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A saúde da mulher no Brasil por muitas vezes não foi tratada como prioridade. Isso ficou ainda mais nítido com a pandemia. Desde a chegada da COVID-19, problemas já existentes nos serviços de saúde - que afetam a vida de milhares de meninas, adolescentes e mulheres - foram ainda mais evidenciados. Serviços de saúde sexual e reprodutiva, por exemplo, foram adiados e isso trouxe consequências.
Por conta disso, o projeto "La Salud Reproductiva es Vital" tem trabalhado com o objetivo de monitorar as respostas que os Estados da América Latina têm dado para garantir o acesso aos serviços de saúde reprodutiva.
A iniciativa desenvolveu uma pesquisa a fim de influenciar as ações dos Estados em meio à pandemia de COVID-19, buscando evitar problemas como violência de gênero, gravidez forçada, aumento nas taxas de mortalidade materna, incidência de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis, entre outros.
Confira mais sobre a pesquisa no cenário brasileiro:
A pesquisa
A pesquisa coletou dados sobre cuidados de saúde sexual e reprodutiva no Brasil entre os meses de janeiro e outubro de 2020. Para dados epidemiológicos, se concentraram entre janeiro e julho de 2019 e de 2020, para que os números fossem comparados a fim de mensurar os efeitos da pandemia.
Os dados coletados para a pesquisa apontam três grandes problemas na atenção à saúde sexual e reprodutiva:
- Ataque às políticas públicas sobre o aborto legal e suas consequências
- Falta de políticas específicas para as populações vulneráveis mais afetadas pela pandemia
- Altas taxas de mortalidade materna associadas à COVID-19.
Em agosto do ano passado, os ataques políticos ao aborto legal se intensificaram. Em relação às altas taxas de mortalidade materna, o governo tentou ações muito tardiamente, somente em agosto e setembro de 2020.
O projeto La Salud Reproductiva es Vital tentou contato com o Ministério da Saúde para obter informações sobre a situação de suprimentos e consultas, mas não obteve respostas. Além disso, notaram que há uma omissão de informações sobre aborto legal, contracepção e assistência pré-natal. De todas as perguntas enviadas sobre os serviços de saúde reprodutiva, o Ministério da Saúde respondeu diretamente apenas às perguntas sobre testagem e tratamento para IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e HIV.
Para conseguir dados dos outros serviços, a pesquisa precisou coletar informações em pesquisas de mídia independente e por meio de perguntas aos profissionais de saúde.
"Verificamos que alguns dos serviços que nos responderam afirmaram que mantiveram o seu funcionamento durante a pandemia, embora sem adaptações específicas ao contexto da crise sanitária. Também é importante destacar que os serviços que nos atenderam foram provavelmente aqueles em que os profissionais de saúde têm se esforçado para manter a continuidade do cuidado, não representando a realidade de todos os serviços do país", diz o estudo.
Ministério da Saúde
Em junho do ano passado, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica sobre os direitos de meninas e mulheres, reforçando a necessidade de manter serviços de saúde sexual e reprodutiva, que devem ser considerados essenciais e oferecidos frequentemente para adolescentes e mulheres. Entre eles, citaram serviços relacionados a fatores como:
- Violência sexual
- Acesso à anticoncepção de emergência
- Direito de meninas e mulheres adolescentes à saúde sexual e reprodutiva e ao aborto seguro para os casos previstos em lei
- Prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, incluindo diagnóstico e tratamento de HIV e outras ISTs e contracepção como necessidade essencial.
No entanto, alguns dias após a publicação, a nota foi retirada do ar e os integrantes da equipe responsável por ela foram demitidos de seus cargos. O estudo afirma que depois desse ocorrido, não foi possível identificar ações reais em nível federal que explicassem a necessidade da saúde reprodutiva no contexto da COVID-19, exceto algumas medidas tardias para lidar com o número alarmante de mortes maternas.
Dados
A pesquisa mostra como o atual cenário brasileiro está retrocedendo em respeito às principais conquistas na área dos direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres. Esse retrocesso se intensificou ainda mais com a crise de saúde pública no país.
"Podemos constatar que a saúde de meninas e mulheres não é prioridade no desenvolvimento de estratégias para reduzir os impactos da pandemia no Brasil. Isso ficou evidente em junho, quando o Ministério da Saúde publicou nota técnica reiterando a essencialidade dos serviços sexuais e de saúde reprodutiva no país, que foi retirada poucos dias depois", justifica a pesquisa do projeto La Salud Reproductiva es Vital.
Confira os principais dados coletados pela pesquisa:
1. O Ministério da Saúde emitiu em agosto de 2020 uma nova portaria que cria obstáculos para acessar o aborto legal em casos de estupro. Dessa forma, a nova portaria obriga profissionais de saúde notificar a autoridade policial como condição para a realização do procedimento de aborto, com preservação das provas do crime de estupro. Essa ação vai contra o dever do sigilo profissional, que está previsto na lei;
2. Entre janeiro e junho de 2020 ocorreram mais abortos legais quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Nos primeiros seis meses de 2020, foram registrados 1.040 abortos no país, enquanto em 2019 foram 938. O estudo acredita que esse número se dá pelo aumento dos casos de violência sexual e obstáculos à profilaxia de emergência;
3. O número de denúncias de violência sexual foi menor em 2020 do que em 2019, mas a pesquisa pressupõe que isso não ocorreu pela redução da violência e sim pela maior dificuldade de acesso aos canais de denúncia;
Saiba mais: Os diferentes tipos de violência contra a mulher
4. Houve redução no número de hospitais que oferecem o serviço de aborto legal no país. Dos 76 hospitais que informaram realizar o procedimento em 2019, apenas 42 disseram que manteriam o serviço durante a pandemia;
5. A pesquisa notou falta de ações que garantem a segurança e a saúde das gestantes e puérperas durante o período da pandemia. A demora na elaboração de protocolos, na divulgação de informações e na ajuda às mulheres no isolamento social durante a pandemia somam-se à falta de insumos para o tratamento de mulheres infectadas;
6. Em julho de 2020, o Brasil foi responsável por 77% das mortes maternas por COVID-19 no mundo. O Ministério da Saúde registrou em agosto 2.718 casos de grávidas infectadas pelo coronavírus, das quais 155 morreram. Entre as puérperas, 713 foram infectadas e 122 morreram. Vale destacar que a maioria das mortes foram de mulheres negras e pobres;
7. Nenhum ajuste foi feito para facilitar o acesso a serviços para as populações mais vulneráveis, como meninas, pessoas que vivem na pobreza e povos indígenas dentro do país. Além disso, não foram criadas diretrizes específicas sobre o uso da telessaúde (telemedicina) nos serviços de saúde sexual e reprodutiva, agravando a situação de pessoas que precisam de informações e cuidados, mas também enfrentam obstáculos de mobilidade e medo de acessar os serviços.
O cenário do retrocesso
A editora da ONG Think Olga, Amanda Kamanchek, explica que a pesquisa La Salud Reproductiva Es Vital, realizada por várias organizações na América Latina, como a Anis Bioética, evidencia uma série de retrocessos já em andamento nos direitos sexuais e reprodutivos desde o começo da pandemia.
"O que já estamos vendo como resultado desse agravamento é o aumento da mortalidade materna no Brasil, uma vez que os exames de pré-natal não estão sendo feitos com a mesma atenção. Além da dificuldade no acesso ao aborto legal, é o caso de meninas que engravidaram em decorrência de estupro que não estão tendo acesso ao serviço em hospitais como deveriam. Sem contar a dificuldade de obter informação e acesso a métodos contraceptivos", pondera.
Segundo ela, a previsão com tudo isso é que haja mais gravidezes indesejadas de meninas e adolescentes e mais vítimas do casamento infantil também. "Dados da UNICEF já mostram, por exemplo, que 10 milhões de meninas a mais estão em risco de casamento infantil no mundo por conta da pandemia de COVID-19", completa Amanda Kamanchek, uma das realizadoras do Laboratório Mulheres em Tempos de Pandemia, da Think Olga.
Campanha #CompartilheOCuidado
No Mês da Mulher, o Facebook, em parceria com a organização Think Olga lança a campanha #CompartilheOCuidado. A iniciativa destaca os principais desafios de saúde das mulheres, intensificados pela pandemia do COVID-19, por meio de uma série de vídeos no Watch, um filtro de realidade aumentada (AR) e um conjunto de figurinhas e stickers no Facebook e Instagram. Saiba mais sobre a campanha aqui!