Paulo Rosenbaum possui graduação em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP-1986), mestrado e...
iFutebol. Pessoas correndo, chutando uma bola que até parece leve. A meta é o gol, o objetivo é ultrapassar a marca, a linha branca demarcada na grama, delimitada com uma rede de nylon pendurada nos postes de madeira. Rogo aos leitores que ousem fazer - são só alguns segundos - o exercício mental de supor que tudo que se vê não é o que se vê. Isto é, a importância de um evento como um jogo de futebol, mais especificamente como a Copa do Mundo, não passa de uma construção cultural.
Sendo mais franco, na verdade não passa de um espetáculo falso e arbitrário: gastos descomunais vêm alimentando e inflando a importância do futebol profissional. Os resultados estão aí: bilhões de pessoas aflitas como se suas pátrias, ali representadas, estivessem num julgamento sumário. A vitória significa dar mais cores ao triunfalismo nacionalista. Derrotar o inimigo, ir de encontro à nostálgica necessidade de encontrar heróis. A eliminação é simplesmente a morte.
Mas, pense bem leitor, nos campos lá embaixo não estão nem países, nem mitos. É redundante dizer que tudo ali não passa de um "show", um artifício exageradamente produzido para fazer nós, os crédulos por todo o sempre, acreditar que uma palha se mexerá com o triunfo ou o fracasso de abnegados atletas milionários.
Um espetáculo de teatro, cinema ou a literatura também são construções culturais, mas o goal das expressões artísticas (excluindo peças toscas, livros de auto ajuda e películas para vender produtos) são difusos, cada um encontra o seu. Às vezes não há meta nenhuma, mas aquilo mudou alguma coisa em alguém.
Espetáculo: cultura ou farsa?
Os grandes jogos de futebol, seja na Copa do Mundo ou no campeonato nacional, assim como as olimpíadas, as corridas automobilísticas, as disputas para entrar no Guiness e o próprio jogo político, são, antes de tudo, farsas. Chega a ser insuportável os vários locutores e comentaristas dos jogos com as observações óbvias de sempre. Está pior.
Mas que mal humorado o sujeito que escreve isso aqui nesse site! Isso poderá passar na cabeça de você que está lendo o artigo. Mas não é bem o caso. Tenho bom humor e gosto de futebol. Também gosto de política, apesar de não suportar os políticos. Não há incoerência, ainda que admita que a péssima impressão ao ver serviços básicos sendo postergados por causa de jogadores esnobes, técnicos insultando pessoas, árbitros - sob o respaldo e o beneplácito dos burocratas da FIFA - roubando com o escárnio da impunidade. Quer coisa mais estúpida e anacrônica?
- A câmera está lá. Mostrou no telão, a bola estava fora!!!
- Decisão é decisão!!
Porém, não são só gols com as duas mãos, impedimentos óbvios e bolas que entram mas não valem que nos causam a dor da perplexidade. É a generalizada cultura da transgressão que faz um tremendo mal para a saúde.
Por que uma "cultura da transgressão" faria mal a saúde?
Ela viola tudo. Da ética ao exemplo, da educação que se esforça para que as crianças cresçam com algum sonho de justiça intacto, ao discurso de que temos um país que quer se fazer ouvir pela força da cidadania. Mas não, ao invés disso a maioria parece ter endossado as transgressões - sob as justificativas mais variadas - que vão muito além do alienado e superado "levar vantagem em tudo". Ninguém é ingênuo para imaginar um mundo sem competição, sem malícia, sem cusparadas, puxões e empurrões e até mesmo gente que "entra para quebrar". Mas o problema é que o culto à transgressão virou norma.
A legitimação da impunidade, a constante que levou sociedades inteiras à anomia (ausência de leis ou regras de organização) se instalou nos manuais. Infelizmente, isso não é uma charada distante, está aqui, no dia a dia, bem à nossa frente. Perigoso, muito perigoso. Faz mal à saúde física e mental, abate o espírito e nos torna, todos, mais vulneráveis.
O ministério adverte: em caso dos sintomas persistirem, desligue a TV e procure imediatamente seus médicos. Ou vai jogar bola com seus filhos, você mesmo pode ser o juiz!
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