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O café na cama no domingo de manhã, a invasão dos filhos nas cobertas como expressão de amor incondicional e gratidão, a participação do pai que organizou toda a surpresa sem a mãe saber e abriu a porta do quarto pisando nas pontas dos pés para não acordar a esposa. Essa costuma ser a ideia que muitos de nós têm sobre o Dia das Mães. A cena é bonita e carregada de sentimentos e boas intenções. Isso ninguém discute. Mas eu tenho uma notícia para você: esse tipo de realidade se apresenta com mais frequência nos filmes e peças publicitárias do que na vida real.
Não que esse tipo de surpresa não aconteça, mas para uma grande quantidade de mães a rotina de criar um filho não é tão cinematográfica. Café na cama, só se for a xícara do dia anterior no móvel ao lado. No quarto, o silêncio, ou talvez o choro do berço, que mostra que é novamente hora de acordar. Neste cenário o pai não está presente e tudo fica por conta da mãe.
Mães que caminham sozinhas
A socióloga Ana Liési Thurler, que também é feminista, mãe solo e autora do livro "Em nome da mãe. O não reconhecimento paterno no Brasil", explica que mães solo traduzem modos de vida contemporânea que mulheres - sendo mães - podem ter. Existem diferentes aspectos que podem ajudar a caracterizar essa experiência.
De acordo com ela a maternidade solo pode se dar de diferentes formas, como quando ocorre a adoção de uma criança; ou gerando filhos por inseminação artificial sem ter parceiro ou parceira, ou, ainda, quando em um relacionamento ocorre uma gravidez e o parceiro não manifesta disposição de assumir a criança, mas a mãe faz a opção de levar adiante a gravidez e ter a criança como uma empreitada solo.
A psicóloga Alessandra Veiga, criadora do Grupo Terapêutico de Mães Solo, de Belo Horizonte, completa dizendo que a mãe solo é aquela mulher que cria seu filho sozinha, sem a divisão justa com o pai da criança ou companheiro."A mãe solo está sozinha de alguma forma, pode ser financeira ou emocionalmente. A conta da mãe solo não fecha, ela sempre está se doando aos filhos mais do que o parceiro se doa."
Dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, mostram que 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento. Da mesma forma, mais de 80% das crianças têm como primeiro responsável uma mulher. Além disso, as mães são chefes de família em mais de 40% dos lares brasileiros, significando em torno de 60 milhões de domicílios.
"Diante desses dados podemos pensar que na maioria dos casos não são as mulheres que se distanciam dos pais e sim os homens que não assumem a paternidade emocionalmente e muito menos financeiramente", alerta Alessandra.
Mãe solo é diferente de mãe solteira
Durante muito tempo usou-se a expressão mãe solteira para categorizar mulheres que criam seus filhos sozinhas. No entanto, de acordo com a socióloga Ana Liési, a expressão mãe solteira, associa a maternidade a estado civil, sugere falta, carência e não acolhe a pluralidade de situações que, atualmente, estão ligadas à maternidade.
A psicóloga Alessandra conta que é possível encontrar mães solo casadas, separadas, viúvas, por opção, por adoção e cada uma tem sua história.
"Definitivamente, a maternidade não é um estado civil. Essa vinculação interessa ao patriarcado que pretende legitimar nascimentos, que ocorreram estritamente no interior do casamento, o que fere frontalmente nossa Constituição de 1988, que baniu toda adjetivação para filho. Até então se falava em filho legítimo, filho ilegítimo", destaca Ana Liési
Gravidez solo
Sarah Batista é uma jovem de 25 anos, que está grávida de 20 semanas. Ela conta que teve um breve relacionamento com o pai de seu filho. "Conheci o pai do meu bebê por meio de uma tia que mora em Portugal. Ela nos apresentou pelo Facebook. Conversamos por alguns meses e eu fui visitá-lo. Iniciamos um relacionamento e um tempo depois eu engravidei", explica.
No entanto, quando contou que estava grávida o pai não aceitou bem. "Ele sugeriu que eu fizesse um aborto, mas decidi seguir com a gravidez. Decidi voltar ao Brasil quando estava com 10 semanas. Minha situação atual está bem difícil, não estou trabalhando e dependo totalmente dos meus pais".
Apesar dos desentendimentos iniciais, Sarah conta que o pai se arrependeu e que tem mantido contato com ele. No entanto, mesmo com ele se mostrando presente, ela não se sente confortável em pedir ajuda.
Além disso, ela se preocupa se conseguirá dar conta de cuidar do seu bebê, caso não tenha a presença do pai. "Há momentos em que só consigo chorar e dormir. Busco muita força em Deus e tento pensar no meu filho. Acho que se não fosse por isso, por saber que tem uma vida em mim que não tem culpa de nada e que tem sido a razão da minha felicidade, talvez já tivesse cometido qualquer loucura."
Sarah conta que costuma ir sozinha em suas consultas e diz que não sente preconceito, mas tristeza ao ver outras grávidas acompanhadas dos parceiros. Mesmo oscilando entre incerteza e esperança, ela conta que prefere se manter forte e otimista, pois sabe que seu bebê vai precisar muito dela. E acredita que seu ex-companheiro poderá ser um bom pai para o seu filho.
Alessandra diz que cada mulher pode lidar com a gestação de um jeito. "Depende do recurso emocional que a mulher tem para passar por essa gestação. Se pensarmos nas mulheres que engravidaram contando com a presença do homem, a solidão durante a gestação poderá ser vivida de uma forma pesada e até mesmo adoecida. De qualquer forma, ao longo dos meses, essa mulher pode ter entendimento de que ela pode viver a gestação e tudo de belo que ela traz, mesmo estando sem um parceiro", explica.
A funcionária pública Michele Alves, 35 anos, mãe da Helena, hoje com 4 anos também passou por uma gestação e maternidade solo. "Eu tinha um relacionamento ocasional com o pai da minha filha que durou 8 anos Na semana que engravidei, não sabia que estava grávida e fiquei desempregada, um ano depois a empresa da minha mãe faliu. Logo que anunciei a gravidez as pessoas me perguntavam se eu ia casar. Da mesma forma tinha que justificar a ausência do pai, tive que lidar com o preconceito das pessoas ao meu redor. Isso me magoava muito, sentia que tinha que justificar para as pessoas."
De acordo com a psicóloga Tarsila Leão, doula, educadora perinatal e fundadora da A Mama, onde atua com psicologia da gravidez, parto e puerpério, passar por uma gravidez solo pode implicar uma série de constrangimentos à mãe, - desde o abandono do pai, o julgamento da família, círculo social e até mesmo profissionais de saúde.
"Infelizmente existe muito julgamento por parte dos profissionais de saúde, que se sentem no direito de condenar a mãe por não ter um parceiro. Nos exames e no parto são momentos em que a mulher precisa de apoio e se não tem é culpada por isso, como se fosse uma mulher qualquer que engravidou por vontade própria", explica.
De acordo com ela, esse tipo de violência gera um estresse muito grande em momentos em que a mãe precisa estar confiante e relaxada. "No momento do parto, se a gestante passa por situações constrangedoras pode produzir hormônios de fuga, como adrenalina, diminuindo assim a produção de ocitocina, necessário para a produção de leite materno. Isso pode ter um forte impacto na amamentação, prejudicando a mãe e o bebê", completa.
Mãe de primeira viagem e sozinha
Michele explica que o pai de sua filha nunca foi presente. "Quando minha filha nasceu, eu preferi registrar sozinha. A última vez que o pai da minha filha a viu, ela tinha 7 meses, hoje ela tem 4 anos. Recebia 100 reais de pensão dele. Eu queria que ele fosse presente, mas ele dizia que morava muito longe".
A realidade de ser mãe solo é por vezes dura, é uma vida isolada. Michele comenta que quando precisa fazer algo e deixa sua filha com alguém, as pessoas pensam que ela foi bater perna. "Da mesma forma, me sinto constrangida nas reuniões da escola, pois há muito preconceito por eu não ter um marido. Quando chega o dia dos pais é horrível, já me ofereci para participar da comemoração, mas não me permitiram. Essa situação não afeta somente a mim, mas também minha filha", desabafa.
Michele diz ainda que houve momentos em que ela falava vários nomes de homens que poderiam ser o pai dela, na verdade, esses nomes eram dos pais das amigas dela. Hoje digo que o pai dela a ama, mas mora longe.
Mesmo contando com a ajuda da mãe, Michele revela que com suas obrigações não sobra muito tempo para cuidar de si "Eu fico muito tempo sem sair, acho que consigo ter um tempo de lazer fora de casa cerca de duas vezes por ano. Já escutei as pessoas dizendo que eu ia vadiar, para eu tomar cuidado para não engravidar na balada. A verdade que é uma guerra lá fora. Eu tento me fortalecer com apoio psicológico, preciso estar forte, pois quando o preconceito me atinge também atinge minha filha"
A fundadora do Grupo Terapêutico de Mães Solo, de Belo Horizonte, diz que vivemos em país cujo pensamento patriarcal leva as mulheres a viver a maternidade solo sem se darem conta do quanto isso é injusto. "Em uma sociedade machista quem cuida dos filhos é a mãe e o pai tem somente o papel de provedor. A mulher que se reconhece como mãe solo, quase sempre está fragilizada e cansada."
Apesar das dificuldades, Michele cogita ser mãe solo novamente, mas desta vez, por escolha. "Vou explicar às pessoas que o pai veio de um potinho de vidro".
Qual o papel do pai no desenvolvimento de uma criança?
Antigamente era muito comum associar o papel do pai como provedor financeiro da família. Com as mulheres ocupando posições no mercado de trabalho e ganhando seu próprio dinheiro e também em vista da busca das mulheres por equidade dentro dos lares, é necessário que o pai tenha uma participação ativa na rotina de criação de um filho. "Precisamos desconstruir a ideia de que pai é ajudante, ele precisa ser participante nas tarefas do lar e no contato afetivo com os filhos", explica a psicóloga Tarsila Leão.
A questão é que atualmente existem diferentes configurações de família e o modelo tradicional conhecido como mãe, pai e filho não é a única possibilidade de interação. Sendo assim, o papel do pai, na visão de Alessandra, não precisa ser desempenhado unicamente por uma figura masculina.
"A figura do pai ou de quem exerce essa função, independente do gênero ou grau de parentesco, sempre será de acolhimento. Quem desempenha essa função também é responsável pela introdução da criança na sociedade, é aquela pessoa que apresenta o mundo para a criança e ensina as primeiras regras para que a criança se torne um ser social."
Uma casa de mães solo
Quando a profissional autônoma Stella se divorciou sua filha tinha três anos. "Era um casamento como outro qualquer. No entanto, eu já criava minha filha sozinha mesmo casada, meu marido era mais um filho adulto do que um pai."
Após o divórcio, ela se viu sozinha e precisou ir morar com a mãe. Como havia abandonado sua carreira há três anos, - era cineasta - tentava fazer freelas, mas sua disponibilidade de tempo era curta. Decidiu abrir próprio negócio e criei um brechó infantil virtual.
"Assim que me divorciei, meu marido ficou livre e conseguiu focar na carreira dele. Eu fiquei com minha filha cuidando dela sozinha durante um ano. Quando saiu a pensão ele pagava a escola dela e passou a ficar com ela a cada 15 dias aos finais de semana", conta.
Stella conta que, mesmo passando pelas dificuldades comuns que as mães solo passam, criou um vínculo com outras mães solo e viu nisso uma oportunidade. "Há dois meses consegui sair da casa da minha mãe e aluguei uma casa com uma amiga que também é mãe solo. Minha casa é uma moradia piloto de um coletivo de mães solo, nossa ideia é virar uma rede de apoio para essas mulheres e mostrar que podemos nos ajudar", conta.
Em sua rotina, Stella e a amiga dividem as tarefas, as despesas e o cuidado com as crianças. Para ela, muitas mulheres acreditam que não têm a possibilidade de serem mães solo e permanecem em casamentos infelizes.
"A família da mãe solo é somente mais uma forma de se viver. A aceitação de um novo modelo familiar, fora dos moldes impostos como corretos é uma luta muito recente. Hoje as mães solo já estão começando a entender que independente de seu estado civil o parceiro tem obrigações e direitos com os filhos. E cabe a cada mulher lutar pelo seu espaço, pois cada uma sabe como sua relação está construída,", conta Alessandra.
Vozes solo em coro
O fato de uma mãe ser solo não significa que ela precise valer por dois ou precisar da conta de tudo sozinha. Atualmente existem coletivos e organizações que visam formar uma rede de apoio às mães solo. Nestes grupos é possível receber acolhimento, trocar experiências, receber orientações, encontrar respostas e se conectar com outras pessoas e se fortalecer.
A mãe solo precisa de uma rede de apoio, precisa aceitar receber uma ajuda alternativa, para que sua vida flua e que ela possa voltar seu olhar e interesse para outros campos de sua vida fora da maternidade. Essa rede de apoio é fundamental na logística e descanso da mãe solo.
Uma comemoração entre mães e filhos
Talvez o dia das mães das mulheres que optaram por uma maternidade solo não seja o de receber café na cama e o carinho de seus maridos. No entanto, a possibilidade de serem donas de suas vidas, terem autonomia para escolherem o que é melhor para elas e seus filhos e perceberem que mesmo diante de diversas dificuldades elas podem olhar para suas crianças e ver que eles estão se desenvolvendo graças a elas, certamente dá um sentido mais bonito para a vida.
Michele disse que pretende comemorar a data com as mulheres de sua família, sua mãe e sua filha, com a certeza de que têm tudo que precisam. Já Stella, gosta de olhar para sua filha e se fortalecer. Sarah, ainda é gestante, mas aguarda com carinho e cuidado seu bebê que, segundo ela, ainda está embrulhado.
Independente de como cada mulher comemore o dia das mães é importante que cada mulher se orgulhe de seus feitos, não apenas por ter trazido uma vida ao mundo, mas por tantas vezes terem suportado dificuldades, julgamentos e privações por amor aos seus filhos.