Pouco conhecida até entre os especialistas, a doença de Crohn aflige inicialmente pela falta de informações. É difícil descobrir como lidar com o problema e evitar que os sintomas (diarreia, dores abdominais fortes, febre e sangramento retal) repitam-se com frequência.
"Cerca de 5% dos pacientes sofre com alguma crise, mesmo seguindo o tratamento. O restante consegue levar uma rotina normal, na maioria das vezes sem privação, desde que siga as orientações médicas", afirma o gastroenterologista André Zonetti de Arruda Leite, da Federação Brasileira de Gastroenterologia.
O pacote de cuidados contra as crises de Crohn vai além de tomar remédio na hora certa e fazer consultas médicas em intervalos regulares. Como se trata de doença crônica, como diabetes e hipertensão, o jeito é monitorar cada passo e evitar que as restrições atrapalhem o seu dia a dia.
Uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais das áreas de Gastroenterologia, Coloproctologia, Psicologia e Nutrição, se reuniu a pedido do Minha Vida e mapeou os erros de comportamento que podem detonar uma crise ou agravar os sintomas de quem convive com o mal.
1. Negar a doença
Aceitar a doença de Crohn e buscar informações sobre ela é o primeiro passo. "O paciente precisa entender que este tipo de inflamação intestinal não tem cura e, por isso, é fundamental adaptar os hábitos a fim de evitar crises", afirma o gastroenterologista Orlando Ambrogini Júnior, da Unifesp.
Falar da doença para as pessoas próximas evita o constrangimento social e permite que você continue saindo com os amigos sem sentir vergonha porque não pode comer algum tipo de alimento, por exemplo. "Quando há suporte da família e dos amigos, até o consumo da medicação é feito com mais cuidado. O paciente engaja-se no tratamento", afirma a psicóloga Vanessa Marques Jorge, do Instituto Central do Hospital das Clínicas.
2. Tomar medicamentos só nas crises
De nada adianta esperar as manifestações mais bruscas da doença virem à tona para recorrer à medicação. "A imunidade de um paciente com Crohn tende a ser baixa. Quando ocorre uma crise, os sintomas podem ser muito mais fortes e até levar à morte caso os remédios tenham sido esquecidos no período sem crise", diz o coloproctologista Carlos Walter Sobrado, médico do Hospital Nove de Julho e autor do livro Doença Inflamatória Intestinal (Editora Manole, 486 páginas).
Como em toda doença crônica, o segredo para evitar os sintomas está em manter o uso da medicação sem interrupções - salvo qualquer orientação específica. No entanto, infelizmente em alguns casos as crises podem acontecer mesmo com o uso da medicação, que pode estar com a dose desajustada - qualquer sinal de problema, converse com seu médico.
Nos últimos três anos, dois novos medicamentos vêm sido utilizados contra Crohn: um endovenoso, aplicado a cada oito semanas, e outro subcutâneo, injetado em intervalos de duas semanas. "Esses remédios bloqueiam a ação das citocinas pró-inflamatórias, substâncias que inflamam o intestino. Dessa forma, a mucosa do intestino cicatriza e os sintomas desaparecem", afirma o especialista. Também há remédios via oral, tomados diariamente ou em intervalos maiores, dependendo do caso.
3. Automedicar-se
Tomar remédios sem consulta médica pode aumentar a incidência e intensidade das crises de Crohn - isso vale para qualquer tipo de remédio, desde analgésicos até antibióticos. "Antiinflamatórios não hormonais são os piores, porque podem piorar a inflamação do intestino, agravando problemas digestivos", afirma o gastroenterologista Orlando Ambrogini . A absorção de muitos medicamentos acontece no intestino. Se esta área é naturalmente mais sensível, como nas pessoas com doença de Crohn, aumentam as chances de problemas - isso inclui os efeitos colaterais das formulas, além das crises intestinais.
As mulheres também precisam de orientação especial, caso façam reposição hormonal ou tomem pílulas anticoncepcionais, substâncias conhecidas por irritar o intestino. O coloproctologista Carlos Sobrado lembra ainda que a isotretinoína oral, conhecida por Roacutan e usada no tratamento de acne, também desperta crises de Crohn, já que resseca a pele e as mucosas.
4. Ingerir pouco ferro e vitaminas
A diarreia é um dos sintomas mais comuns da doença de Crohn, por isso pode haver grande perda de vitaminas e minerais. A nutricionista Cyntia Passoni, coordenadora do curso de Nutrição da Unibrasil, no Paraná, conta que é mais comum ocorrer deficiência de ferro e vitaminas A, E, K e do complexo B. "O paciente perde sangue e pode ficar com anemia. É preciso enriquecer a dieta com fontes de ferro e vitaminas do complexo B", afirma. Além disso, a própria medicação diminui a absorção da vitamina B12 e de acido fólico (B9). Quando a inflamação atinge o final do intestino delgado, onde ocorre a absorção de vitaminas, é preciso recorrer ao uso de suplementos. "Entretanto, a dieta deve ser acompanhada de perto pelo médico, para evitar exageros e novas inflamações no intestino."
5. Beber pouca água
A desidratação é um dos efeitos da diarreia e precisa ser compensada com água e outros líquidos, como sucos de frutas e água de coco. O consumo de líquidos, de acordo com o gastroenterologista Sender Jankiel Mizsputen, da Federação Brasileira de Gastroenterologia, é essencial para que o corpo consiga responder ao tratamento e superar um episódio de crise.
6. Consumir muitas fibras, leite e derivados
As fibras insolúveis ajudam no bom funcionamento do intestino, mas devem ser evitadas por um paciente de Crohn em crise. "As fibras podem aumentar os gases, as cólicas e o mal estar", afirma a nutricionista. No dia a dia, com a inflamação sob controle, o consumo deve ser moderado para prevenir o desencadeamento de irritações intestinais. "Deve-se evitar o excesso de folhas cruas e alimentos integrais, como grãos e cereais", sugere Cyntia.
A intolerância à lactose é um problema geralmente associado à Doença de Crohn. Se este for seu caso, evite o consumo de leite e derivados e substitua por outros alimentos fontes de cálcio. "Se o Crohn atingir o intestino delgado no mesmo local onde fica a enzima que faz a digestão da lactose, a intolerância aparece mais acentuada", afirma o gastroenterologista Orlando Ambrogini.
Durante as crises, mesmo que você não tenha intolerância à lactose, o coloproctologista Carlos Sobrado recomenda evitar leite, além de alimentos com açúcar. "São alimentos que provocam fermentação e podem aumentar a inflamação do intestino", explica.
7. Abusar de alimentos gordurosos e picantes
Alimentos de digestão difícil ficam mais tempo em contato com o intestino, o que pode piorar ainda mais a irritação. É o caso de receitas com muita gordura ou pimenta, que devem ser evitadas na época de crise e consumidas com moderação no dia a dia. Sender Mizsputen, da Federação Brasileira de Gastroenterologia, afirma que o paciente com gases por conta da doença precisa dispensar alimentos e bebidas associados ao problema, caso dos refrigerantes.
8. Passar muito tempo sem comer
O paciente de Crohn precisa comer, no mínimo, a cada três horas. "O ideal é que este intervalo seja menor, para conseguir repor os nutrientes perdidos na diarréia e controlar a perda de peso", afirma a nutricionista.
9. Não controlar o estresse
Estresse, ansiedade e distúrbios emocionais, como mudanças de humor e depressão, podem ser gatilhos para crises de Crohn. "Esses fatores podem baixar as defesas imunológicas do organismo e piorar a irritação do intestino", explica a psicóloga do Instituto Central do Hospital das Clínicas, Vanessa Marques. Ela conta que problema emocionais são comuns entre os pacientes, que chegam a se sentir impotentes diante da doença. "Há casos até de sentimentos de discriminação, amargura e ideias suicidas", diz Vanessa. Nas situações extremas, a ajuda de um psicólogo ou de um psiquiatra deve fazer parte do tratamento de controle.
10. Deixar a higiene bucal de lado
São raros os casos em que a doença de Crohn provoca efeitos na boca. Mas podem surgir aftas durante uma crise de inflamação no intestino ou até num período em que o problema esá sob controle. Para evitar os sintomas na boca, cuidar bem da higiene da região e evitar alimentos muito ácidos e quentes, que podem irritar o intestino, são as melhores atitudes preventivas. Durante as crises, os mesmo cuidados alcançam importância dobrada.
Ainda não há estudos que expliquem por que isso acontece, mas já foi comprovado que a inflamação no intestino provoca diversos reflexos no corpo, que vão desde afta até artrite. "Substâncias químicas que provocam a inflamação intestinal também se acumulam nas articulações e na boca, promovendo a inflamação dessas partes do corpo", explica Sender Mizsputen, da Federação Brasileira de Gastroenterologia.
11. Fumar e ter uma rotina sedentária
"Pacientes que fumam têm mais crises", afirma Carlos Sobrado, do Hospital 9 de Julho. O cigarro provoca alteração no muco intestinal e aumenta a produção das substâncias que inflamam o intestino (citocinas pró-inflamatórias). As atividades físicas são recomendadas porque fortalecem o sistema imune, além de melhorarem a autoestima do paciente e a relação dele com o corpo.