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Existem muitos fatores que podem influenciar nossa personalidade, como a genética, o ambiente em que vivemos e as experiências que temos ao decorrer de nossas vidas. Entretanto, um dos aspectos que contribuem para a formação de nossa essência é a família. E dentro do sistema familiar, a ordem em que você nasceu pode agir e construir o seu papel como indivíduo, isto é, até moldar a sua forma de agir.
Segundo a psicóloga Adriana de Araújo, esses papéis existem porque temos a necessidade constante de compreender nossas funções no mundo, e também de mensurar o que adquirimos para nossa essência a partir da educação, do modelo recebido pelos pais, e também pela cultura.
O filho primogênito
O filho mais velho (ou primogênito), é o único que poderá experienciar a exclusividade dos pais, pois todos os outros irmãos precisarão compartilhar a atenção de suas figuras familiares. Além disso, quando falamos sobre pais de primeira viagem, é necessário refletir sobre o cuidado acima da média que é exercido sobre as crianças.
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Pela falta de experiência na criação de um filho, os pais exercem o cuidado em dobro. Segundo a psicóloga Lia Clerot, a tendência é que os pais idealizem, sonhem e imaginem sobre como serão suas rotinas com o primogênito. Mais do que isso, os pais desejam que a primeira criança atinja as metas que eles não puderam alcançar.
"Essa criança será encorajada a ir além, a experimentar. No dia-a-dia, o espaço é todo seu, não precisando dividir ou revezar o que tem. E até com a chegada de um irmão, a soberania continua sendo estabelecida", esclarece Lia.
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É comum que quando o irmão novo sofra algum acidente ou faça algo errado, o filho mais velho seja repreendido pelos pais por não ter impedido e supervisionado o outro. Cria-se um papel de liderança em torno do primogênito.
Essa personalidade comumente está ligada ao rápido aprendizado, às realizações e ao cuidar do próximo, por conta da referência adquirida pelo contato maior com os adultos:
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Outras características do primogênito podem envolver:
- Inovação e criação
- Ação e realização
- Comportamento mais maduro e adulto
Filho do meio
O filho do meio já não são os únicos queridinhos dos pais, e têm um convívio maior com o irmão, que acaba sendo sua maior referência. Segundo Lia Clerot, pelo segundo filho ter nascido com um companheiro, ele acaba desenvolvendo a habilidade de se comunicar e conviver com o outro de forma mais assertiva, porque nunca teve a atenção apenas para si em casa.
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Outro ponto que aguça as habilidades comunicativas do filho do meio, é o fato de ele precisar negociar e se justificar com seus irmãos. Além disso, ele assume uma postura competitiva, por tentar superar o primogênito nas atividades. "Há a necessidade de ter destaque, para se mostrar como indivíduo", explica Lia Clerot.
Ao mesmo tempo, existe também uma postura conciliadora, pois há a possibilidade de estar centralizado, observando dois pontos de vista extremos, do primogênito e do caçula.
Filho caçula
Como o filho mais novo é considerado o último bebê, os pais já têm uma grande bagagem de experiência com os cuidados maternos e paternos. "Os temores da primeira gestação já foram embora. Por isso, a criança será criada de forma mais livre, sem a preocupação excessiva que o primogênito recebeu", exemplifica Lia.
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Com a liberdade que recebe, o filho mais novo acaba sendo mais criativo e experimentador, aprendendo também alguns truques e artimanhas para chamar a atenção, já que ele convive com pelo menos outras duas crianças.
Entretanto, também existe um lado negativo no papel do filho caçula: Alguns pais podem encarar a pouca idade da criança como um fator que a torna indefesa. Com o cuidado excessivo, pode-se criar uma personalidade irreverente que tem pouca responsabilidade, já que há a noção de que sempre existirá alguém cuidando de suas tarefas.
"Muitos pais enxergam o filho caçula como um eterno bebê, então ele vive numa constante situação de fragilidade e até mesmo infantilidade", afirma Lia. Outras características do filho mais novo podem envolver:
- Maior auto confiança
- Maior autoestima
- Tendência a ser bem humorado
- Comportamento leve
Filho único
O filho único compartilha um universo que mescla o do filho primogênito e do caçula. Ele tem a atenção exclusiva dos pais e carrega a representação dos sonhos de seus criadores, o que cria um perfil de liderança. Ao mesmo tempo, ele está inserido em uma vivência lúdica e protetora, o que pode fazer ele adquirir um comportamento irreverente.
Como os pais podem equilibrar a atenção para todos
Esses papéis são tão internalizados e naturalizados pela cultura, que os pais acabam os perpetuando sem perceber. Entretanto, a partir do momento em que se tem consciência da ocorrência de determinados padrões, é possível quebrá-los, potencializando a singularidade de seus filhos.
É necessário refletir se não ocorre uma grande demanda em cima do filho primogênito, ou então, se há um desequilíbrio de atenção. Realizar comparações em casa também pode causar um clima de mal estar entre os filhos, fazendo com que eles não tenham conhecimento de suas respectivas qualidades.
"Trate os filhos como indivíduos únicos, dê atenção aos seus gostos pessoais e o mais importante, converse sempre com cada um deles para conhecê-los", afirma Lia. Com isso, cria-se um vínculo emocional genuíno entre pais e filhos, de maneira em que o amor próprio torna-se uma das bases da educação.
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Origem das ordens familiares
Segundo Lia Clerot, as ordenações familiares são muito antigas, e começaram a influenciar a personalidade dos filhos por conta da importância dada ao primogênito, que, na maioria das culturas, era uma posição destinada somente ao gênero masculino.
"O homem era comumente o único privilegiado com a posição de herdeiro, além de ter a responsabilidade de cuidar da mãe e dos demais irmãos", explica a especialista. Na ausência do pai, o primogênito assumia a posição de "chefe" da família, além de ter diversos benefícios.
Um exemplo disto é a cultura judaica. Lia explica que dentro dessa sociedade, o primogênito tinha o direito de ter sua herança duplicada e também de se tornar líder espiritual e social. Os textos bíblicos enfatizam o filho mais velho e são um claro reflexo dessa época.
Um pouco mais a frente, este exemplo se repetia nas comunidades monárquicas e imperialistas, com a condição de primogenitura sendo determinante para a sucessão do poder.
"Durante a Idade Média, o filho mais velho se destinava ao trono, os do meio eram geralmente preparados para a cavalaria, e os mais novos para servir à Igreja", aponta Lia. No caso das meninas, as mais velhas eram destinadas a se casarem, para que pudessem fortalecer alianças entre reinos. Já as mais novas eram criadas também para a Igreja, a fim de se tornarem freiras.
Dessa forma, percebemos que não somente a criação determina uma parte de quem somos, como também a história exerce uma grande influência nos papéis que nos são concebidos. É uma herança cultural que carregamos conosco, e que molda nossas personalidades e quem nos tornaremos.
Como não ser definido por um papel familiar
Olhe para dentro de você, e questione o seu comportamento. Caso você perceba que vive de acordo com o que lhe foi estabelecido, há como alterar a situação. Mas antes de tudo, aceite quem você é hoje.
É comum querer ser diferentes do que somos. Mas este não é o pensamento mais saudável. Devemos procurar nos tornar versões melhores de quem somos, assumindo a totalidade de nossas personalidades, nos permitindo errar e sentir emoções negativas.
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Caso você sinta que precisa ser sempre o líder, permita-se deixar outras pessoas no comando, mesmo que isto lhe deixe desconfortável no início. No caso dos caçulas, se ao se autoavaliar lhe ocorreu que você precisa ser sempre o centro das atenções, faça um exercício que lhe retire dessa lógica. "O importante é livrar-se de pressões, estando bem com quem somos e com quem queremos ser", afirma Lia Clerot.