Médico urologista e doutor em Ciências Médicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), também é membro da...
iO hábito de fumar prejudica a saúde. Sabemos disso. Hoje, além da proibição de propagandas, até os rótulos dos maços de cigarro contém alertas em relação aos malefícios do tabagismo. Infarto, derrame, câncer, enfisema, são exemplos de doenças que incidem mais em quem fuma. Mesmo assim, muitos insistem nesse perigoso hábito.
Especificamente em dois aspectos da saúde masculina, o cigarro aparece como um inimigo silencioso e traiçoeiro. O homem pode fumar durante anos e não perceber qualquer prejuízo na sua potência sexual e conseguir ter filhos sem dificuldade. Só toma consciência dos efeitos quem infelizmente enfrenta dificuldades.
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Talvez essa variabilidade biológica seja uma das causas da manutenção de hábitos nocivos: "Fumo e me sinto muito bem. Comigo nunca vai acontecer. Meu avô sempre fumou e nunca teve problemas"
Da mesma forma que sabemos que o correto é atravessar a rua na faixa de segurança e com sinal fechado, arriscamos travessias imprudentes encontrando justificativas para isso: "Estava com muita pressa, não vinha ninguém, sempre atravesso aqui".
O ponto que merece alerta é que, nesse caso, quando o problema se torna evidente, muitas vezes o dano produzido já é irreversível.
A literatura médica é farta em demonstrar efeitos agudos e crônicos dos inúmeros componentes do cigarro em órgãos importantes para a vida sexual e reprodutiva do homem. Tanto o cérebro, como coração, vasos sanguíneos, tecido erétil e testículos podem ser danificados. O efeito é variado e ocorre de maneira individual.
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Valorizamos muito a qualidade do sono como uma das características importantes na proteção de vários órgãos, principalmente do aparelho cardiovascular. O sono regenerador protege o coração, vasos e o cérebro.
Como exemplos da abrangência do efeito negativo do tabagismo e de sua complexa interação com outros fatores, o cigarro é um dos elementos que pode afetar negativamente o sono, agravar problemas circulatórios como a hipertensão arterial, obesidade e sedentarismo, reduzir a libido e como isso aumentar a ocorrência de disfunções sexuais e da própria infertilidade.
Geralmente o tabagismo entra como um dos fatores que determinam o problema: um homem de 50 anos, sedentário, tabagista e com sobrepeso tem maior chance de sofrer com disfunção erétil e/ou infertilidade que outro na mesma idade que faz exercícios e não fuma. Lembre-se que estamos falando de situações que envolvem sistemas complexos e, por isso, os problemas podem decorrer da interação de múltiplos fatores.
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A infertilidade é mais frequente nos casais tabagistas
Aqui vou me limitar ao fator masculino, mas vale destacar que o tabagismo na mulher também agride seu sistema reprodutor e causa danos mais severos e definitivos. Afinal, os óvulos nascem e devem ser preservados até que a gravidez ocorra. Não existe a renovação constante dos gametas como acontece nos homens. E pior, estudos recentes demonstraram que as mulheres têm maior dificuldade em interromper o tabagismo.
Focando nos homens, sabemos que a produção de espermatozóides depende do ambiente onde as células reprodutoras são geradas dentro dos testículos. Para que a espermatogênese ocorra de maneira adequada, os testículos precisam estar submetidos a uma temperatura um grau mais baixa do que a do abdome. Além disso, a concentração de várias substâncias (inclusive da testosterona) precisa estar em níveis ideais. Por isso, eles ficam pendurados na bolsa escrotal, recebem bastante sangue e exigem muito cuidado para não sofrerem traumas. Qualquer mudança nessa delicada estrutura pode prejudicar a qualidade dos espermatozóides e dificultar a gravidez.
Ao afetar o equilíbrio hormonal nos homens, o tabagismo pode prejudicar a fertilidade. As substâncias inaladas, além da nicotina, atuam em várias glândulas como hipófise, tireóide, adrenal e os testículos. Produzem prejuízo já demonstrado em todas. Tanto em casais que buscam a gravidez natural quanto a reprodução assistida, o tabagismo aparece como um fator negativo.
Vários estudos demonstram que a poluição atmosférica tem sido responsável pela queda da qualidade observada nos espermogramas feitos mais recentemente. Isso mesmo: o ar poluído interfere na qualidade do sêmen. Imagine então o efeito do cigarro? Se a poluição externa é capaz de afetar esse delicado sistema, que dirá a inalação de mais de 40 mil substâncias tóxicas diariamente?
Chamamos de estresse oxidativo o conjunto de possíveis agressores dos espermatozóides e que podem ser responsabilizados por casos de infertilidade: obesidade, sedentarismo, tabagismo, varicocele, diabetes e hipertensão não controladas. O mecanismo básico que levaria ao prejuízo na fertilidade envolveria um acúmulo de substâncias nocivas (radicais livres) que provocariam dano na estrutura genética dos espermatozóides. Provavelmente essa é a razão para que alguns autores atribuam, além da própria dificuldade de conseguir engravidar, problemas na gestação (embriões defeituosos) e até tumores na infância à exposição dos gametas (espermatozóide ou óvulo) aos agentes contidos no cigarro.
Disfunção erétil: cigarro só atrapalha!
A mágica da ereção depende do bom funcionamento de vários órgãos: cérebro, nervos, hormônios, circulação do sangue e tecido erétil. Trata-se de um sistema complexo e único. Por isso, quando o homem tem falhas constantes na ereção, qualquer um desses participantes pode ser o responsável.
O tabagismo afeta negativamente todos os órgãos e sistemas envolvidos na ereção. Danifica neurônios, endurece a parede dos vasos sanguíneos, enfraquece o coração, interfere na produção hormonal e modifica a composição do tecido erétil. Faz isso de forma gradual e seletiva, ou seja, não produz um efeito homogêneo e constante em todos os indivíduos. Aparentemente, como ocorre com outros fatores de risco, cada homem teria uma sensibilidade, uma predisposição maior, ante a agressão dos componentes do cigarro.
A soma de fatores agressores com a predisposição genética de cada um é que determinaria a chance individual de apresentar o problema. Por isso, alguns fumam e não apresentam impotência, enquanto outros fumam e não desenvolvem câncer de pulmão.
Estudos epidemiológicos mais recentes, que acompanharam muitas pessoas durante anos, conseguiram comprovar a relação entre o tabagismo e a disfunção erétil. Apesar de essa ser uma associação esperada, como existem muitos fatores envolvidos, demonstrá-la em estudos científicos é um desafio. Além disso, estudos menores já esclareceram o prejuízo causado pelo cigarro em tecidos e células do coração, cérebro, artérias, corpos cavernosos. Vasta documentação esclarece os diferentes pontos onde podemos encontrar o efeito negativo do consumo de tabaco.
De maneira cruel, quem fuma sofre mais de impotência e tem menos benefício com os medicamentos desenvolvidos para tratar a disfunção erétil. Fica claro que, como os remédios para melhorar a ereção agem ao potencializar a chegada do sangue no pênis, agirão com menor eficácia nos pacientes que já possuem artérias endurecidas pelo cigarro e que perderam a capacidade de dilatação.
Parando de fumar eu recupero minha potência? Vou conseguir ter filhos?
Sem dúvida, parar de fumar vai aumentar a chance de superar as dificuldades. Haverá melhora na saúde de maneira geral e especificamente na parte da potência e fertilidade. Uma semana sem a agressão do cigarro já melhora alguns parâmetros de circulação do sangue e características de células importantes na fertilidade.
O homem que quer ter filhos e não consegue desenvolve um grande estresse emocional que por vezes se manifesta como dificuldade de ereção. Mesmo homens jovens, em idade reprodutiva, podem sofrer de impotência tamanha a ansiedade gerada pela situação. Entendendo que o cigarro prejudica a qualidade do sêmen e a própria função erétil, fica simples compreender a insistência dos profissionais de saúde em estimular a interrupção do tabagismo.
Nesses sentido, especialmente para os homens que fumam há muito tempo, recomenda-se fortemente a busca de auxílio profissional para cessar o vício. Vale lembrar que ocorre uma dependência química e que a retirada do estímulo precisa ser monitorada e auxiliada por medicamentos e até terapia.
O efeito da interrupção do cigarro obviamente vai depender de outros fatores como idade, carga maço (quantidade de tempo e cigarros consumidos anteriormente), lesões já estabelecidas, presença de comorbidades de cada indivíduo, idade da parceira, interferência de medicamentos...
Portanto, além de interromper o tabagismo e buscar adotar hábitos de vida saudáveis, procure orientação médica especializada.