Joji Ueno é ginecologista-obstetra. Dirige a Clínica Gera e o Instituto de Ensino e Pesquisa em Medicina Reprodutiva de...
iNa década de 50, as mulheres se casavam muito cedo, pelos padrões de hoje, e tinham seus filhos entre 18 e 25 anos. Há vinte anos ainda eram raras as mulheres que engravidavam depois dos 30. Nessa época, ter filhos depois dos 35 significava risco de vida: para a mãe e o bebê. Os próprios médicos desaconselhavam as mulheres a engravidar nessa faixa etária. Há cinqüenta anos, uma mulher de 40 já era avó.
De vinte anos para cá, um número cada vez maior de mulheres procura retardar ao máximo a gravidez. As mães tardias são um fenômeno mundial. Um quarto das mulheres americanas está optando por engravidar com 35 anos ou mais. Na última década, a gravidez depois dos 35 anos cresceu 84% nos Estados Unidos. Ela é resultado de uma mudança de comportamento que está redesenhando a família no mundo inteiro e também no Brasil.
O IBGE revela que o número de mães com mais de 40 anos no Brasil cresceu 27%, entre 1991 e 2000. As que tiveram filho pela primeira vez com idade entre 40 e 49 anos fazem parte de um segmento populacional com alta escolaridade. Neste universo, 59,1% completaram oito anos ou mais de estudo e são oriundas de famílias com alto poder aquisitivo. Além disso, 25,7% delas contam com rendimento mensal familiar de mais de dez salários mínimos; 58,8% já eram economicamente ativas e 79,3% eram casadas ou já haviam experimentado, no passado, a experiência de viver junto com um companheiro. Em 1991, o IBGE contabilizou 7.142 mães que tiveram o primeiro filho na meia idade, 0,67% das mães de primeira viagem no país. Em 2000, o número de mães mais velhas chegou a 9.063, ou seja, 0,79%. Ainda que em número absolutos este grupo de mães seja pequeno, esse fenômeno é apontado pelo IBGE como uma tendência nos centros urbanos.
Muitos motivos para o mesmo fenômeno
Uma das razões para que muitas mulheres adiem o sonho da maternidade é a carreira profissional. A formação escolar de uma pessoa com grau universitário exige pelo menos quinze anos de estudo. Isso significa que dificilmente uma mulher está formada antes dos 22 ou 23 anos. Com uma pós-graduação, somam-se mais dois ou três anos. Além de uma boa formação acadêmica, é preciso acumular algum tempo de experiência no mercado de trabalho para consolidar uma carreira profissional bem-sucedida. Tudo isso tem contribuído para empurrar os planos de maternidade para depois dos 30. Ao engravidar e ter filhos mais tarde, as mulheres têm oportunidade, além de se estabilizar profissionalmente, de aproveitar um período da juventude no qual em outros tempos estariam às voltas com fraldas e mamadeiras.
Nos últimos vinte anos, mais que dobrou a participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Entre os trabalhadores com idade de 20 a 25 anos, a participação das mulheres saltou de 16% para 38%, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA. Na faixa entre 25 e 30 anos, o aumento foi ainda mais expressivo: de 21% para 45%. Isso significa que para cada homem trabalhando nessa idade, há uma mulher no mercado de trabalho.
Retardar a gravidez é mais comum entre famílias de maior renda e instrução. Isso significa que o planejamento dos filhos é também um indicador importante de desenvolvimento. É impossível entender a mudança de comportamento na família resultante da gravidez na meia-idade sem observar a curva de crescimento da expectativa de vida. Esse é um dos feitos mais extraordinários na humanidade neste século. No passado, antes dos antibióticos, das vacinas e dos cuidados com saneamento e higiene, a vida era uma corrida contra o tempo. A expectativa média de vida da população até o começo da Revolução Industrial, no século XVIII, não passava dos 40 anos.
Neste século, graças aos avanços da medicina na prevenção e na cura das doenças, a expectativa de vida quase dobrou. Hoje vive-se, em média, 68 anos nos países desenvolvidos. No Brasil, setenta anos. São essas mudanças que estão favorecendo a maternidade tardia. Atualmente, uma mulher pode ter um filho aos 35 ou 40. E ainda restarão outros quarenta para orientá-lo e educá-lo até bem depois de atingida a fase adulta.
As mulheres agora também querem aproveitar mais a vida. Antigamente, sua rotina era criar filhos e cuidar da casa dos 20 aos 45 anos. Hoje, entre os 20 e os 40 anos, a mulher quer firmar-se como profissional fora de casa, ganhar independência, ter tempo para o romance, as viagens, o sonho, sem as responsabilidades de uma dona de casa com uma penca de crianças. Ter filhos mais tarde pode ser também compensador do ponto de vista afetivo. Mulheres mais maduras geralmente encaram a maternidade com mais serenidade. Uma razão é que não precisam sentir-se roubadas em anos de conquista profissional e de satisfações pessoais em decorrência da chegada prematura dos filhos. Nem todas terão esse tipo de conflito psicológico com a maternidade, mas muitas mulheres na casa dos 35, 37 anos costumam dizer que dificilmente ficariam tão em paz consigo próprias e com as crianças se tivessem dado à luz aos 22 anos.
Os pais na meia-idade geralmente não estão mais naquela fase em que têm de fazer despesas básicas na vida de um casal, como juntar dinheiro para financiar a casa própria, pagar o consórcio do primeiro carro ou comprar os móveis a prestação. Já conquistaram boa autonomia financeira para dar aos filhos melhores escolas e mais oportunidades de lazer e conforto material. É na fase madura que a conta bancária costuma estar mais folgada e a vida conjugal estabilizada.
Outro fator que contribui para a gravidez tardia é o segundo casamento, cada vez mais comum nas famílias brasileiras. Assim, mulheres que se separaram sem ter filhos do primeiro marido se vêem na condição de poder engravidar do novo parceiro. É também mais freqüente que mulheres com filhos do primeiro casamento decidam ter outros com o novo marido.
Suporte da medicina
Tecnicamente, uma mulher de 40 anos enfrenta no parto os mesmos riscos de uma de 20. Embora os riscos de uma gravidez tardia ainda sejam grandes, nos últimos tempos melhorou muito a capacidade da medicina de monitorar o desenvolvimento do feto com exames mais modernos, eficazes e baratos. Se a mulher chegar aos 35 anos de idade sem conseguir engravidar naturalmente, ela pode contar, hoje, com diversos tratamentos que poderão auxiliá-la disponíveis nas clínicas de reprodução humana. A procura por métodos de fertilização teve um aumento significativo nos últimos anos em todo o país, por conta dos melhores resultados e da diminuição dos custos. Somados a estes fatores está também a opção das mulheres por engravidar cada vez mais tarde, o que faz com que as pessoas passem a recorrer com mais freqüência e mais rapidamente aos procedimentos científicos.
O que pode ser feito, hoje, neste campo, nem foi sonhado há 30 anos atrás. Novas técnicas, redução dos possíveis efeitos colaterais do tratamento e o aumento das chances de engravidar são a tônica da reprodução humana assistida nos dias de hoje. Um dos desafios para a reprodução humana assistida, hoje, é a possibilidade de identificar os melhores embriões para diminuir o número de transferências para o útero e com isso reduzir a taxa de gestações gemelares, que são muito delicadas e apresentam maiores riscos para mães e bebês. É possível fazer isso hoje com melhores recursos no que se refere à obtenção dos óvulos.
Para levar à gestação de uma única criança, a técnica para esse fim é a injeção intracitoplasmática de espermatozóide (ICSI), em que uma única célula reprodutiva masculina é introduzida no óvulo com uma finíssima agulha. A fertilização ocorre em laboratório e os embriões são transplantados depois para o útero. Esta técnica foi desenvolvida no início dos anos 90 e tornou-se um dos tratamentos mais populares das clínicas de fertilidade.
Com a evolução da ciência, concluímos que a qualidade total dos laboratórios é a melhor garantia de fertilização de um único embrião. Pesquisas realizadas, desde 1996, na Suécia e na Finlândia, mostraram que os geneticistas utilizavam até quatro embriões em cada tentativa de fertilização: 32% das gestações resultavam em gêmeos e 7% em trigêmeos. Hoje, a maioria das suecas que procura um centro de reprodução assistida tem a certeza de sair da maternidade nove meses depois, com um único bebê.
É importante também que mulheres, principalmente a partir dos 35 anos, realizem exames diagnósticos específicos capazes de mostrar o desenvolvimento do feto. Além disso, há um procedimento chamado biópsia embrionária pré-implantação, que revela informações sobre a saúde de uma pessoa antes mesmo que ela nasça. O Diagnóstico Genético Pré-implantacional, PGD, oferece a oportunidade de se verificar se o futuro bebê tem anomalias genéticas causadoras de doenças como Síndrome de Down, hemofilia, fibrose cística, doença de Tay Sachs, dentre tantas outras. O procedimento vem sendo utilizado para detectar alterações genéticas no feto. O exame é capaz de diagnosticar anormalidades cromossômicas no embrião antes da implantação no útero.
Diversas técnicas de fertilização artificial de baixa e alta complexidades - facilitam a concretização da gravidez e quanto mais cedo a mulher procurar ajuda, maiores serão suas chances de obter sucesso. Não podemos mais propagar o alto custo como uma verdade absoluta, pois a boa medicina, baseada em evidências e respaldada no avanço tecnológico, apresenta soluções personalizadas para o tratamento da infertilidade, muitas vezes, simples e acessíveis.
Prof. Dr. Joji Ueno é ginecologista, especialista em reprodução humana
Para saber mais, acesse: www.clinicagera.com.br