorar como essas adaptações podem proteger contra doenças relacionadas ao sono. Essa não é uma questão trivial. O que está em jogo, talvez, seja a redefinição das fórmulas de descanso.
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