Ginecologista e Obstetra. Médica Assistente do Ambulatório de Reprodução Assistida da Faculdade de Ciências Médicas da S...
iA relação entre doenças somáticas e psíquicas vem sendo estudada há décadas, sendo estas patologias sendo cada vez mais relacionadas entre si. Em relação à fertilidade, inúmeros são os fatores que podem alterá-la. No entanto, 5% dos diagnósticos de infertilidade são denominados "infertilidade sem causa aparente" (ISCA), quando não encontramos uma causa orgânica associada.
No universo da psicologia, por muito tempo, casos de infertilidade sem causa aparente foram associados a conflitos inconscientes em relação à gestação e à maternidade, principalmente, relacionados à figura materna e ao medo de reproduzir um modelo tido como ruim.
Considerando a interação corpo-psiquismo, supõe-se que a infertilidade tem causa combinada. O psíquico influencia no corpo biológico, assim como o sofrimento do corpo influencia na mente.
Diversos estudos relatam que o estresse e a ansiedade podem alterar certas funções fisiológicas relacionadas à fertilidade, formando um ciclo vicioso que se retroalimenta, pois a infertilidade e seus tratamentos podem causar graves danos psicológicos ao casal.
Fatores hormonais da ansiedade e da infertilidade
O núcleo arqueado, localizado no hipotálamo, é o principal local de produção do hormônio GnRH, essencial no funcionamento do eixo hipotálamo-hipofise-ovário, que induz a ovulação e, assim, o ciclo menstrual. O núcleo arqueado recebe vários circuitos neuronais do sistema límbico, responsável pelas emoções, que podem modificar a intensidade e a frequência dos pulsos de GnRH.
A alteração desses pulsos leva à inibição do eixo hormonal que estimula o ovário, explicando as várias formas de alterações menstruais observadas em mulheres submetidas a fortes impactos emocionais. Na dependência da intensidade e duração desses estímulos, as mulheres podem, inclusive, desenvolver amenorreia hipotalâmica funcional ou anovulação crônica hipotalâmica, quando não menstruam ou não ovulam.
Diversos estudos observaram que estressores físicos ou emocionais atuam sobre o hipotálamo, alterando a secreção de fatores liberadores ou inibidores de hormônios hipofisários.
Mais ansiedade, menos fertilidade
Em estudo realizado em 2011 com mulheres que estavam começando a tentar engravidar, utilizou-se os biomarcadores cortisol e alfa-amilase salivar como medida de estresse dessas mulheres, que foram acompanhadas por um período de 12 meses.
O resultado revelou que mulheres que apresentaram níveis de estresse mais elevados (evidenciados através do exame de alfa-amilase salivar) acabaram reduzindo sua fecundidade em 29% comparado ao grupo de mulheres com menor nível de estresse. Além disso, apresentaram 2 vezes mais riscos de infertilidade.
Nos homens, foram encontrados prejuízos na fertilidade em função da ansiedade, uma vez que níveis mais altos de ansiedade e estresse podem mudar a função testicular por alteração na produção de testosterona e pelo menor volume seminal e contagem, concentração e motilidade dos espermatozoides. Outro efeito nocivo do estresse é a queda no desejo sexual (libido) e alterações na ereção, diminuindo o número de relações sexuais do casal.
Ansiedade e FIV
Em relação à fertilização in vitro (FIV), que é um dos principais tratamentos para a infertilidade, a literatura revela que a ansiedade, e também a depressão, não estão relacionadas a resultados negativos no tratamento. No entanto, observou-se que as falhas de tratamento podem ocasionar ansiedade e depressão.
Diversos pesquisadores da área utilizaram anteriormente o "Inventário de Ansiedade Traço-Estado IDATE" para avaliar como a ansiedade poderia influenciar o eixo hipotálamo-hipófise-ovário. As avaliações apontam que, quanto maior o grau de ansiedade, avaliado por esse método subjetivo, menor a chance de gravidez em mulheres submetidas à inseminação artificial.
As alterações emocionais podem ser consequência e/ou alterarem a infertilidade do casal, e o trabalho psicológico deve sempre ser orientado, buscando ajudar os pacientes a enfrentarem todo esse processo. Entretanto, a influência dos estados psicológicos sobre a função reprodutiva apresenta um perfil multifatorial, sendo muito difícil determinar relações lineares de causa e efeito.
Além disso, as alterações hormonais ao estresse dependem do grau de ansiedade do indivíduo, sendo observadas respostas hormonais mais intensas quando há maior grau de ansiedade.
Diminuindo a ansiedade
Terapias com especialistas e medidas que auxiliem na diminuição da ansiedade (como meditação, exercícios físicos, acupuntura, yoga) são medidas que devem ser adotadas para melhora do quadro.
A ansiedade aparece, muitas vezes, por medo de não conseguir gestar. Saber que há diversos tratamentos para infertilidade pode diminuir a ansiedade, melhorando as perspectivas em relação à concepção. A conexão entre estresse, ansiedade e infertilidade ainda precisa de mais estudos para consolidar-se.