Redatora das editorias de beleza, família e alimentação.
As consequências do racismo nas crianças negras já começam antes mesmo do seu nascimento. "Quando a mãe começa a pensar em como seu filho será recebido no mundo, por meio da sintonia emocional, este bebê já recebe a incerteza ou insegurança", detalha a psicóloga Marleide Soares, palestrante no tema racismo na infância.
Isso porque, ainda durante o pré-natal e o parto, o preconceito e a negligência já se fazem presentes. De acordo com dados do Ministério da Saúde, mais da metade (54,1%) das mortes maternas no Brasil ocorrem entre as mulheres negras de 15 a 29 anos.
Quando crescem um pouco, as crianças negras já podem perceber violência e discriminação. Para se ter uma ideia, aos 2 anos e meio, os pequenos já podem ter a tendência a escolher colegas da mesma raça para brincar, de acordo com a psicóloga Tatiane Alves Santo. Por isso, abordar o racismo em casa e pensar em estratégias para uma educação antirracista é crucial desde esta fase.
Racismo na prática
Os pais precisam ter em mente que esta violência racista pode ser direta, estrutural ou institucional.
"É muito mais fácil identificar o racismo quando uma criança diz para a outra: 'eu não quero fazer meu trabalho em grupo com você, porque você é preta' do que quando, nas fotos do site da creche do seu filho, ele só aparece lá atrás das outras crianças, sendo pouco visível, Isso corresponde ao racismo institucional e estrutural", afirma a Marleide.
Ainda que não seja praticado de forma direta, estas duas últimas formas são tão comuns que, por muitas vezes, acabam sendo naturalizadas. A pequena Anna Vitória Batista, de 3 anos, já o vivenciou. Toda vez que ia para creche de cabelo solto, alguns funcionários pediam para que sua mãe o prendesse. Entretanto, essa mesma exigência não se aplicava às crianças de cabelo liso.
Como alternativa, Stephanie Milena Batista, mãe da Anna, afirma que busca mostrar constantemente a realidade em que estão inseridas. "Eu tento ao máximo deixar ela mais forte, para que saiba reagir. Por mais dolorido que seja, as crianças negras vão sofrer isso e a gente precisa falar sobre, para que elas saibam que têm uma rede de apoio", explica.
No Brasil, o racismo é crime previsto na Lei 7.716/89, portanto, falar sobre educação antirracista é também falar de uma educação anticriminal.
Cabe destacar que é a criança negra quem recebe a agressão, e não quem comete. Por isso, Marleide ressalta que a educação antirracista também deve ser na perspectiva da não construção de um potencial racista.
Educação antirracista
"Ser antirracista não é difícil, é só olhar com o objetivo da promoção de oportunidades iguais e equivalentes para atingir a igualdade social. Isto se dá por equidade, ou seja, uma porção maior para quem tem menos", explica Marleide.
A psicóloga afirma que a conscientização de crianças brancas é essencial para uma convivência baseada na igualdade racial. É possível fazer isso, por exemplo, ao observar e questionar a ausência de crianças negras nos lugares majoritariamente frequentados por crianças brancas.
Esse questionamento entre as famílias também pode ser pautado por meios culturais, mostrando a ausência na representatividade que dificulta a formação de uma identidade racial, seja na TV, cinema, peças de teatro e até em brinquedos.
Com adolescentes brancos, os pais devem observar se estes têm pessoas negras no grupo de amigos e entender de que forma se dá esta relação. Pode ser que ela seja norteada pelo racismo estrutural, quando se apresentam situações como hiperssexualização dos corpos negros e preterência na escolha para namoros indicando que é pela cor da pele ou características físicas.
Se alguma das situações listadas for observadas pelos pais, Marleide afirma que é necessário reformular a educação numa perspectiva antirracista.
Como falar com seu filho negro sobre raça?
A mãe de Anna conta como conversa com a sua filha para que ela se sinta apoiada: "Ensino que minha filha se enxergue como uma pessoa negra, então busco referências que se aproximem dela: mulheres que inspiram, bonecos e personagens de desenhos. Conto também histórias do nosso povo: antigamente éramos reis e rainhas, mas muitos só sabem o lado da escravidão".
A psicóloga Tatiane reforça que existem alguns estudos comprovando a necessidade de colocar as crianças, desde muito cedo, em contato com a sua história. Ela recomenda três livros que, através da representatividade, promovem essa conscientização. São eles:
- Tudo bem ser diferente
- O menino marrom
- A cor de Caroline
Já a abordagem com adolescentes negros deve ser pautada em orientações sobre como não colocar em risco sua integridade física. Segundo Marleide, algumas delas são não correr na presença de policiais e, se abordado, responder apenas o que for perguntado de maneira firme e objetiva. "Ter cuidados redobrados de não permitir que seus corpos sejam explorados sexualmente também", afirma ela.
Além disso, nesta época de escolhas profissionais, a psicóloga afirma que é importante preparar para que os adolescentes saibam que o mercado de trabalho é excludente às pessoas negras, enquanto facilita o trânsito social das pessoas brancas em qualquer lugar, que não são importunadas em razão de sua cor.
"A maldade está em quem ensina, as crianças não nascem assim. Os pais são os maiores exemplos para essa nova geração que pode fazer a diferença. Espero que a nossa sociedade possa, definitivamente, enxergar igualdades num mundo de diferenças", finaliza Stephanie sobre o papel dos pais.