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O que é Mielofibrose?
A mielofibrose pertence a um grupo de doenças chamadas neoplasias mieloproliferativas e é um tipo de câncer no sangue. A condição é causada devido a uma disfunção da medula óssea que leva à produção em excesso de células do sangue.
“Trata-se de uma doença rara e crônica que afeta a medula óssea, tecido dentro dos ossos responsável pela produção de células sanguíneas”, explica Laura Coutinho Vassalli, Hematologista do Hospital Nipo-Brasileiro. “Na mielofibrose, a medula óssea se torna cicatrizada e fibrosa, o que interfere na produção normal de células sanguíneas”, completa.
A medula óssea é um tecido macio e gorduroso presente dentro dos ossos, responsável pela produção de células-tronco. Essas células-tronco crescem e se desenvolvem em um tecido fibroso, também produzido na medula óssea. Na mielofibrose, esse tecido é produzido em excesso, fazendo com que a produção de células do sangue (como glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas) seja prejudicada.
A doença pode ocorrer isoladamente, sem causa aparente, sendo chamada de mielofibrose primária. No entanto, é mais comum ela se desenvolver lentamente como uma progressão de outros distúrbios da medula óssea (mielofibrose secundária).
É difícil saber se e como a mielofibrose irá afetar uma pessoa, uma vez que seus sintomas e sua intensidade podem variar. No entanto, existem várias medidas que podem ser tomadas para garantir que a pessoa obtenha o melhor atendimento possível e continue a viver uma vida plena.
Causas
De acordo com Laura, as causas exatas da mielofibrose ainda não são completamente compreendidas. “No entanto, sabe-se que algumas mutações genéticas podem desempenhar um papel no desenvolvimento da doença”, explica a hematologista. “Acredita-se também que a exposição a benzeno, à radiação e a outras substâncias tóxicas ao longo da vida possa aumentar o risco da doença”, completa.
Na mielofibrose, cada vez mais células-tronco mutantes se replicam e elas passam a causar efeitos graves na produção de sangue. Outra característica importante da mielofibrose é a produção de muitos “megacariócitos”, que são células gigantes na medula óssea que se rompem em fragmentos e produzem de centenas a milhares de plaquetas (células responsáveis por parar o processo de sangramento em feridas).
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Assim, nas pessoas com mielofibrose, há um aumento na produção de plaquetas e de citocinas (células que estimulam o desenvolvimento e tecido fibroso na medula), que, então, são lançadas na medula óssea. O resultado é uma ausência de células vermelhas do sangue e um excesso de glóbulos brancos, com diferentes níveis de plaquetas.
Em pessoas com mielofibrose, a medula óssea normalmente fica esponjosa, tornando-se cicatrizada. Isso pode causar anemia severa, fraqueza, fadiga e aumento do baço e do fígado. A mutação genética que ocorre na maioria das pessoas afetadas por mielofibrose é por vezes referida como JAK2. Outras mutações no gene podem também estar associadas com mielofibrose.
Tipos
A mielofibrose pode ser dividida entre primária e secundária. Entenda:
- Mielofibrose primária: a mutação genética acontece de forma isolada, sem estar associada a outra doença ou condição preexistente. É mais frequente entre os 50 e 70 anos de idade, principalmente em homens
- Mielofibrose secundária: surge em decorrência de outros distúrbios, especialmente os de sangue, como leucemia, policitemia, trombocitose, mieloma múltiplo e linfoma
Sintomas
Sintomas de mielofibrose
A mielofibrose pode levar à anemia, a baixos níveis de plaquetas no sangue e ao aumento do fígado e do baço. Junto com essas complicações, a doença leva ao surgimento de alguns sinais de atenção.
No entanto, a hematologista Laura ressalta que os sinais podem variar de pessoa para pessoa. No geral, os principais sintomas de mielofibrose são:
- Sintomas de anemia (baixa contagem de hemácias)
- Fraqueza e fadiga (cansaço excessivo)
- Falta de ar
- Palpitações cardíacas (batimentos cardíacos fortes ou acelerados)
- Palidez na pele
- Sintomas associados ao aumento do baço (esplenomegalia)
- Dor e desconforto no lado esquerdo abaixo das costelas
- Sensação de plenitude no lado esquerdo abaixo das costelas
- Indigestão, perda do apetite e perda de peso associada
- Sintomas associados à hepatomegalia (aumento do fígado)
- Dor e desconforto no abdômen ou estômago
- Coceira na pele (também chamada de prurido)
- Sudorese excessiva, especialmente à noite
- Febre
- Aumento do risco de infecção
- Sangramento e contusão fácil
- Dor no osso
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Diagnóstico
O diagnóstico da mielofibrose pode ser difícil. Muitas vezes não há sintoma nos estágios iniciais da condição e, mesmo quando houver sintomas, estes podem ser confundidos com outras doenças. O médico usará uma combinação de testes laboratoriais, que examinam o sangue e a medula óssea, e exames físicos para diagnosticar a mielofibrose. As principais formas de diagnosticar mielofibrose são:
Exame físico
Seu corpo é examinado para detectar qualquer coisa que pareça incomum. O médico fará perguntas sobre seu histórico de saúde, qualquer informação relevante sobre seu estilo de vida, doenças antigas e tratamentos.
Exames de sangue
Uma amostra de sangue é colhida e examinada para:
- Número de hemácias e plaquetas
- Número e o tipo de leucócitos
- A quantidade de hemoglobina (a proteína que carrega o oxigênio) nas hemácias
- A porção da amostra de sangue composta por hemácias.
Biópsia óssea
Na biópsia óssea feita na medula, sangue e um pequeno pedaço de osso serão removidos pela inserção de uma agulha oca no osso do quadril ou no esterno. Eles serão examinados para pesquisar células anormais.
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Análise citogenética
As células de uma amostra de sangue ou medula óssea são examinadas com um microscópio para pesquisar alterações nos cromossomos. As alterações procuradas com mais frequência para o diagnóstico de mielofibrose consistem na presença da mutação JAK2V617F.
Exames de imagem
Teste de imagem, como raio-x e ressonância magnética, podem ser pedidos para obter mais informações sobre a sua mielofibrose.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco para o surgimento da mielofibrose são:
- Compostos químicos e radiação: A exposição a alguns compostos químicos e à radiação é um fator de risco para mielofibrose, mas níveis suficientemente elevados para causar doença são extremamente raros
- Doença autoimune: Histórico de qualquer doença autoimune pode ter associação com um risco significativamente maior de mielofibrose. No entanto, ainda não foi provada a causa dessa relação
- Histórico familiar: Embora a mielofibrose não seja hereditária, parentes de pessoas com mielofibrose podem apresentam um risco maior para ter a doença. Isso pode sugerir que parentes próximos muitas vezes compartilham uma suscetibilidade genética que os predispõem à mielofibrose
- Idade: A mielofibrose afeta principalmente pessoas com mais de 50 anos de idade, sendo que a faixa etária de prevalência é entre 50 e 80 anos
- Outra neoplasia mieloproliferativa:Uma pequena porção de pessoas com outra desordem das células, como trombocitemia essencial e policitemia vera.
Buscando ajuda médica
Marque uma consulta médica caso você sinta qualquer um dos principais sintomas de mielofibrose de forma persistente. O hematologista, médico especializado em doenças do sangue, é o especialista mais indicado para diagnosticar e tratar a doença da forma correta.
Tratamento
Segundo Laura, o tratamento para mielofibrose pode variar dependendo da gravidade da doença e dos sintomas apresentados pelo paciente. De forma geral, o tratamento visa o controle dos sintomas e a redução das complicações da doença e depende de fatores como idade, sintomas e resultados obtidos através dos exames de sangue e citogenética. Algumas possibilidades são:
Ruxolitinibe
O ruxolitinibe é um medicamento que tem como alvo a mutação do gene JAK2, uma das possíveis causas de mielofibrose. Ele é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e é vendido no Brasil. O medicamento é ministrado via oral e trata sintomas como:
- Aumento do baço
- Suores noturnos
- Coceira
- Dores nos ossos e músculos.
Este medicamento está indicado para o tratamento de pessoas com mielofibrose de risco intermediário ou alto, incluindo mielofibrose primária, mielofibrose pós-policitemia vera e mielofibrose pós-trombocitemia essencial. Ainda não está claro se esses medicamentos podem ajudar as pessoas com mielofibrose a viver mais tempo. No entanto, indicações preliminares dos ensaios clínicos mostram que sim.
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O ruxolitinibe funciona parando a ação de todos os genes relacionados com a JAK2 no corpo, incluindo as encontradas em células saudáveis. Como essas são afetadas, os efeitos colaterais podem ocorrer, tais como hemorragia, infecção, hematomas, tonturas e dores de cabeça.
Tratamentos para a anemia
Caso a mielofibrose esteja causando anemia severa, os seguintes tratamentos podem ser considerados:
- Transfusões de sangue: se você tem anemia grave, as transfusões de sangue periódicas podem aumentar sua contagem de células vermelhas do sangue e aliviar os sintomas de anemia, tais como fadiga e fraqueza. Às vezes, os medicamentos podem ajudar a melhorar a anemia
- Terapia hormonal: tomar uma versão sintética do hormônio andrógeno masculino pode promover a produção de células vermelhas do sangue e melhorar a anemia severa em algumas pessoas. Terapia hormonal tem riscos, incluindo danos ao fígado e efeitos masculinizantes em mulheres
- Medicamentos orais: alguns remédios podem ajudar a melhorar a contagem de células do sangue e também aliviar um aumento do baço. Alguns destes fármacos podem ser combinados com medicamentos esteroides. Alguns exemplos são hidroxiureia, talidomida/lenalidomida, que ajudam a melhorar anemia, quantidade de plaquetas, baço aumentado e outros sintomas. Outros medicamentos incluem bisfosfonatos e anagrelida, esse último para tratar quantidade muito alta de plaquetas.
Tratamento para o baço
Se acontecer o aumento do baço e corre o risco de complicações, o médico pode recomendar o tratamento. As opções podem incluir:
- Remoção cirúrgica do baço (esplenectomia): Se o tamanho do baço torna-se tão grande que causa dor e começa a causar complicações, ou então não responde aos tratamentos tradicionais, é possível que seja necessária a cirurgia para remoção do baço. O acompanhamento médico após a cirurgia é essencial para evitar riscos que incluem infecção, sangramento excessivo e formação de coágulos sanguíneos, que podem levar a um AVC ou uma embolia pulmonar. Após o procedimento, alguns pacientes sofrem de aumento do fígado e um aumento na contagem de plaquetas anormal
- Interferon alfa: medicamento usado para tratar o baço aumentado, dor óssea e alta quantidade de plaquetas
- Quimioterapia: As drogas da quimioterapia podem reduzir o tamanho do baço e aliviar os sintomas relacionados, tais como dor
- Radioterapia: a radiação utiliza raios de alta potência, como raios-X, para matar as células. A terapia de radiação pode ajudar a reduzir o tamanho do baço, quando a remoção cirúrgica não é uma opção.
Transplante de medula óssea
O transplante de medula óssea é o único tratamento que tem o potencial de curar a mielofibrose. Mas também tem um elevado risco de efeitos secundários potencialmente fatais. A maioria das pessoas com mielofibrose não se qualificam para este tratamento por fatores como idade, estabilidade da doença ou outros problemas de saúde.
Antes de um transplante de células-tronco, o paciente recebe altas doses de quimioterapia ou radioterapia para destruir a medula óssea doente. Em seguida, recebe infusões de células-tronco de um doador compatível.
Após o procedimento, há um risco de que as novas células-tronco sofram uma reação contra os tecidos saudáveis do seu corpo, causando danos potencialmente fatais. Outros riscos incluem cataratas e o desenvolvimento de um câncer diferente mais tarde.
Tem cura?
Mielofibrose tem cura?
A mielofibrose tem cura apenas quando é feito o transplante de medula óssea no tratamento. “No entanto, na maioria dos casos, não é possível um tratamento curativo. Conseguimos oferecer opções que podem ajudar a controlar os sintomas e a melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, afirma Laura.
Expectativa de vida para mielofibrose
Em alguns casos, a expectativa de vida média para mielofibrose é de cinco a sete anos, embora possa variar muito de paciente para paciente. Por isso, é importante conversar com um hematologista para entender sua situação específica e receber a melhor orientação para tratamento.
Prevenção
A mielofibrose não pode ser prevenida, mas pode ser diagnosticada rapidamente com exames periódicos e acompanhamento médico adequado. Além disso, conforme explica Laura, manter um estilo de vida saudável, evitar exposição a substâncias tóxicas e praticar atividade física podem ajudar a manter um bom estado geral de saúde.
“É importante conversar com um médico regularmente e relatar quaisquer sintomas preocupantes para uma avaliação adequada”, finaliza a hematologista.
Complicações possíveis
As complicações que podem resultar da mielofibrose incluem:
- O aumento da pressão no sangue que flui para o seu fígado: normalmente, o fluxo de sangue a partir do baço entra no seu fígado por meio da veia porta hepática. O aumento do fluxo sanguíneo por conta do aumento do baço pode levar a pressão arterial elevada na veia porta (hipertensão portal). Essa, por sua vez, pode forçar o excesso de sangue nas veias menores no estômago e esôfago, podendo causar ruptura e sangramento
- Dor: um baço severamente aumentado pode causar dor abdominal e dor nas costas
- Crescimentos em outras áreas do seu corpo: a formação de células sanguíneas fora da medula óssea pode criar tumores de células do sangue em outras áreas do seu corpo. Estes tumores podem causar problemas como sangramento em seu sistema gastrointestinal, tosse com sangue, compressão de sua medula espinhal ou convulsões
- Complicações hemorrágicas: conforme a doença progride, a sua contagem de plaquetas tende a cair abaixo do normal e a função plaquetária torna-se prejudicada. Um número insuficiente de plaquetas pode levar a hemorragias e sangramentos com mais facilidade
- Ossos e articulações dolorosas: a mielofibrose pode levar ao endurecimento da sua medula óssea e inflamação do tecido conjuntivo que é encontrado em torno dos ossos. Isso pode causar dores ósseas e articulares
- Gota: a mielofibrose aumenta a produção de ácido úrico, um subproduto da quebra das purinas - uma substância encontrada naturalmente em seu corpo e em muitos alimentos. A superprodução de ácido úrico pode levar a depósitos da substância em suas articulações, causando dores e uma inflamação conhecida como gota
- Leucemia aguda: algumas pessoas com mielofibrose eventualmente podem desenvolver leucemia mieloide aguda, um tipo de câncer sanguíneo da medula óssea, que evolui rapidamente.
Referências
Claire Harrison, hematologista especialista em neoplasias mieloplofiferativas e pesquisadora da Mayo Clinic
National Cancer Institute