Diretora Clinica do Citen, Centro Integrado de Terapia Nutricional. Médica graduada pela Universidade Federal de Goiás,...
iEm janeiro de 2010, a agência reguladora de medicamentos européia - EMEA (European Medicines Agency) - suspendeu a licença de comercialização da sibutramina com a alegação de que a droga aumenta o risco de infarto e derrame. Posteriormente, no início de outubro de 2010, os Estados Unidos, Canadá e Austrália seguiram os passos europeus e também fecharam suas portas ao medicamento.
Tudo começou com os resultados de um estudo chamado SCOUT (Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial), que envolveu mais de 10 mil pacientes obesos, acima de 55 anos com diabetes, história de cardiopatia ou outros fatores de risco cardiovascular por pelo menos seis anos. O objetivo da pesquisa era avaliar os efeitos da sibutramina neste perfil de pacientes.
A ocorrência de eventos graves como infarto, derrame, parada cardíaca e morte no grupo de pacientes em uso de placebo (cápsulas sem medicamento) foi de 10%, enquanto no grupo que usava sibutramina foi de 11,4%. Embora pareça uma diferença pequena e tenha ocorrido apenas em pessoas com doenças cardiovasculares, isso foi suficiente para que as agências reguladoras entendessem que os riscos da sibutramina não compensam seus benefícios.
As estimativas internacionais contabilizam mais de 400 milhões de adultos obesos em todo o mundo, com projeções de cerca de 700 milhões, em 2015. Como toda doença crônica, a obesidade precisa ser encarada com responsabilidade e seriedade. Não se trata de falta de força de vontade, de desvio de conduta, de desleixo pessoal.
É uma doença crônica grave e que pode propiciar o aparecimento de muitas outras, como diabetes, hipertensão arterial, doenças cardíacas, ortopédicas e reumatológicas, vários tipos de problemas psicológicos e até alguns tipos de câncer. Precisamos mudar nossa forma de encarar a obesidade e deixar de relacioná-la a fatores estéticos exclusivamente, porque ela traz consigo muito mais problemas médicos e psiquiátricos do que podemos imaginar.
Esse quadro exige um tratamento que vai além das orientações nutricionais e de estilo de vida que diariamente prescrevemos aos pacientes obesos. Para uma grande parte deles, faz-se necessário o uso de medicamentos que atuem como facilitadores no processo de perda de peso. Mas diferentemente da maioria das doenças crônicas, para a obesidade há uma completa escassez de recursos farmacológicos e nos vemos obrigados a apelar para a força de vontade dos pacientes, como se eles fossem doentes "pela falta de força de vontade".
Nos últimos 15 anos, apenas quatro medicamentos para a obesidade receberam registro das agências reguladoras em todo o mundo, a dexfenfluramina, o rimonabanto, a sibutramina e o orlistat. No Brasil, a primeira foi suspensa após cinco anos de uso, devido a constatação de causar lesões nas válvulas cardíacas, o segundo foi suspenso em menos de um ano, após as observações de causar problemas psiquiátricos e a cada dia aumenta o cerco à sibutramina.
Entre nós, a sibutramina vem sendo utilizada há 12 anos e é uma importante ferramenta para o tratamento do sobrepeso e obesidade. Ela atua aumentando a saciedade, o que a difere muito das anfetaminas, que reduzem a fome. Manter a fome é um fator importante quando o nosso objetivo é a perda de peso através de uma dieta balanceada.
Em contrapartida, o efeito da sibutramina permite ao paciente sentir saciedade com um volume alimentar bem menor. Sem fome os pacientes simplesmente deixam de comer e vivem de beliscos. Perdem muito peso, mas a manutenção é praticamente impossível.
Diversos estudos já demonstraram a eficácia e segurança quando usada conforme suas indicações, associada a mudanças de estilo de vida e sob acompanhamento médico. Ela não deve ser utilizada em pacientes com doenças cardiovasculares como foi feito no estudo SCOUT. Assim, o estudo revelou o óbvio, simplesmente o que a bula do medicamento já diz: que ela não deve ser usada nesses pacientes. Apesar de todas as alegações das sociedades de classe, a sibutramina está na berlinda também no Brasil.
No dia 23 de novembro, o Laboratório Abbott, responsável pela fabricação e comercialização da sibutramina no Brasil, resolveu retirar do mercado a sibutramina de marca, o Reductil. Ainda não temos uma posição dos outros laboratórios que fabricam os genéricos e similares da sibutramina. Mas a dúvida fica no ar, ou a quase certeza.
Dificuldades para a aprovação de novas drogas
Para uma droga nova ser aprovada para o tratamento da obesidade, ela deve se mostrar eficaz em relação ao placebo (cápsulas sem medicamento ativo), ou seja, levar a uma perda de peso maior que 5% do peso corporal e propiciar manutenção do peso alcançado por no mínimo um ano; deve ser segura em relação aos efeitos colaterais e deve levar à redução dos vários fatores de risco relacionados à obesidade.
Esses são parâmetros rigorosos e avaliados em III fases antes da droga poder ser comercializada, o que pode levar mais de 10 anos de pesquisa. Após a aprovação pelos órgãos de vigilância e em vigência do uso da droga pela população, começa uma IV fase de avaliação, chamada de farmacovigilância, quando os órgãos reguladores, como o FDA nos Estados Unidos, a Anvisa no Brasil e a EMEA na Europa podem exigir mais estudos após a entrada do medicamento em circulação, no sentido de aferir as vantagens entre os riscos inerentes a todos os medicamentos e os benefícios dos mesmos para a população.
Além disso, existe um programa onde os médicos podem comunicar os efeitos secundários que por ventura ocorram em seus pacientes durante o uso de cada medicamento. Estes dados são extensamente analisados e, caso surjam situações em que o risco suplante o benefício, o medicamento é retirado do mercado.
Para conseguir um medicamento eficaz e seguro, que cumpra com as normas do FDA nos Estados Unidos, por exemplo, são necessários cerca de cinco mil a 10 mil compostos químicos, no mínimo oito a 12 anos de estudos e avaliações, entre 350 a 500 milhões de dólares de investimento. Mesmo assim, a aprovação desses medicamentos pode ser suspensa caso os pré-requisitos acima não sejam atendidos.
Com isso, resta-nos aguardar pelos vários medicamentos que atualmente estão percorrendo todas as longas fases regulamentadas pela pesquisa científica em busca de aprovação, entendendo que todas elas são importantes para que os medicamentos sejam eficazes e seguros.
Até lá devemos utilizar os recursos terapêuticos que dispomos de maneira criteriosa e a sibutramina sem dúvida é uma das mais importantes drogas disponíveis no Brasil. Fora ela nós temos as anfetaminas e o orlistat.
Novos medicamentos em fases finais de estudo
Atualmente, cinco medicamentos estão em fase adiantada de pesquisa, na chamada fase III. São eles:
1- Celistat: Um inibidor da lipase semelhante ao nosso orlistat (Xenical) que leva à perda de peso pela inibição da absorção intestinal das gorduras da dieta.
2- Locaserina: Uma droga que imita os efeitos da serotonina, semelhante à sibutramina, mas sem alguns efeitos estimulantes desta.
3- Qnexa: Uma associação do topiramato com a fentermina. O primeiro, um anticonvulsivante e antienxaquecoso já em uso no Brasil e com comprovados efeitos na impulsividade do comer compulsivo. A segunda, em uso nos Estados Unidos, um derivado anfetamínico com efeitos supressores do apetite. Infelizmente, essa associação acaba de ser reprovada pelo FDA na fase III.
4- Tesofensina: uma droga semelhante à sibutramina com efeitos na saciedade e no gasto energético.
5- Contrave: outra associação medicamentosa, agora entre a bupropiona e o Naltrexone, os dois já usados individualmente no Brasil. O primeiro, como auxiliar nos tratamentos antitabagismo e o segundo, no tratamento do alcoolismo.