Paulo Rosenbaum possui graduação em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP-1986), mestrado e...
iFaz tempo. Numa manhã de pouco sol alguém lia Ponha-se no lugar do médico dizia a enorme placa de acrílico numa moldura dourada ligeiramente mal esquadrinhada. Havia algum orgulho já que diariamente centenas de pessoas afluíam aos consultórios e aos ambulatórios públicos que coordenava. As queixas eram diversas para não dizer surpreendentes. A notícia importante não era a descoberta de uma cura espetacular, nem de um achado científico sobre uma nova droga. E sua inovação mudou a medicina. Pensou em dar um nome para o método, mas mesmo depois de anos lidando com sua descoberta todos os nomes que achava não resistiam. Nenhum fazia juz ao invento. Para entender o sucesso do Dr. Dalton Now Caravelas será preciso retroceder até à época em que ele era só mais um estudante de medicina.
Aos 18, Dalton ingressou na faculdade de medicina sem a menor idéia do que esperar. Afinal a medicina não é uma área das ciências humanas, mas usa humanidades, não é biologia, mas estuda organismos vivos. Quando lhe perguntavam sobre sua opção respondia o que muitos pensam que sabem sobre o motivo da escolha da profissão: salvar vidas seguida da clássica gosto de ajudar pessoas . Às vezes ouvia a contrapartida, também comum, ora, então vá ser bombeiro ou voluntário em entidades filantrópicas . Mas não era nada disso. Dalton estava convencido que queria ser médico ainda que não tivesse noção do que isso significava. Mais que médico, já tinha escolhido uma área cirúrgica. Mas a experiência com sangue, enorme esforço físico e o repouso anestésico dos pacientes o desesperavam e foi demais para ele. Abandonou rapidamente a idéia de ser operador. No meio do segundo ano percebeu que a medicina não era o que tinha imaginado. O atendimento no serviço de dermatologia num serviço ambulatorial do público do interior do estado nem em sonho era o que tinha imaginado.
Quando viu que teria que suprimir tudo que aparecia na superfície da pele, enfrentar a burocracia diária, se submeter aos chefes poucos simpáticos e aturar gente sem a menor paciência de esperar horas na fila, mudou para obstetrícia. Partos, essa era a solução. Foi nova decepção. Ninguém mais tem paciência especialmente os administradores hospitalares para esperar por um parto natural. A encantada rotina dos parteiros se transformou numa monótona linha de produção de embriões e bebes.
Dalton viu-se em apuros. Já estava no quinto ano do internato dava alguns plantões. Perguntava-se todos os dias sobre seus talentos. Poderia ter sido cartunista. Tinha bom humor e desenhava bem. Notou que poderia ter sido um ótimo advogado, um defensor público. Também não faltavam capacidades manuais para o artesanato. Imaginou-se hábil com as palavras e então seria escritor de biografias. Mas também gostava de ouvir pessoas nas consultas. Isso bastava para continuar na medicina? Concluiu ser um pouco tarde demais para desistir ou migrar de área. Pensou na decepção dos pais, e dos amigos. A renúncia seria a derrota, a ambigüidade a depressão. Deprimido, entrou para o grupo de teatro da faculdade. Percebeu que, a exemplo da taxa de baixa mobilização de nossa capacidade cerebral, a medicina usava muito mal as informações que eram colhidas nas consultas.
Mas tudo isso para que mesmo? Chegar ao final de cada consulta e carimbar seu número de CRM? Reproduzir um monte de frases feitas? Ameaçar com cifras de mortalidade, discursar sobre taxas estatísticas ou ser taxativo sobre os riscos que pesam sobre cada um? Impor, num piscar de olhos, as últimas modas farmacêuticas? Ser médico tinha que ser coisa bem diferente.
Terminou a graduação determinado em buscar novas experiências. Foi se convencendo que a raiz do fracasso de muitos tratamentos era, por exemplo, o fato do médico nem imaginar como o doente realmente se sentia durante as consultas. Dalton começou sua carreira de inventor experimentando inverter os papéis durante as consultas em um ambulatório público de clínica médica: sentava-se na cadeira destinada aos pacientes, oferecendo seu assento. Da nova posição pedia para eles orientações e conselhos. Em vão médicos veteranos tentavam desmotivá-lo. Contemporâneos de Aristóteles já tinham usado este recurso. Freud percebeu a vitalidade desta relação e o psicodrama inventado pelo médico Jacob Levy Moreno mobilizava forças parecidas. Outro colega insinuou que ele deveria estar com algum desbalanço nos neutrotransmissores e ofereceu o antidepressivo que usava. Dalton declinou. Psicoterapeutas e antigos colegas passaram a insultá-lo. Os primeiros o acusavam de prática primitiva. Os últimos achavam aquela idéia patética. Inevitáveis piadas surgiram.
Menos de duas décadas depois se falava que seu método era genial.
Em uma de suas últimas entrevistas Dr. Dalton contou o segredo de sua reforma médica que 30 anos depois revolucionara completamente o ensino médico. Começou como num laboratório de teatro para ver como eles se sentiam na minha pele e eu na deles. Tudo aconteceu depois que vários pacientes repetiram uma frase que todos os médicos deparam: se estivesse no meu lugar o que faria? Percebi que por mais que me esforçasse não conseguia me transportar para o lugar deles. E eu deveria ser capaz. Mas não conseguia, simplesmente era incapaz de me deslocar. Mesmo assim minha visão das consultas foi mudando completamente. Foi aí que decidi me entregar mesmo à experiência de estar na pele do paciente. Vi que a própria consulta poderia ser ótima ferramenta terapêutica. Para que esperar? No início era para treinar médicos, mas a experiência apresentou resultados que foram muito além da minha intuição. Percebi que a transferência de responsabilidade também mudava a cabeça destes pacientes. Produzia insights quase instantâneos e muitas pessoas subitamente compreendiam o que fazer em relação as suas próprias doenças e limitações. Diminui drasticamente a necessidade de usar remédios. Mas tudo isso só se descobria ali, graças aquela brincadeira da inversão dos papéis. Hoje não é mais necessário que os pacientes sentem na minha cadeira, apenas pergunto, em um certo momento da consulta, se eles desejam fazer um jogo que pode beneficiar o tratamento. Em geral inicio sugerindo que se imagine como médico e eu como paciente. Daí em diante as surpresas são tão interessantes que qualquer resumo seria descartável, empobreceria a realidade, entende? Mobilizar a imaginação das pessoas, mais que seus argumentos racionais, é um poderoso recurso que amplia horizontes. E tudo ali, na hora .
Não deixo de me impressionar como não percebemos a importância disso antes. Dalton fica meio aéreo, olha em volta com quem decide enxergar detalhes em um jardim árido. Claro que não isso não resolveu a crise humanista pela qual passa a medicina. E para o esclarecimento geral, ao contrário do que espalham, deixo claro que é apenas uma intervenção temporária e que, se for o caso, quem formulará todas as receitas será o médico. Se fosse apenas ficção poderia parecer um pouco absurda, mas que posso fazer se na realidade deu certo. Catarses podem ser usadas para que as pessoas se expressem sem ter pela frente anos, as vezes passando de uma clínica de especialidades para outra. O sistema que tive a sorte de sugerir pode ser usado por qualquer médico. Não tem segredo pelo seguinte: a raiz do seu sucesso é só um melhor aproveitamento do espaço da própria consulta. Não é depois, é ali, na hora .
Dalton explicou como foi ampliando a aplicação até chegar a conclusão de que médicos que se imaginam pacientes mudam suas cabeças, aprendem a fundir melhor suas expectativas com os que precisam de sua ajuda. Hoje o sistema do Dr. Dalton é amplamente usado. Nos consultórios, ambulatórios e em quase todos os lugares do país como instrumento de ensino nas faculdades. Recentemente recebeu adeptos pelo mundo. Por uma decisão do parlamento europeu a União Européia adotou oficialmente o método como parte do treinamento médico.
O fato de ter instaurado uma pequena revolução na medicina fez com que considerasse parte da missão cumprida. Hoje, Dr. Dalton, 92 anos, é paciente e desenha charges para um jornal de bairro em Cosme Velho, onde mora desde que se aposentou para a medicina.
Dr. Paulo Rosenbaum é especialista em homeopatia, Mestre em Medicina Preventiva e doutor em Ciências, ambos pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.