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Enfrentar um câncer não é fácil, muitas vezes a sensação ao receber esse tipo de diagnóstico é de que foi dada uma sentença letal. Imagine então, se essa notícia atingir dois membros da mesma família na mesma época? Mais especificamente, marido e mulher? Foi o que aconteceu com o casal paulistano Lilian e Teruo Yatabe, hoje com 51 e 73 anos, respectivamente. O advogado e a arquiteta tiveram o diagnóstico de um câncer na mesma época, em maio de 2005: ela foi diagnosticada com um tumor já desenvolvido no intestino, enquanto ele teve um diagnóstico inicial de câncer de próstata. O casal chegou a passar por intervenções cirúrgicas na mesma semana.
O Dia Mundial do Câncer (4 de fevereiro) é sempre um momento para se refletir sobre a doença, que está se tornando cada vez mais comum. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) em parceira com o Ministério da Saúde estimam que em 2014 houveram 576 mil casos novos de câncer no Brasil. E os tipos de câncer de Teruo e Lilian são comuns. Hoje, o câncer de próstata está em segundo lugar em incidência no país (68,8 mil casos), seguido apenas pelo câncer de pele não-melanoma (182 mil casos). Já o câncer de intestino vem em 4º lugar (33 mil casos), atrás do câncer de mama (57,1 mil). No entanto, a estimativa do Inca pela primeira vez aponta que, entre as mulheres, o câncer enfrentado por Lilian será mais frequente do que o câncer de colo de útero neste ano. Mas mais do que números, esses dados representam pessoas que sentem medo e insegurança ao receber ao diagnóstico. "É muito difícil uma pessoa estar preparada para enfrentar o câncer, a doença vem como um furacão, abalando as estruturas de uma vida, sem mandar sinais de alerta", expõe a psico-oncologista Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Por sorte, histórias de superação da doença, como a do casal Yatabe, ajudam a dar força e motivação a quem acaba de receber esse diagnóstico.
Como tudo começou
O primeiro a ser diagnosticado foi Teruo com um câncer inicial na próstata. A suspeita começou durante os exames de rotina, quando perceberam que o nível da proteína PSA estava alterado. O urologista decidiu investigar e foi localizado um pequeno tumor, em estágio bem inicial. O médico deu a opção de retirarem apenas o tumor ou a próstata toda, e o advogado escolheu a segunda opção. A cirurgia de prostectomia decorreu com tranquilidade, ele inclusive a adiou, para que não fosse próxima ao seu aniversário, no começo do mês de maio. "Eu retirei a próstata e tudo se resolveu, não tive que fazer quimioterapia nem nada, apenas os exames de acompanhamento periódicos", nos conta Teruo.
Mas, no meio tempo entre o diagnóstico e a operação, Lilian começou a encontrar sinais de alerta: sangue em suas fezes. Depois de fazer uma colonoscopia, ela levou o resultado a um médico, que identificou o tumor na imagem, mas disse a ela que poderia ser benigno. "Ele já sabia pelo aspecto que era um câncer, mas não quis me assustar. Quis esperar a cirurgia do meu marido acontecer e voltar depois, e ele me avisou que eu precisava ser operada o mais rápido possível", relembra Lilian. Foi assim que ela percebeu a gravidade da situação. Logo fez todos os exames pré-operatórios e a cirurgia acabou sendo marcada para dois dias depois do marido.
O estado do tumor fez com que a situação fosse um pouco mais complicada, mesmo depois da cirurgia. "Fiz quimioterapia por seis meses, de junho a dezembro de 2005. Eu fazia o tratamento uma semana sim e outra não e precisava ficar três dias internada no hospital a cada vez".
O pilar da família
Lilian e Teruo têm dois filhos, Vivian e Vinícius, que naquela época estavam no final da adolescência. Isso só tornou a situação ainda mais difícil. "Eu sentia que tinha que ser forte pelos dois e pelo meu marido, e ele também sentia isso por nós", conta Lilian. Normalmente, essa situação é difícil, pois a cada idade os filhos lidam com a situação de formas diferentes. "É importante os próprios pais se preparem para lidar com o sofrimento causado pela sua doença em seus filhos", considera a psico-oncologista Luciana Holtz. Normalmente, é possível ter um diálogo franco sobre o tema com os adolescentes, que conseguem entender melhor a situação do que uma criança.
O apoio, porém, foi muito forte da família e dos amigos do casal. Teruo ainda se recorda: "meus amigos decidiram fazer uma corrente de orações no momento da minha operação, independente da religião de cada pessoa, eles nos mandaram força naquele momento. Depois, quando contei que a Lilian também passaria por uma cirurgia, eles fizeram a mesma corrente no momento da operação dela".
Mas, para Lilian o mais marcante foi ver como as pessoas da família foram modificadas pela situação. Ela nunca se esquece quando voltou para casa após a cirurgia e acabou desabando todo o nervosismo e medo que havia acumulado, chorando sem parar. Os pais dela foram até lá, e ninguém sabia o que fazer. "Meu pai nunca foi de ficar fazendo 'agradinhos' nos filhos, mas ele ficou tão desesperado que começou a me consolar, até me deu remédio de colher na boca e ficou comigo até eu adormecer. Isso para mim foi muito marcante", conta a arquiteta. "É incrível ver como a experiência também muda as pessoas ao seu redor, elas também não sabem até onde elas podem ir. Tenho certeza que foi uma surpresa para o pai a forma como ele reagiu", conclui.
Uma força maior
Nem sempre as pessoas pensam em procurar apoio psicológico nesse tipo de situação, mas ela é bem vinda não só em casos como o de Lilian e Teruo, mas para qualquer pessoa que está passando por um câncer. Por sorte, não é preciso um tratamento específico voltado para a oncologia. "Qualquer apoio terapêutico é de muita utilidade e qualquer terapia que 'case' bem com as perspectivas deste indivíduo tem valor. A análise, a terapia de luto, a terapia de grupo, a arte terapia e até o desenvolvimento da espiritualidade podem ajudar", explica Luciana.
E foi exatamente o último item que mais deu força para Lilian. "Quando eu estava no ônibus voltando da consulta em que o médico me informou sobre o tumor, eu me lembro de ter pensado e perguntado para Deus 'já está na hora de eu ir embora?'. Depois disso eu comecei a sentir uma segurança e uma força tão grandes, que eu mesma não sabia que eu tinha", recorda. Uma amiga a levou para se confessar - algo que ela não fazia desde a primeira comunhão - e desde que se recuperou, Lilian vai à missa toda semana.
Porém, o mais importante é que a fé que Lilian e a família passaram a ter não os fez ficarem de braços cruzados. "Sempre com muita fé e esperança, nós fizemos tudo que podíamos para a recuperação dela", conta Teruo. Tanto que, juntamente com o tratamento médico tradicional, eles buscaram homeopatia e até mesmo chás ou alimentos. O resultado foi uma mudança geral no estilo de vida da família, pelo menos na cozinha. "Agora tentamos consumir tudo o mais natural: temos uma hortinha no quintal, procuramos não comer tantos produtos industrializados. Eu não tomo mais refrigerante e parei de comer tanta carne, só agora estou voltando a comer mais frango e peixe", relembra Lilian.
Mas a mudança mais significativa para ela foi a de se priorizar mais. "As mulheres japonesas, principalmente, vivem para a família, se colocando em último plano (ou em nenhum!). E eu comecei a buscar mais o que gostaria de fazer. Por exemplo, eu nunca tinha ido a um show, mesmo na minha juventude, e hoje estou me considerando mais 'saidinha'".