Médica Infectologista graduada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com residência médica pela Universidade...
iVocê já teve a sensação de sair da consulta médica pior do que chegou? Alguns pacientes, preocupados com o diagnóstico de sífilis e com a prescrição de injeções de penicilina, recebem ainda o pedido para colherem o exame de líquor! Mas, você sabe para que ele serve? Saiba mais sobre a sífilis e a neurossífilis e entenda quando esse exame deve ser realizado.
Embora identificada há milhares de anos, a sífilis persiste como doença sexualmente transmissível comum até hoje. Segundo o Boletim Epidemiológico de DST/Aids, feito pela Secretaria do Estado da Saúde de Saúde, só no estado de São Paulo foram notificados 8333 casos de sífilis adquirida em 2013.
A sífilis é uma doença transmitida de pessoa para pessoa (ou de gestante para o bebê, na sífilis congênita) por meio de qualquer tipo de contato com lesões mucocutâneas, geralmente presentes nas regiões genitais e anais, mas podendo também ser encontradas na boca e na pele. Isso explica porque pessoas que usaram preservativo, mas praticaram sexo oral desprotegido, podem ser surpreendidos pela sífilis.
A infecção pode acontecer em qualquer local onde haja inoculação do Treponema pallidum, levando à formação de cancro indolor que mesmo não tratado e desaparece em algumas semanas. Esse estágio é denominado sífilis primária. O período de incubação (tempo entre a infecção e início deste sintoma) varia entre 10 a 90 dias.
A sífilis se desenvolve em estágios, sendo possível infectar parceiros sexuais (ou o feto) em qualquer fase da doença. Após a involução espontânea do cancro da sífilis primária, passam-se semanas a meses sem sintomas. Em seguida, acontece a sífilis secundária, fase da doença que pode (mas não obrigatoriamente) cursar com vários sintomas: febre, manchas vermelhas no corpo, em especial nas palmas das mãos e das plantas dos pés, aumento nos linfonodos, astenia, mialgia, queda de cabelos e mal estar. Mesmo que não tratados, esses sintomas também regridem espontaneamente.
A sífilis passa, então, para a fase latente, sem sintomas e que podem durar anos.
Neurossífilis
Em qualquer desses estágios da doença pode haver comprometimento do sistema nervoso central. A chamada neurossífilis recente é, em geral, assintomática, e apenas o exame do líquor é capaz de fazer este diagnóstico. Ela precisa ser tratada mesmo quando não há sintomas, pois pode evoluir para formas sintomáticas.
Passado o período de latência, que pode durar anos, a sífilis tardia traz as complicações da sífilis, podendo também acometer o sistema nervoso central (neurossífilis tardia), olhos, coração e grandes artérias, ossos, pele e outros órgãos. Tais complicações podem aparecer após um curto período de tempo ou levar décadas para se manifestar. Muitas vezes, a sífilis tardia se manifesta sem que a pessoa tenha tido qualquer sintoma nas fases primária ou secundária da doença.
Pacientes com neurossífilis recente podem ser assintomáticos ou ainda apresentar a forma meningovascular, com confusão mental, alteração do comportamento, dor de cabeça, náuseas. Nas formas tardias, pode haver comprometimento cerebral (sífilis parenquimatosa) que podem se assemelhar até mesmo com sintomas dos acidentes vasculares cerebrais, popularmente conhecidos como "derrames". As formas tardias de neurossífilis podem cursar com quadros demenciais. A demência paralítica constitui quadro dramático e não reversível, mesmo com tratamento. A tabes dorsalis é o comprometimento da medula espinhal pela sífilis e se desenvolve com alterações nos reflexos nervosos e alteração da coordenação motora e capacidade de andar.
A neurossífilis pode ainda ser acompanhada de comprometimento visual, que pode ocorrer concomitantemente ou não com problemas do sistema nervoso central.
As formas tardias de neurossífilis são menos frequentes que as formas recentes. Ela é mais frequente em pacientes infectados pelo HIV. Apesar disso, pessoas não infectadas pelo HIV também podem desenvolver neurossífilis. Considerando que nesses pacientes a doença geralmente acontece algumas décadas após a infecção, é importante lembrar que a investigação para sífilis é mandatória em todas as pessoas, inclusive idosos, com quadros demenciais.
Em pessoas infectadas pelo HIV, a sífilis pode evoluir de forma atípica e mais rápida. Por esse motivo, alguns autores sugerem que todos os pacientes infectados pelo HIV e com diagnóstico de sífilis devem ser examinados para neurossífilis. Como o exame neurológico clínico pode estar normal, apenas o exame do líquor permite com segurança determinar se há ou não comprometimento do sistema nervoso central.
O tratamento da sífilis depende do estágio da doença e do comprometimento ou não do sistema nervoso central ou dos olhos. O tratamento da neurossífilis ou do comprometimento oftálmico demanda internação por no mínimo 14 dias, com medicação endovenosa. Exames laboratoriais no sangue permitem o diagnóstico e monitoramento do tratamento.
Assim, a indicação médica para coleta de líquor em caso de sífilis, mesmo quando paciente assintomático é fundamental para o tratamento adequado e para evitar complicações e sequelas graves.
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Colheita do líquor
Segundo o Manual para Manejo das Doenças Sexualmente Transmissíveis em Pessoas Vivendo com HIV, publicado pela Secretaria de Estado de Saúde em 2011, a colheita do líquor é indicada nos seguintes casos:
- Pacientes infectados pelo HIV e com diagnóstico de sífilis e que tenham sintomas neurológicos, oculares ou de sífilis em outros órgãos
- Paciente que não responde ao tratamento
- Quadros de sífilis de duração desconhecida
- Títulos sorológicos altos
- Imunossupressão não controlada.
A coleta de líquor é realizada por um médico. É um procedimento relativamente simples, com mínimo desconforto. A punção é realizada ambulatorialmente, sem necessidade de internação, sob anestesia local. O líquor é colhido com uma fina agulha inserida no canal medular, em geral na altura lombar ou eventualmente na região suboccipital. Comparecer ao exame bem hidratado pode facilitar a sua coleta. Algumas pessoas podem sentir dores de cabeça após a punção - se de forte intensidade ou duradoura, é recomendável procurar orientação médica.