Diretora Clinica do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional. Médica graduada pela Universidade Federal de Goiás,...
iAté a 12ª semana de vida, os bebês são totalmente dependentes dos hormônios tireoideanos de suas mães. Durante todo o primeiro trimestre da gestação, eles recebem esse patrimônio hormonal valioso através da placenta, garantindo o substrato indispensável para seu desenvolvimento, principalmente neurológico. O hormônio da tireóide tem um papel importante na concepção, na manutenção de uma gestação saudável e no desenvolvimento fetal. Quando a mulher não produz esse hormônio em quantidade suficiente, nem faz a reposição hormonal adequada à sua deficiência, inicialmente ela poderá ter dificuldades de engravidar, e quando consegue, poderá ter dificuldades de levar sua gestação a termo, uma vez que tem maiores riscos de abortamentos e partos prematuros. Os problemas não param por aí. Hoje, sabemos também que as crianças nascidas de mães com hipotireoidismo, ou seja, nascidas de mulheres que produzem menos hormônios tireoideanos e necessitam fazer reposição, mesmo que o déficit hormonal seja leve, quando não são tratadas adequadamente, podem nascer com problemas no desenvolvimento neurológico em graus variáveis.
O hipotireoidismo materno e seus potenciais efeitos deletérios
Recentemente, pudemos constatar como são deletérias, para os bebês, as pequenas deficiências maternas de hormônio tireoideano, mesmo aquelas que, de tão sutis, passam despercebidas pelas gestantes e seus médicos. Este fato foi constatado em recentes estudos que acompanharam a evolução de crianças nascidas de mães, que até a 12ª semana de gestação, apresentavam níveis discretamente menores de hormônios tireoideanos, ou seja, apresentavam hipotireoidismo sub-clínico, completamente assintomático. Essas crianças exibiram escores inferiores em testes que avaliaram inteligência, linguagem, habilidade para leitura, atenção e performance escolares. As pesquisas concluíram que o hipotireoidismo materno não tratado, mesmo aquele sem sintomas, aumenta o risco de alteração no desenvolvimento psicomotor das crianças em quase 6 vezes.
Mudanças hormonais tireoideanas normais na gestação
Não é fácil o diagnóstico das doenças tireoideanas maternas, quando elas são iniciais ou de pequena intensidade. Essa confusão vem do fato de que, durante a gestação, há aumento do volume da glândula tireóide, acompanhado de alterações fisiológicas na função tireoideana materna, ou seja, alterações relacionadas ao estado gestacional e que não significam doença.
Há, por exemplo, um aumento nos valores dos hormônios tireoideanos, quando dosados no sangue das gestantes. Entretanto esses valores são falseados em decorrência de alterações nas proteínas ligadoras desses hormõnios. Nesses casos, os hormônios tireoideanos, aparentemente em excesso, circulam no sangue ligados a essas proteínas e, dessa foram, não exercem efeito de excesso de hormonal na gestante. Essas dosagens hormonais comuns possam confundir o médico assistente, mas nesses casos, não há doença nem risco materno-fetal, uma vez que além de não haver ação hormonal excessiva, trata-se de alterações transitórias apenas nos exames, não revelam doença tireoideana nessa gestante e não necessitam tratamento.
Reposição hormonal da gestante com hipotireoidismo
A elevada incidência do hipotireoidismo em mulheres em idade fértil levanta outra questão pertinente: haveria algum efeito deletério para os bebês cujas mães utilizam hormônio tireoideano durante a gestação? Os riscos da falta desses hormônios para a saúde materno-fetal são muito mais graves e previsíveis. Apesar disso, alguns trabalhos científicos tem revelado um grau maior de intercorrências obstétricas e fetais em gestantes que utilizam esse tratamento de reposição hormonal.
Para entender o papel do hormônio tireoideano exógeno em gestantes e seus conceptos, foi realizado, recentemente, um grande estudo que acompanhou 10.000 grávidas que faziam uso de hormônios tireoideanos para tratamento de hipotireoidismo. Comparadas com um grupo controle de grávidas, que não tinham hipotireoidismo e, portanto, não faziam uso de hormônios tireoideanos, aquelas que usaram o hormônio apresentaram mais casos de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, maiores índices de cesareanas, doença tireoideana fetal relacionada ao excesso de hormônio tireoideano, prematuridade e mal formações congênitas fetais. Não houve aumento dos casos de crianças com baixo peso ao nascer e aquelas crianças frutos de gestações expostas à suplementação de hormônios tireoideanos foram afetadas em graus muito discretos.
Esses resultados revelam a dificuldade de controlar os níveis hormonais das mães com hipotireoidismo e reforçam a necessidade de que todas as gestantes com deficiência de hormônio tireoideano devem contar com acompanhamento endocrinológico durante a gestação, para que a reposição hormonal seja realizada de forma ajustada à deficiência de cada uma, evitando-se as doses excessivas, que deixam as gestantes em um estado metabólico de hipertireoidismo, ou as subdosagens, que deixam essas gestações à mercê do risco do hipotireoidismo subtratado. Não há uma dose hormonal relacionada ao peso, ou à idade gestacional. As doses são individualizadas para cada gestante e são monitoradas com as dosagens laboratoriais pertinentes. Dessa forma conseguimos manter um ambiente hormonal e metabólico adequado e favorável ao bom desenvolvimento fetal.
Durante a gestação, mesmo que a mulher já use o hormônio tireoideano anteriormente, há a necessidade do aumento na dosagem do mesmo em cerca de 30 a 50%. Ou seja, a dose que anteriormente corrigia a deficiência hormonal, passa a ser insuficiente durante a gestação. Por isso é muito importante que essa dosagem seja avaliada junto ao médico endocrinologista, para que não haja risco da ocorrência do hipotireoidismo gestacional e com ele, os riscos do hipotireoidismo fetal com todas as suas consequências, principalmente neurológicas.
Dra. Ellen Simone Paiva é endocrinologista, nutróloga e diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional.