Joji Ueno é ginecologista-obstetra. Dirige a Clínica Gera e o Instituto de Ensino e Pesquisa em Medicina Reprodutiva de...
iEla teve câncer, mas agora, deseja ser mãe... Este foi o tema da palestra que proferi durante o II Simpósio Internacional de Ginecologia Oncológica, realizado pelo Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. O tema é atualíssimo, pois o câncer - em escala mundial - vem atingindo cada vez mais mulheres mais jovens, com menos de 40 anos e em idade reprodutiva.
Estima-se que, nos EUA, sejam registrados anualmente cerca de 70 mil casos de câncer entre pessoas de 19 a 39 anos. No Brasil, não há dados por faixa etária que mostrem a realidade dos jovens com câncer em todo o país. A Fundação Oncocentro de São Paulo, que reúne registros da doença no Estado, contabilizou 23.138 novos casos em pessoas com 19 a 39 anos de 2000 a 2007, em 63 hospitais estaduais que têm atendimento oncológico. Como o registro é parcial e não considera o setor privado, os números podem ser muito maiores. Há a suspeita de que a incidência de alguns tipos de câncer esteja realmente aumentando entre os jovens e que isso tenha a ver com fatores genéticos e ambientais, como alimentação e sedentarismo.
Acompanhando o mesmo perfil da magnitude observada no mundo, o câncer de mama é um dos que têm acometido cada vez mais mulheres jovens no Brasil. Apesar de o pico do número de casos ainda estar entre 45 e 50 anos, dados da Oncocentro também mostram que o câncer de mama é o segundo mais freqüente entre os 19 e os 39 anos, com 3.554 casos de 2000 a 2007. No primeiro lugar do ranking da Oncocentro, está o câncer de colo do útero, com 5.071 mulheres diagnosticadas no mesmo período. O aumento desse tipo de tumor está diretamente ligado a aspectos ambientais, pois é causado pelo HPV (papilomavírus humano), vírus sexualmente transmissível que pode gerar alterações no útero. Como essas alterações demoram, em média, de 15 a 20 anos para gerar um câncer, a doença costuma ocorrer em mulheres de 35 a 45 anos, ainda na idade reprodutiva.
Quando o câncer afeta uma paciente jovem - apesar de o adulto jovem receber melhor os tratamentos contra o câncer - é preciso observar algumas peculiaridades dessa fase da vida, antes de iniciar o tratamento oncológico. A preservação da fertilidade é um fator muito importante nos tratamentos de mulheres mais jovens. Muitas pacientes ainda não tiveram filhos e alguns medicamentos podem prejudicar o seu sistema reprodutivo. Dependendo do tipo de tumor é possível combinar remédios menos invasivos. Mas, se for impossível preservar a fertilidade destas pacientes, as técnicas de reprodução humana assistida podem auxiliar estas mulheres.
Pesquisas americanas apontam que a preservação da fertilidade é a maior preocupação das jovens com câncer de mama. Em, aproximadamente 29% das vezes, esta preocupação influencia na decisão terapêutica a ser adotada. Por isto, é cada vez mais importante a atuação conjunta do especialista em reprodução humana com o oncologista, o ginecologista e o mastologista, visando preservar e restaurar a fertilidade desta paciente.
Potenciais efeitos do tratamento do câncer em mulheres jovens, segundo Clínica Gera:
-interferência no funcionamento do hipotálamo e da hipófise;
-perda da função uterina normal;
-destruição total ou parcial da reserva de óvulos no ovário, ocasionando falência ovariana imediata ou em tempo variável;
-dificuldade de predizer o potencial reprodutivo futuro.
Reprodução assistida e câncer
Hoje, os tratamentos da Reprodução Humana Assistida permitem tanto a preservação da fertilidade da paciente com câncer, quanto a obtenção da gestação, após o tratamento oncológico. Em cada caso, a equipe multidisciplinar que atende esta jovem paciente definirá a melhor opção terapêutica.
Para preservar a capacidade reprodutiva das pacientes com câncer, é possível:
- congelar óvulos, pois a infertilidade causada pelo tratamento da doença pode ser permanente. O óvulo pode ser congelado por vários anos. Depois da cura do câncer, a fertilização será feita com o esperma do homem que será o pai. A técnica ainda apresenta poucos resultados positivos no mundo. As condições para gravidez com óvulos congelados, atualmente, atingem 20%;
- congelar pré-embriões. O congelamento de pré-embriões sempre gerou uma discussão social muito fervorosa, principalmente devido a questões éticas e religiosas. O embrião também pode se manter congelado por um tempo indefinido, mas muitas religiões consideram que a vida se inicia no momento da concepção. O embrião, portanto, é tratado como um ser vivo. Seu eventual descarte pode ser considerado uma conduta anti-ética. Uma outra dificuldade do congelamento de pré-embriões é que, se a mulher quiser implantá-los, terá de pedir autorização ao pai, ou seja, ao parceiro que fecundou o óvulo;
- congelar fragmentos do ovário, que posteriormente, podem ser transplantados novamente para a paciente ou submetidos a uma técnica laboratorial de amadurecimento in vitro. Ao se submeter à quimioterapia ou/e à radioterapia, os folículos dos ovários da paciente portadora de câncer serão destruídos e não se recomporão mais. Por isso, o especialista em Reprodução Humana Assistida faz a retirada de uma parte superficial destes órgãos, antes da mulher se submeter a estes tratamentos. Esses fragmentos podem ser reimplantados mais tarde e a mulher passará a ovular novamente. Poderão se beneficiar do congelamento de fragmentos do ovário mulheres com câncer de mama, de colo de útero, e ainda, leucemia, linfoma e sarcomas.
Para obter a gestação, após o tratamento oncológico, é possível:
- empregar altas doses de gonadotrofinas. As gonadotrofinas são drogas feitas a partir de hormônios retirados da urina da mulher na menopausa. Essas substâncias são largamente utilizadas nos procedimentos de fertilização in vitro e fazem com que a mulher produza uma quantidade maior de óvulos;
-recorrer à ovodoação. No Brasil, a Resolução CFM Nº 1358/92 regulamenta que a doação deverá ser gratuita e a identidade dos doadores mantida em segredo. Uma análise desta regulamentação revela que do ponto vista ético, o fundamental seria a preservação do anonimato entre receptores e doadores. O processo de ovodoação se dá por meio da fertilização in vitro. A doadora deverá passar por um processo de indução da ovulação indicado para o bebê de proveta. Paralelamente, a receptora recebe hormônios que preparam o endométrio para receber os embriões. Enquanto os óvulos se desenvolvem na doadora, o endométrio da receptora fica mais espesso, a cada dia. Quando os óvulos da doadora forem aspirados, parte deles serão encaminhados para a receptora, sendo fertilizados com o sêmen do próprio marido. Em seguida, os embriões são transferidos para cada uma das pacientes;
-fazer a doação temporária do útero. Mais conhecida como barriga de aluguel , esta alternativa terapêutica - que também é regulada pela Resolução CFM Nº 1358/92 - prevê que a doação temporária de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial e as doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética.
Prof. Dr. Joji Ueno é ginecologista, especialista em reprodução humana, Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da USP e diretor da Clínica Gera.
Para saber mais, acesse: www.clinicagera.com.br