A primeira menstruação (a menarca) é um marco na vida das meninas, pois representa o início do ciclo reprodutivo, portanto a capacidade de gerar filhos. Culturalmente, significa que elas estão ficando "mocinhas", deixando a infância para entrar na adolescência. Porém, a nova fase traz consigo algumas chateações, como cólicas fortes, enxaqueca e indisposição. O problema é quando os sintomas são exagerados, principalmente as cólicas menstruais, que podem ser sinal de outras doenças perigosas, como a endometriose. Caracterizada pela presença do tecido que compõe a camada interna do útero (endométrio) em outros órgãos do corpo, a doença é grave, pois provoca dores fortes e infertilidade, diminuindo a qualidade de vida da mulher.
Segundo estimativas fornecidas pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, 70% das adolescentes com dores crônicas causadas pela menstruação e que não respondem a tratamentos medicamentosos podem estar com endometriose. A porcentagem é alarmante, mais ainda quando se sabe que, apesar dos sintomas começarem a se manifestar cedo, o despreparo das meninas e dos médicos pode fazer com que o diagnóstico ocorra tardiamente.
Um estudo brasileiro apresentado no Congresso Mundial de Endometriose, em 2008, apontou que o período entre o início dos sintomas, o diagnóstico da doença e o tratamento é de aproximadamente oito anos. Quando a queixa de dor começa no início da adolescência, esse intervalo aumenta para doze anos.
Frescura?
Não. Quando a pessoa se queixa de dores muito fortes não deve ser considerado um sintoma normal da menstruação. "A dor intensa que requer repouso e as impede de exercer as atividades normais podem apresentar endometriose. A recorrência das cólicas incapacitantes pode ser o primeiro sintoma da endometriose", explica o ginecologista e obstetra Aléssio Calil Mathias, diretor da Clínica Genesis.
Hoje em dia, a menarca ocorre cada vez mais cedo. Meninas de nove anos já começam a ter ciclo menstrual, e isso, muitas vezes, é determinante para que a doença se desenvolva silenciosamente, pois elas não possuem maturidade suficiente para entender e conversar com o médico sobre o que estão sentido, já as mães podem não compreender a intensidade das cólicas, e os médicos, por sua vez, também podem não estar preparados para lidar com as pacientes. O resultado é que elas acabam se acostumando com a rotina mensal de dores intensas e vão procurar ajuda tardiamente.
"O que poucos consideram é que essa doença se desenvolve lentamente e pode ser desencadeada logo no início da idade reprodutiva, antes mesmo de a menina ter sua primeira relação sexual. A ideia de que sentir dor ao menstruar não é nada demais é uma das razões para o diagnóstico tardio da doença", observa o ginecologista Aléssio Mathias.
"Mal da mulher moderna"
A endometriose ganhou o apelido médico de mal da mulher moderna. "Hoje, a mulher tem 400 menstruações ao longo de sua vida fértil, contra 40, no início do século XX. Isso ocorre porque, antes, as mulheres tinham mais gestações e, por isso, menos endométrio disponível, o que dificultava o aparecimento da endometriose", comenta Maurício Simões Abrão, presidente da Associação Brasileira de Endometriose.
A doença não é nova. Desde 1860, há estudos que relatam o problema feminino, mas só nos últimos dez anos é que a endometriose começou a chamar a atenção dos médicos. De acordo com a Associação Brasileira de Endometriose (SBE), de 10% a 15% das brasileiras em idade fértil apresentam a doença, ou seja, cerca de 6 milhões de mulheres em todo o país.
Sinal de infertilidade
A cólica forte é o primeiro sintoma de endometriose, mas não é o único. Geralmente esse sintoma está ligado a outros quatro. São eles: dores intestinais (diarreia ou dor para evacuar), dor para urinar durante a menstruação, dores em geral no intervalo entre uma menstruação e outra e dor na relação sexual. No entanto, cerca de 10% das mulheres não apresentam estes sintomas, o que dificulta muito o trabalho dos médicos no diagnóstico e tratamento da doença, podendo levar a um quinto sintoma, a infertilidade.
Ainda de acordo com a SBE, os estudos indicam que 50% das mulheres que têm endometriose não conseguem engravidar, uma vez que anatomicamente a doença altera a pelve e obstrui as trompas, além das alterações internas que ocorrem no útero. Só quando buscam ajuda médica para ter filhos é que essas mulheres assintomáticas descobrem que são portadoras da doença. "A maioria das mulheres que são diagnosticadas com a doença estão na faixa dos 32 anos, que é quando começam as tentativas para engravidar", afirma o ginecologista Maurício Abrão, presidente da SBE.
Diagnóstico precoce
Devido à gravidade do problema, os especialistas reforçam que o diagnóstico precoce é essencial. "O posicionamento dos especialistas de todo o mundo vem sempre reforçar a necessidade de empreendermos mais esforços na educação das pacientes para evitar uma das piores consequências da endometriose, a incapacidade de gerar filhos no futuro", diz Aléssio Calil Mathias.
Médicos e profissionais das diversas especialidades que acompanham adolescentes - hebiatras, endocrinologistas, ginecologistas, nutricionistas, professores - devem estar aptos a reconhecer os sinais da doença e recomendar a investigação o quanto antes. "A partir do diagnóstico, a estratégia de controle pode ser traçada, assegurando qualidade de vida a esta jovem. Isso porque a endometriose, como o diabetes, é um quadro sem cura, mas a portadora pode controlar a evolução da doença", explica o ginecologista.
Não facilite, previna
Sendo jovem ou não, o importante é prevenir o aparecimento da doença. Como? Por meio de práticas saudáveis e acompanhamento médico regular. O aparecimento da endometriose pode estar ligado tanto a fatores imunológicos, como por exemplo, o estresse, quanto a fatores ambientais, como poluição, e alimentares. Por isso, uma qualidade de vida mais saudável é um grande passo para a prevenção.
A prática regular de exercícios físicos é muito importante, como afirma a médica Rosa Maria Neme, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. "A endorfina produzida por meio do exercício físico causa bem-estar, aliviando o estresse, e diminui a produção de estrógenos circulantes (que alimentam a endometriose), melhorando, consequentemente, os focos da doença", diz a médica.
A alimentação equilibrada e saudável é também um ponto positivo para a prevenção não só da endometriose, como também de várias outras doenças, como obesidade e diabetes. Um estudo recente publicado na revista científica americana Human Reproduction concluiu que dieta rica em gordura trans pode estar associada ao aumento da doença e que, em contrapartida, alimentos ricos em ômega-3 ajudam na prevenção. or meio da análise de mais de 70 mil mulheres, pesquisadores da Universidade de Harvard, EUA, descobriram que mulheres que consomem muitos alimentos ricos em ômega-3, como atum e salmão, tinham 22% menos chances de desenvolver a doença.
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