Formado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com Pós-Graduação em Gestão de Crise e Governança Corpor...
iUm perigoso e preocupante fenômeno vem acontecendo de forma silenciosa na saúde: o desaparecimento dos profissionais médicos cuja especialidade não tenha qualquer vinculação com utilização de equipamentos para investigação diagnóstica e terapêutica.
A cada ano, diminui o número de interessados em fazer residência em clinica médica, geriatria, reumatologia, patologia, pediatria, medicina legal, entre outras.
Se mantida a atual tendência - e nada indica que isso vá mudar no curto prazo - em muito pouco tempo não teremos mais esses profissionais existentes no mercado, com graves consequências para toda a população.
As razões para este cenário são várias
A principal delas é que o setor de saúde no mundo todo sofre forte influência da indústria de equipamentos e medicamentos que vem disponibilizando novas tecnologias de investigação diagnóstica e terapêutica com uma velocidade espantosa e, para isto, necessita de profissionais altamente especializados para sua correta utilização.
Assim, vem diminuindo progressivamente o número de generalistas em contrapartida ao surgimento de novos especialistas.
Embora todas as dificuldades decorrentes da escassez dos generalistas sejam habitualmente discutidas nos fóruns temáticos da saúde, lamentavelmente, de uma forma geral, a indústria de equipamentos e medicamentos - possivelmente a que mais influência exerce e que mais contribuição fornece para essa distorção do exercício profissional médico - raramente tem sido convidada a contribuir na busca de uma solução.
Parece óbvio, portanto, que temos de trazer a indústria de equipamentos e medicamentos para dentro da discussão do futuro da medicina e da atividade profissional.
As rápidas, caras e, algumas vezes, inúteis, mas bem remuneradas incorporações tecnológicas na área da saúde, associadas aos baixos salários e remunerações dos médicos que fundamentam suas atividades em conhecimento sem auxílio de máquinas, está afastando estes profissionais da carreira clínica, fazendo com que, desde cedo, os nossos jovens médicos optem por aquelas especialidades vinculadas a modernas ferramentas de investigação diagnóstica e terapêutica, colocando em risco o futuro de todo o sistema.
Para se ter ideia da gravidade do problema, inúmeros hospitais universitários - geralmente os únicos que possuem serviços de anatomia patológica - não conseguem mais médicos recém-formados interessados em fazer residência médica nessa especialidade, ficando assim o futuro da patologia e, consequentemente, do correto diagnóstico histopatológico gravemente comprometido com consequências imprevisíveis para o diagnóstico das doenças e bem-estar da população.
Outra preocupante e grande dificuldade de todos os hospitais brasileiros - públicos e privados - está em encontrar médicos clínicos, especialmente os pediatras, para seus plantões e rotinas.
Muitos pediatras têm abandonado suas especialidades e migrado para outras que lhes trazem melhor sustento financeiro, muitos deles através da utilização de equipamentos de investigação diagnóstica e terapêutica, frequentemente recomendados pelos principais programas de televisão e rádio no Brasil.
É a medicina sendo pautada pela mídia. É a mão invisível de Adam Smith - autor da obra "Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações", que procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que eram movidos apenas pelo seu próprio interesse - regulando equivocadamente um mercado que não pode ser regulado exclusivamente pela economia.
Esta fuga das especialidades não rentáveis vem acontecendo perigosamente de forma insidiosa e silenciosa.
Embora exista um pacto não firmado de silêncio, a principal razão está explícita: a remuneração médica não se dá mais pelo conhecimento profissional adquirido, mas pela capacidade do especialista em utilizar mais intensamente os recursos tecnológicos disponíveis e estimulados pela indústria.
Se não mudarmos o jogo rapidamente, colocando a indústria dentro das mesas de negociações para discutir clara e abertamente as causas do problema, revisando os atuais critérios de incorporação tecnológica, e priorizando e enfatizando a valorização da atividade profissional, buscando o resgate das especialidades clínicas, hoje, em declínio, com adequada e justa remuneração baseada na qualificação do atendimento e não pela quantidade de procedimentos executados, o futuro da medicina e da saúde de todos nós estará correndo sérios riscos.
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