Formado em medicina pela Faculdade de Medicina da USP, neurologista clínico pelo Hospital das Clínicas da FMUSP e Ph.D....
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O que é Fenilcetonúria?
A fenilcetonúria é uma doença congênita, ou seja, está presente desde o nascimento, e genética, causada por uma alteração no DNA herdada tanto do pai quanto da mãe. Rara, sua incidência no Brasil gira em torno de um caso a cada 15.000 a 25.000 indivíduos, segundo o Ministério da Saúde.
O defeito genético ocorre principalmente em pessoas da Europa e nos Estados Unidos. A doença é muito menos comum em países asiáticos e latinos. Além disso, a África tem as menores taxas de fenilcetonúria do mundo.
Esta alteração nos genes determina que o organismo não quebre adequadamente as moléculas de um aminoácido essencial chamado fenilalanina em outro tipo de aminoácido, a tirosina. Em excesso, a substância se torna tóxica ao sistema nervoso central e pode provocar atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor.
Causas
Causas da fenilalanina
Aminoácidos como a fenilalanina são moléculas que, juntas, formam as proteínas presentes em grande parte dos alimentos, como carnes, ovos, feijão, trigo e soja. Uma vez ingeridas, estas proteínas são quebradas em aminoácidos cada vez menores que ajudarão a constituir os mais diversos tecidos dos corpos, como os músculos, por exemplo.
A causa da fenilcetonúria é uma alteração genética: ambos os progenitores passam para o filho o gene da doença, que determina que não seja produzida uma enzima chamada fenilalanina hidroxilase, responsável pela quebra da fenilalanina. Nos organismos dos pais, o gene recessivo faz com que a doença não se manifeste.
Com isso, ao ingerir alimentos com fenilalanina, como o leite materno, por exemplo, a substância passa a se acumular no organismo e causa lesões no sistema nervoso central que deixarão sequelas permanentes no desenvolvimento da criança. O quadro pode ser detectado precocemente, nos primeiros dias de vida, situação em que a dieta será ajustada para evitar que o comprometimento neurológico se instale.
Tipos
Tipos de fenilalanina
“Existem três tipos de manifestação da fenilcetonúria, sendo que a forma clássica é a mais grave e, se não tratada, pode causar atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência intelectual permanente e danos cerebrais, podendo ser fatal”, explica David Schlesinger, médico geneticista.
Segundo o Ministério da Saúde, são possíveis as seguintes classificações:
- Fenilcetonúria clássica: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina acima de 20 mg/dL no diagnóstico
- Fenilcetonúria leve: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina entre 8 mg/dL e 20 mg/dL no diagnóstico
- Hiperfenilalaninemia não fenilcetonúrica: o paciente apresenta níveis plasmáticos de fenilalanina entre 2 mg/dL e 8 mg/dL no diagnóstico
- Hiperfenilalaninemia transitória: há valores inferiores aos da fenilcetonúria clássica em ausência de mutações do gene
Sintomas
Sintomas de fenilalanina
Crianças recém-nascidas com fenilcetonúria inicialmente não apresentam sintomas. Sem tratamento, porém, os bebês geralmente desenvolvem sinais da doença entre três e seis meses de vida. Os sinais e sintomas de fenilcetonúria podem ser leves ou graves e podem incluir:
- Atraso no desenvolvimento (como dificuldade para firmar a cabeça ou sentar-se, por exemplo) e regressão em etapas do desenvolvimento já adquiridas
- Deficiência intelectual
- Alterações comportamentais ou de sociabilidade
- Convulsões, tremores ou movimentos espasmódicos nos braços e pernas
- Hiperatividade
- Alteração no crescimento
- Dermatite atópica
- Perímetro cefálico pequeno (microcefalia)
- Odor desagradável na respiração da criança, pele ou urina, causado pelo excesso de fenilalanina no organismo
- Pele clara e olhos claros se comparados com outros membros da família: isso ocorre porque a fenilalanina não é transformada em melanina - o pigmento responsável pela cor dos cabelos e tom de pele
Crianças com fenilcetonúria clássica, se não receberem tratamento, podem desenvolver deficiência intelectual permanente. Já as formas menos graves da doença podem apresentar alterações neurológicas e comportamentais em níveis variáveis, mas a maioria das crianças com esses diagnósticos ainda necessita de uma dieta especial para evitar o atraso intelectual, entre outras complicações.
Saiba mais: Teste do pezinho: tire suas dúvidas sobre o exame
Diagnóstico
Diagnóstico de fenilalanina
O especialista explica que, no Brasil, a fenilcetonúria é um dos quadros cuja detecção está inclusa no Programa Nacional de Triagem Neonatal do SUS, o conhecido Teste do Pezinho, que realiza a dosagem bioquímica do aminoácido fenilalanina no sangue do recém-nascido entre o 3º e o 5º dia de vida. Este teste não é decisivo para diagnosticar a doença, mas pode levantar a suspeita, levando a uma investigação mais aprofundada.
“A fenilcetonúria é uma doença genética causada por mutações no gene PAH. Porém, algumas mutações nesse gene causam sintomas leves da doença. Esses casos podem ser mais difíceis de detectar no teste bioquímico, mas através da triagem genética feita pelo Teste da Bochechinha é possível identificar todas as mutações causadoras da fenilcetonúria, independente da sua gravidade”, conta.
O Teste da Bochechinha é a primeira triagem neonatal genética do Brasil e analisa mais de 340 doenças raras e tratáveis, como a fenilcetonúria. Segundo o médico, este teste genético analisa diretamente o DNA do bebê e, por isso, consegue identificar qual a mutação no gene PAH que causa a doença.
“A coleta do DNA é rápida, simples e indolor: basta um minuto para coletar a saliva da parte interna da bochecha do bebê. Como o teste pode ser realizado desde o primeiro dia de vida, antes mesmo de qualquer sintoma aparecer, é possível realizar o acompanhamento médico e o tratamento adequado o mais cedo possível, diminuindo o risco das consequências graves dessa doença e proporcionando mais qualidade de vida ao bebê”, diz David.
Tratamento
Tratamento para fenilalanina
Se o teste do pezinho para fenilcetonúria indicar a suspeita da doença, o médico poderá começar o tratamento dietético de imediato para evitar sequelas a longo prazo. Os bebês recebem uma fórmula especial de aminoácidos sem fenilalanina, que é fornecida gratuitamente pelos serviços de saúde, para garantir um melhor aporte de proteínas. Daí em diante, a quantidade de fenilalanina consumida será controlada por toda a vida, mantendo-se baixa, mas não ausente, uma vez que o aminoácido é essencial para o desenvolvimento.
É especialmente importante que mulheres em idade reprodutiva e que têm fenilcetonúria sejam acompanhadas por um especialista, mesmo que tenham casos leves da doença, pois há risco genético e de aborto espontâneo.
O geneticista David Schlesinger detalha que o tratamento da fenilcetonúria deve ser realizado durante toda a vida e consiste em uma dieta controlada, com baixa quantidade de proteínas e outros alimentos ricos em aminoácido fenilalanina, visando manter níveis adequados desse aminoácido no organismo.
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Alimentos ricos em fenilalanina que devem ser evitados ou consumidos de forma controlada são:
- Todos os tipos de carne, peixes e ovos
- Laticínios (leite e derivados)
- Grãos e cereais (arroz, aveia, trigo, feijão, lentilha, entre outros)
- Noz e castanhas
- Chocolate
Existem versões de alimentos comuns, como arroz e macarrão, que foram criadas especialmente para auxiliar a dieta de pessoas com fenilcetonúria.
“Apesar de ser uma doença grave, quando o diagnóstico é feito precocemente, ainda no período neonatal, o tratamento evita o desenvolvimento de deficiência intelectual e outras consequências graves”, conta o especialista.
O médico alerta que é essencial o acompanhamento com nutricionista para que a dieta seja adaptada para cada paciente e suas necessidades específicas.
Tem cura?
Fenilalanina tem cura?
O resultado esperado para o tratamento de fenilcetonúria costuma ser satisfatório se a dieta for rigorosamente seguida, juntamente com a ingestão da fórmula de aminoácidos e tratamento medicamentoso, quando indicado pelo médico. A fenilcetonúria é uma doença que não tem cura, porém, é possível manter a qualidade de vida com o tratamento adequado para cada paciente.
Complicações possíveis
Fenilcetonúria não tratada pode levar a danos cerebrais irreversíveis e atraso no desenvolvimento neurológico, psicológico e motor nos primeiros meses de vida. Caso o paciente siga sem tratamento ao longo da vida, pode evoluir com deficiência intelectual e alterações comportamentais, de memória e atenção, psiquiátricos e convulsões.
Referências
Ministério da Saúde
Clínica Mayo
Fleury Medicina e Saúde
Genetics Home Reference
Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG
PORTARIA CONJUNTA SCTIE/SAES/MS Nº 12, DE 10 DE SETEMBRO DE 2019: documento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) que detalha informações sobre fenilcetonúria