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Existem diferentes formas de começar a abordar esse assunto com um fumante. E culpá-lo por não parar com o cigarro não é a melhor maneira! "É preciso primeiro entender que o tabagismo é uma doença e como tal precisa ser tratada", reforça Jaqueline Issa, cardiologista e coordenadora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP).
Como no alcoolismo, o apoio da família e dos amigos é fundamental. Muitas vezes, depende deles inclusive o sucesso ou o fracasso do processo. "O familiar pode ajudar não pressionando, nem cobrando, não boicotando, sendo empático, assertivo e afetuoso", resume a psicóloga Ana Carolina Schmidt de Oliveira, do Vida Mental Serviços Médicos e especialista em dependência química.
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Você pode ser rígido
No começo, o fumante nem sempre cogita largar o cigarro. E um dos argumentos mais comuns é o famoso: "eu posso parar quando eu quiser". De acordo com Jaqueline Issa, cardiologista e coordenadora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, nesse ponto as políticas públicas que impedem o fumo acabam sendo efetivas. "Com isso, ele acaba percebendo a necessidade de fumar em situações inconvenientes, precisando se locomover e às vezes até enfrentar chuva e frio para fumar", explica a médica.
Os familiares podem se aproveitar dessa técnica, ao dizer que não querem que a pessoa fume na casa delas. Desculpas não faltam! Dá para alegar que não gostam do cheiro e querem evitar o fumo passivo e de terceira mão, causado por alguns resíduos do cigarro continuam no ambiente e também fazem mal à saúde. No fim, os argumentos não deixam de ser verdadeiros.
Mesmo sem essas proibições, deixar claro que você não gosta é importante. "Se a pessoa não gosta que fiquem lhe dizendo toda hora que pare de fumar, quem convive com o fumante pode expor isso colocando seus limites, mas sempre de forma empática", acredita o psiquiatra Hewdy Lobo Ribeiro, do ProMulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP e diretor do Vida Mental Serviços Médicos.
Não precisa relembrar a todo instante
Muitas vezes ser sútil faz toda a diferença. "Você não precisa ficar falando toda hora 'está vendo?' para o fumante. Isso mais atrapalha e existem maneiras indiretas, como deixar uma matéria de revista sobre o tema aberta perto de onde ele passa... Não precisa cutucar toda hora, mas passar a mensagem em doses homeopáticas e com jeito", explica Jaqueline Issa. A especialista já percebeu em seu trabalho que o que faz o fumante mudar de ideia muitas vezes é um clique, e é impossível saber o que moverá cada um para isso. Por isso, ser insistente nem sempre adianta, se você não bater na tecla certa.
Motivar é preciso
Por se tratar de uma dependência, a dificuldade do fumante não é falta de força de vontade e sim não conseguir combater as mudanças orgânicas que o tabaco causou em seu organismo. Por isso que a motivação é sempre importante, para mostrar que o esforço contra as vontades do próprio corpo vale a pena. "O que vai mudar é a maneira de estimular a motivação da pessoa. Por exemplo, quando ele percebe que precisa parar de fumar, os familiares podem ajudar dando informações, de preferência novas, e se dispondo a ajudar e a facilitar o tratamento", reitera o psiquiatra Hewdy Lobo.
E, mesmo no caso de um fumante que nem pensa em parar ainda, motivar também vale a pena. "Nessa fase é necessário verificar o que geraria dúvidas, o que faria o indivíduo pensar que seria mesmo melhor parar de fumar. Muitas vezes não são os prejuízos diretos do cigarro, mas as reclamações da família, ou algum problema que esteja mais em evidência, por exemplo, a dificuldade em manter a ereção na relação sexual", explica a psicóloga Ana Carolina Schmidt de Oliveira, psicóloga do Vida Mental Serviços Médicos e especialista em dependência química.
A cada tipo de relação, uma abordagem diferente
Como existem diversas formas de se entrar nesse assunto o tipo de relacionamento que você tem com o fumante influencia. "Os filhos pequenos, por exemplo, convencem os pais muito mais do que os mais velhos. Tenho vários pacientes que vem falando que querem parar porque a criança em idade escolar pediu e está preocupado. Acho que os pais se sentem com mais responsabilidades com eles do que com os outros que já estão criados", acredita a cardiologista Jaqueline.
"Pense em como você preferiria escutar uma crítica. É importante ser honesto, empático, assertivo, estar disposto a ouvir a opinião do próximo e a propor combinados. Vale sempre estar atento se o contexto é adequado, se não será humilhante para a pessoa, e prestar atenção à linguagem corporal e ao tom de voz", explica o psiquiatra Hewdy Lobo.
O que não se deve dizer
Existem diversas frases que são desmotivadoras, como dizer: "não tem jeito mesmo, ele nunca vai parar de fumar"; "sabia que ele ia recair"; "ele precisa ficar com um câncer para parar de fumar"; "eu não acredito mais nele"; entre diversas outras. E as atitudes também podem atrapalhar o processo. "Alguns comportamentos boicotam o propósito, como o familiar comprar cigarros para a pessoa que quer parar, ou dizer que ele pode fumar aos finais de semana, ou que ele pode fumar um cigarro por dia, ou tentar esconder o cigarro", explica a psicóloga Ana Carolina.
Quando ele decide parar
Quando a decisão é tomada, o primeiro passo, de acordo com Jaqueline Issa, é procurar ajuda específica. "Dentro das especialidades, vários médicos podem ajudar cardiologistas, pneumologistas, psiquiatras... Vale entender se o médico tem experiência nisso. Normalmente nos grandes hospitais existem centros para isso. E é a maneira mais tranquila e rápida de parar", explica a cardiologista, que acredita que incentivar esse fumante a procurar esse tipo de tratamento é o mais importante.
Também é preciso ajudar a evitar situações em que o cigarro será lembrado. Evitar locais que tenham muita gente fumando ou não incentivar hábitos que eram ligados ao tabagismo é importante. "Seria um boicote, por exemplo, insistir em ir a um barzinho, que em geral tem muitas pessoas com cigarro, e ainda por cima, provavelmente o tabagista irá beber - o que muitas vezes dá vontade de fumar", explica o psiquiatra Hewdy Lobo.
Preste atenção aos progressos
Perguntar ou não perguntar? Essa parte depende muito da personalidade do indivíduo. "Tenho pacientes que contam a todos a novidade. Alguns outros até me pedem sigilo quando começam a seguir o tratamento, até para não criarem expectativas", separa a cardiologista Jaqueline. No primeiro tipo de estilo pessoal, vale a pena perguntar sim como está indo o progresso dele no tratamento, sem mostrar cara feia quando ele disser que não está indo bem.
Entretanto, para ambos os tipos de personalidade, sempre vale a pena reforçar as qualidades que estão sendo demonstradas com o abandono do cigarro. "Vale elogiar e mostrar satisfação pelas pequenas mudanças que a pessoa que está parando de fumar promove em sua vida, como jogar o cinzeiro fora e as roupas estarem cheirosas. Reconheça as vitórias quem está parando de fumar conquista", aconselha a psicóloga Ana Carolina. É uma forma de fazer um reforço sempre positivo sem estar cobrando.
Abstinência faz parte do jogo
Nessa fase nem tudo são flores... "Normalmente quem está parando de fumar enfrenta duas fases principais. A primeira, nos 3 primeiros meses, consiste em vencer a abstinência, o que pode ser aliado com medicamentos por exemplo. Já a segunda, que vai dos 3 aos 12 meses seguintes, ele começa a enfrentar as situações em que antes ele recorria ao cigarro", explica a Jaqueline.
No primeiro ato, é normal que o tabagista se torne uma pessoa mais difícil de lidar. "É comum sentir alguns sintomas da síndrome de abstinência, como ansiedade, irritabilidade, humor deprimido, inquietação, insônia, desconcentração, dor de cabeça, muita vontade de fumar, entre outros", enumera Hewdy Lobo. A boa notícia é que, depois de uma semana, isso tende a passar, portanto nada de desejar que seu fumante querido volte aos antigos hábitos.
Não recaia no erro
"É sempre importante lembrar que a recaída faz parte do processo", salienta a cardiologista Jaqueline. Nessa hora, acusar só pode ser pior, pois até tira o incentivo de a pessoa continuar com a tentativa da parada.
É importante lembrar mais uma vez que o tabagismo é uma doença, e muitas vezes mais de uma tentativa é necessária para que dê certo. Assim, quando acontecer uma recaída, o ideal é mudar estratégia e reavaliar o processo como um todo.
Claro que se a família está incomodada com isso, deve demonstrá-lo, mas de forma sempre empática, sem humilhar o fumante. "É importante ajudar a pessoa a renovar seu compromisso em parar de fumar, levantar a autoestima dele mostrando que ele é capaz, que já teve algumas vitórias, afinal, passar mesmo que um dia sem fumar já é uma conquista", ensina a psicóloga Ana Carolina. É um pouco parecido com a abordagem para incentivar a pessoa a querer parar de fumar e, por isso, é importante não recair no erro da acusação.