Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iNotícias de acidentes de trânsito com vítimas fatais envolvendo o uso de álcool são frequentes. Segundo o Relatório Global sobre Álcool e Saúde (OMS, 2018)1, estima-se que 370 mil mortes no trânsito, no mundo, foram atribuídas ao álcool. Cerca da metade dessas vítimas (187 mil) não eram os próprios motoristas, mas sim passageiros e pedestres.
Apesar de a maioria da população saber da relação entre as altas taxas de mortalidade no trânsito e o consumo de bebidas alcoólicas, uma parcela da população brasileira insiste em dirigir após beber. Dados do Vigitel 2017, inquérito do Ministério da Saúde, indicam que 6,7% dos entrevistados declararam conduzir veículo motorizado após o consumo de qualquer quantidade de álcool, sendo essa porcentagem maior entre o sexo masculino (11,7%) em comparação ao sexo feminino (2,5%).
É importante ressaltar que a destreza e outras habilidades necessárias para a direção, como os reflexos e a tomada de decisões, são prejudicadas muito antes dos sinais físicos da embriaguez começarem a aparecer. Isso porque, já nos primeiros goles, o álcool pode deixar as pessoas, temporariamente, com uma sensação de euforia, além de aumentar a autoconfiança. No entanto, as inibições e a capacidade de julgamento são rapidamente afetadas, aumentando a probabilidade de tomadas de decisão equivocadas. O tempo de reação e os reflexos também sofrem alterações, comprometendo ainda mais a direção segura do veículo. Em altas doses, a bebida alcoólica pode também causar sonolência ou até mesmo ocasionar a perda da consciência ao volante.
Um estudo de 20172 com países da América Latina indicou que 1 a cada 6 vítimas de acidentes de trânsito atendidos em salas de emergência reportaram o uso de álcool nas 6 horas anteriores à ocorrência, e que a cada 12,8 g de álcool consumido (aproximadamente 1 dose3), o risco de acidentes aumenta em 13%.
No Brasil, a publicação Álcool e a Saúde dos Brasileiros ? Panorama 2019 indica de forma inédita que os acidentes de trânsito foram a segunda principal causa de internações relacionadas ao uso de álcool em 2017, sendo responsável por 10,6% internações (28.489 casos). Em 2010, esse índice era 8,5% e configurava como a terceira causa deste tipo de internação. Os acidentes de trânsito também foram responsáveis por 8,2% dos óbitos atribuíveis ao álcool em 2016, inferior aos 10% de 2010.
O que podemos fazer para prevenir esses acidentes?
A melhor forma de prevenir é informar, por isso, além de apoiar e divulgar pesquisas científicas, devemos trilhar novas alternativas, com ações e campanhas de conscientização e prevenção contra a direção de veículos automotores sob a influência dos efeitos do álcool.
Mesmo em quantidades relativamente pequenas, a ingestão de bebida alcoólica aumenta o risco de envolvimento em acidentes. Os efeitos da substância em nosso corpo são duradouros e não devem ser subestimados.
Alguns acreditam que tomar café pode torná-los aptos a dirigir com segurança. A verdade é que, a cafeína é um estimulante que diminui a sensação de sonolência, mas o álcool continua a afetar o cérebro, prejudicando a coordenação e capacidade de julgamento até mesmo horas depois da ingestão da última dose. Dessa forma, alguns fatos ficam evidentes: não existe maneira de acelerar a recuperação do nosso cérebro após a embriaguez, ou tomar boas decisões ao volante quando você já bebeu. Bebida e direção formam uma combinação perigosa e fatal, para qualquer quantidade de álcool consumida. Portanto, se beber não dirija!
1. Relatório Global sobre Álcool e Saúde 2018, da Organização Mundial da Saúde. Acessível em: https://bit.ly/2V5Pf00
2. Borges et al. 2017. Alcohol and Road Traffic Injuries in Latin America and the Caribbean: A Case-Crossover Study. Alcohol Clin Exp Res. 41(10):1731-1737
3. Uma (1) dose corresponde a cerca de 14 g de álcool puro, o equivalente a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado (vodca, uísque, cachaça, gin ou rum).
Arthur Guerra é presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), supervisor do GREA (Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e Professor Titular de Psiquiatria da FMABC.