Redatora especialista na cobertura de saúde, bem-estar e comportamento.
Você já se sentiu um fracasso? Aquela sensação de que seus esforços nunca serão suficientes? E que, por mais que as pessoas ao seu redor façam elogios ao seu trabalho, você não consegue reconhecê-lo?
Essas sensações têm um nome: síndrome do impostor, quadro definido pelo desmerecimento dos próprios talentos e da capacidade dos seus resultados - na vida profissional, acadêmica ou em qualquer outro setor da vida.
E você sabia que a síndrome do impostor atinge muito mais mulheres do que homens? É o que explica a psicanalista Mariana Deperon, sócia-diretora da Travessia-Estratégia em Inclusão e escritora do livro "Eu, Impostora?' (Edição independente, 2021).
O que é a síndrome da impostora?
Conforme explica a psicanalista Mariana, a síndrome do impostor é um conceito criado por Pauline e Suzanne e, no caso de mulheres, consiste em pensamentos sistemáticos e recorrentes naquelas que não se consideram inteligentes e bem-sucedidas.
"Embora não lhe faltem fatos comprovando seus excelentes desempenhos acadêmico e/ou profissional. Em meio a trabalhos com mais de 150 mulheres com sucesso em suas carreiras profissionais - alunas/profissionais reconhecidas em suas respectivas áreas de atuação e com excelência acadêmica, profissionais de renome e ganhadoras de prêmios, as psicólogas observaram que essas mulheres não se sentiam dignas e merecedoras de sucesso, atribuindo muitas vezes o bom desempenho a aspectos externos e não às suas conquistas e trajetórias pessoais", explica Mariana.
Por que a síndrome do impostor atinge mais mulheres do que homens?
De um modo geral, Mariana afirma que é possível dizer que a síndrome do impostor atinge muito mais mulheres do que homens por questões estruturais de uma sociedade patriarcal, machista.
"Nela, mulheres não têm os mesmos direitos nem oportunidades. O sistema patriarcal, que é marcado por opressão, inferiorização e objetificação da mulher, traz diversas consequências a elas, inclusive no que se refere à autoestima. A síndrome, que gosto de chamar de fenômeno, acaba acometendo mais fortemente as mulheres", reflete a psicanalista.
Ela ainda lembra como esse sentimento de fracasso está relacionado a uma divisão desigual do trabalho em casa. Isso porque, embora a participação feminina na força de trabalho esteja próxima a dos homens na maioria dos países industrializados, com pagamentos inferiores pelas mesmas funções, as mulheres continuam a desempenhar uma parcela desproporcional de cuidados nos lares.
"As mulheres são responsáveis por 76,2% de todas as horas de trabalho não remuneradas. O custo dessa desigualdade é caro demais para as mulheres. Sobrecarregadas com tantos papéis, elas, além de terem que se desdobrar para dar conta e das contas que não fecham, precisam sempre, tanto socialmente quanto no meio corporativo, terem que provar para serem reconhecidas. E, quando são, finalmente, valorizadas, devem fazer ainda mais para que possam permanecer onde estão. É um ciclo vicioso e exaustivo", diz Mariana.
A psicanalista enfatiza também o fato das interseccionalidade acentuarem ainda mais a síndrome do impostor em mulheres. "As desigualdades são maiores para as mulheres que somam 'preconceitos e opressões'. São, portanto, mais danosas às mulheres trans, negras, indígenas, lésbicas, bissexuais, pansexuais e assim por diante (...) Uma mulher branca tem mais privilégios na nossa sociedade que uma mulher negra, por exemplo. As opressões se somam e isso acaba refletindo de forma diferente em um ou outro grupo de mulheres. Pensar sobre mulheres é pensar sobre os mais variados sistemas de opressão que se relacionam com grupos dentro da 'categoria mulher'."
Impactos da síndrome do impostor
Quando a síndrome do impostor é uma realidade, seus impactos na vida de quem convive com o quadro costumam ser ansiedade, frustração e angústia"De uma forma geral, isso afeta a saúde mental das mulheres e, consequentemente, os efeitos disso são muitos', indica Mariana.
Como lidar com a síndrome do impostor?
Para quem convive com a síndrome do impostor, Mariana lista algumas práticas do dia a dia que podem ajudar a lidar com o quadro e contornar situações de autossabotagem. Confira:
- Nunca diga que teve sucesso em um projeto por sorte ou pelo acaso
- Nunca diga que teve sucesso porque você é dedicada, organizada e comprometida (convenhamos isso é fundamental)
- Crie o seu 'business case' para pleitear uma promoção ou um aumento no prazo de seis meses, a partir de agora
- Liste todas as suas conquistas desde pequena até agora e mantenha essa lista visível. Toda vez que o fantasma da impostora aparecer, pegue a lista e leia em voz alta
- Sente na cadeira quando for promovida e, quando estiver diante de um projeto, uma tarefa, o que for, você será a responsável por ela e por todos os efeitos (sucessos e fracassos), sem culpa, com aprendizados
- Não deixe mais nenhum homem te interromper ou se apropriar de suas ideias. Se isso acontecer, converse com ele e explique que se trata de microagressões
- Se você errar, conserte o erro, mas pare de ficar pedindo desculpas por tudo a todos o tempo todo
- Faça um planejamento da sua carreira, a partir de tudo que você já conquistou
- Não fale mal de outras mulheres
- Desenvolva a sororidade e apoie mulheres, contrate mulheres, desenvolvam mulheres, indique mulheres, promova mulheres, mesmo que elas não sejam suas amigas
- Sororidade não é amizade
- Você vai ser catalisadora da igualdade de gênero
- Veja o que está acontecendo na sua comunidade, no seu trabalho, na escola dos seus filhos, no seu prédio, no seu bairro e pense como é que você pode trabalhar em prol da causa
- Existem várias coisas que podemos fazer para acelerar a igualdade de gênero.