
Redatora de saúde e bem-estar, autora de reportagens sobre alimentação, família e estilo de vida.

Antes de um encontro, você costuma procurar no Google a pessoa com quem deu match? Pode ser por medo ou por experiências ruins do passado. Ou talvez seja só por curiosidade.
Segundo uma pesquisa da Avast, uma em cada duas pessoas que usam aplicativos de namoro pesquisa no Google ou nas redes sociais a pessoa com quem deram match. E 20% desistiram de conhecer essa pessoa apenas pelo que encontraram — ou por não encontrarem nada. Nos Estados Unidos, esse número sobe para 77% dos entrevistados, que afirmaram já ter investigado um possível encontro.
De acordo com um estudo do Tinder, na Espanha há 55% de chance de alguém te dar ghosting e 41% de te deixarem plantado num encontro, mas qual seria o percentual de pessoas que fazem uma investigação minuciosa e criam um perfil sobre você usando IA, em vez de simplesmente investir tempo em te conhecer? Jemima Kelly é jornalista e tem uma história para contar sobre isso.
No Financial Times, ela relatou em primeira pessoa como seu date usou o ChatGPT. E não foi como uma ferramenta para escrever a bio do Tinder, mas sim como se fosse um detetive particular. O pretendente de Kelly pediu para a inteligência artificial investigar profundamente a jovem e criar um perfil psicológico sobre ela. “Um perfil psicológico de oito páginas”, contou a jornalista.
"Kelly é intelectualmente curiosa, independente e firme em suas convicções, o que sugere um alto grau de autoconfiança e integridade. Suas anedotas bem-humoradas sobre as próprias gafes revelam falta de ego e a capacidade de rir de si mesma. Psicologicamente, Kelly poderia ser descrita como uma cética consciente", explicou a IA.
Na verdade, se você fizer uma busca usando outra ferramenta, como o Gemini, os resultados mostram que ela é alguém independente, intelectualmente curiosa e com senso de humor — tudo com base apenas em informações disponíveis na internet.
Seu date contou isso de forma descontraída, o que não tenho certeza se me assustaria caso tivesse acontecido comigo. Kelly pensou “que era um sinal de que ele provavelmente era bastante inteligente e empreendedor”.
Mas a ideia ficou martelando em sua cabeça e acabou levando à pergunta: é ético ou não usar a IA dessa maneira? “Só porque a informação está disponível, isso significa que acessar uma versão destilada, processada, agregada e psicoanalisada especulativamente é legítimo?”, refletiu a jornalista.
A pergunta, longe de ser apenas retórica, pedia uma resposta — e ninguém melhor para responder do que a própria IA do ChatGPT, que fez o perfil para o encontro, como ela explicou no Financial Times: “Embora usar IA para obter informações sobre alguém possa parecer tentador, elaborar perfis psicológicos sem o conhecimento da pessoa pode ser invasivo e injusto. As pessoas são complexas, e a IA não pode substituir a interação, a observação e a intuição humanas reais.”
Já o Gemini, do Google, foi mais categórico em sua resposta e afirmou: “Você não deve usar o ChatGPT para criar um perfil de alguém sem seu consentimento explícito, pois isso pode ser uma violação de privacidade e potencialmente prejudicial.”
Poderíamos pensar que essa história é apenas uma anedota e tudo fica mais fácil porque o perfil investigado é o de uma jornalista que escreve para meios digitais. Mas fica a dúvida: será que realmente é necessário investigar seu interesse amoroso online antes de conhecê-lo no mundo real?
Por que investigamos antes de um encontro? 56% das pessoas afirmaram que fazem isso para “saber” um pouco mais sobre a pessoa, embora exista algo chamado conversa que podemos usar para conhecer alguém sem precisar recorrer a terceiros. Já 38% disseram que o objetivo é apenas confirmar se a pessoa é real ou não, e 27% querem ter certeza de que não foram enganados.
Afinal, quando conhecemos alguém pela internet, não temos como saber 100% quem é aquela pessoa — mas será que, conhecendo alguém em um bar, você saberia se ela é misógina, um serial killer ou apenas um chato de plantão? Obviamente, ao vivo há muito mais nuances que não existem em um chat de aplicativo, mas a certeza total sobre quem está à sua frente nunca será possível.
Quanto à questão de se deveríamos ou não fazer isso, há opiniões divergentes. Alguns dizem que, desde que haja bom senso, faz sentido usar as ferramentas digitais disponíveis para ter uma noção melhor de quem é o possível par. “Às vezes, investigar alguém antes de conhecê-lo pode evitar um encontro sem futuro”, afirmou Scott Valdez, fundador e presidente da ViDA, em entrevista à Bustle.
Já a especialista em relacionamentos Susan Winter disse que as pessoas “não deveriam se envergonhar por pesquisarem sua paquera no Google, porque isso é bastante comum. E se torna ainda mais comum quando você realmente gosta da pessoa depois do primeiro encontro... Você quer checar os fatos”.
Também há especialistas em cibersegurança que recomendam “usar ferramentas como o Tineye.com ou o Google Imagens para verificar se as fotos da pessoa com quem estamos conversando são reais e garantir que não pertencem a um perfil falso”. Se pensarmos na quantidade de perfis usados para aplicar golpes, ou em usuários que manipulam suas informações para parecerem mais interessantes, mesmo que isso envolva mentiras, talvez não seja má ideia se prevenir.
A psicóloga clínica Venus Nicolino afirmou à GQ que “gastar dez minutos no Instagram ou Facebook da pessoa já é suficiente para saber se não se trata de um golpe, para confirmar que ela é quem diz ser”.
Ela, no entanto, não recomenda passar muito desse tempo: “isso te leva a descobrir coisas que não são exatamente úteis e que tiram parte do mistério que torna os primeiros encontros tão interessantes”.
O “encontro às cegas” morreu. Vivemos numa época em que, se consigo descobrir seu nome, consigo descobrir muito mais — e, pessoalmente, me parece que o romantismo morre aí, e tudo vira algo mais prático e metódico. Como se tivéssemos que ser produtivos também no amor.
É verdade que o amor — e os encontros, em especial — mudou, mas será que existe uma linha que separa uma curiosidade normal de um comportamento de perseguição no estilo Joe Goldberg, da série “You”? Quem dera eu tivesse essa resposta, mas isso tem mais a ver com a sua moralidade, seus valores e suas percepções sobre o que é certo ou errado, do que com qualquer coisa que eu possa te dizer.
Quase todos os homens (91%) e mulheres (94%) concordam que sair com alguém hoje em dia está mais difícil do que nunca. E com o que acabamos de descobrir graças à história da Kelly, não é de se estranhar.
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