Priscilla Martins atua como psicóloga no Instituto Castro. Graduada em Psicologia e specialista em Terapia Cognitiva Com...
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É muito comum que, em relacionamentos interpessoais, ocorram atritos e desentendimentos, especialmente em relações amorosas. Todavia, quando o contexto envolve a manipulação e a distorção da realidade para gerar medo e insegurança, estabelece-se um abuso psicológico chamado de gaslighting.
O termo gaslighting, que não possui tradução definitiva para o português, refere-se a uma forma extremamente eficaz e sutil de abuso emocional na qual o agressor manipula, distorce e omite informações com o objetivo de que a vítima questione a sua sensatez, os seus sentimentos e a sua sanidade.
Como consequência, a pessoa pode apresentar dificuldades emocionais, de memória e problemas em seus relacionamentos interpessoais.
“O agressor age de forma repetida para desgastar a autoestima e a confiança da mulher, menosprezando suas opiniões e gostos, destruindo sua autoimagem positiva, anulando seus desejos próprios e enchendo-a de medo e dúvidas sobre si, seu valor, suas capacidades pessoais e até sua sanidade”, explica a advogada militante Paula Duran no artigo “Violência Doméstica: 12 anos da Lei Maria da Penha”.
O gaslighting é uma forma de violência psicológica que pode ocorrer acompanhada de outros tipos de abuso, tais como violência física, moral, patrimonial e sexual.
Gaslighting é mais comum em mulheres
O termo gaslighting surgiu após o filme Gaslight, ou À Meia Luz, baseado na história de um marido que tenta de inúmeras formas enlouquecer a sua esposa, criando situações e mudanças no ambiente da casa até que ela questione a sua sanidade. A intenção é ficar com a sua fortuna.
Embora possa ocorrer com qualquer pessoa, é possível observar que existe uma frequência maior de vítimas mulheres para esse tipo de abuso por uma série de questões, inclusive a cultura patriarcal que imputa que mulheres têm menos controle emocional.
“De forma bastante cruel, a vítima vai se deixando abusar, pois não tem consciência de que está sendo violentada psicologicamente e passa a podar seus próprios atos para não desapontar ou desagradar o algoz”, aponta o artigo de Paula Duran.
Como identificar uma situação de gaslighting?
De acordo com Priscilla Martins, psicóloga do Instituto Castro, existem alguns sinais e comportamentos típicos que podem ajudar a identificar uma situação de gaslighting. Segundo Priscilla e o psicólogo Ricardo Milito, são eles:
- O agressor dirá mentiras com frequência;
- O agressor sempre usará a negração;
- O abusador irá questionar a sanidade da vítima frequentemente;
- Podem utilizar algo próximo ou estimado pela vítima para causar confusão;
- O agressor pode fingir que não compreende o que a vítima quer dizer;
- Normalmente, suas ações não combinam com suas palavras;
- O abusador tem dificuldade de reconhecer suas falhas;
- O abusador desvalida e menospreza os sentimentos da vítima;
- O abusador sabe que a confusão enfraquece a vítima;
- É costume do abusador colocar a vítima contra outras pessoas;
- O abusador projeta e reforça a visão de que as outras pessoas são mentirosas.
Segundo o artigo “Violência Doméstica: 12 anos da Lei Maria da Penha”, a violência vem quase sempre disfarçada de bom mocismo, vitimismo, opinião, conselho ou dica. Ou seja, o agressor utiliza de situações como pretexto unicamente para “fazer o bem” e para “ajudar” a vítima. E, como em outras formas de violência, o abusador oscila entre ataques e afetos.
No geral, o abusador se mostra bastante gentil e amistoso com amigos e familiares da vítima. Como consequência, estes classificam as queixas como exagero ou fruto de uma sensibilidade exacerbada, aponta o estudo.
“O perfil de abusador emocional costuma ser de pessoas que precisam se sentir seguras, dominantes e com total controle sobre o outro. Possuem habilidade de criar situações mentirosas, fantasiosas de maneira tão real que confundem quem sofre a agressão a ponto de conseguirem estabelecer confusão mental”, esclarece Priscila Martins.
É importante ressaltar que o gaslighting é uma prática que ocorre em relacionamentos afetivos, porém, esse padrão de comportamento disfuncional pode ser reproduzido pelo agressor com amigos, colegas de trabalho e familiares, conforme acrescenta o psicólogo Ricardo Milito.
Leia mais: 9 atitudes tóxicas que as pessoas acham normais na relação
Frases mais comuns ditas pelo abusador
Além do comportamento manipulador, existem frases frequentes ditas pelo abusador que são muito comuns em situações de gaslighting. São elas:
- “Você está louca”;
- “Você é exagerada”;
- “Você não sabe o que está falando”;
- “Você não serve para nada”;
- “Você deveria estar agradecida a mim”;
- “Isso é coisa da sua cabeça";
- “Você só diz bobagens”.
Como identificar uma vítima de gaslighting?
Identificar uma vítima de gaslighting não costuma ser algo fácil de se fazer, especialmente se não houver contato muito próximo com o casal. Porém, Priscila ressalta que é possível observar comportamentos como: posicionamento da vítima, se ela se mostra confusa e muda rapidamente de pensamento sobre suas decisões quando em uma conversa sobre o relacionamento.
Segundo Ricardo Milito, a vítima de gaslighting também pode apresentar:
- Baixa autoestima;
- Medo frequente;
- Isolamento;
- Insegurança;
- Constantemente pede desculpas;
- Dificuldade para tomar decisões e colocar limites;
- Se sente confusa sobre os próprios sentimentos e opiniões.
O isolamento da vítima de gaslighting se dá quando, após um período longo de abuso, ela se convence de que não tem valor algum — o que agrava o cenário de devastação psicológica. Aos poucos, é comum que ela se afaste de amigos e familiares.
Leia mais: Baixa autoestima está muito ligada a relacionamentos abusivos
Impacto na saúde mental da vítima de gaslighting
Por se tratar de uma violência silenciosa e que inclui intenso sofrimento psicológico, a prática de gaslighting pode causar sérios danos emocionais à vítima, desencadeando problemas como:
- Depressão;
- Dores crônicas;
- Distúrbios alimentares;
- Ansiedade;
- Tentativa de suicídio;
- Fobias;
- Síndrome do pânico;
- Anulação social;
- Diminuição da autoestima e amor-próprio.
Conforme um estudo realizado em 2015, muitas mulheres que sofreram algum tipo de violência relatam transtornos e consequências psicológicas, assim como a redução da qualidade de vida e menos satisfação. Também é comum que vítimas de violência apresentem:
- Cefaleia;
- Problemas na coluna cervical;
- Náuseas;
- Tonturas;
- Picos hipertensivos.
Como sair de um relacionamento abusivo?
Os relacionamentos abusivos envolvem alguns sinais de alerta, de modo que compreender a situação e o comportamento do agressor é o primeiro passo para sair de uma relação de abuso.
“Será necessário que a pessoa comece a notar que seu comportamento está sendo manejado pelo outro de forma destrutiva, avaliando pontos que antes não tinha condições de avaliar”, aponta Priscilla Martins.
Além disso, segundo a psicanalista Raquel Baldo em entrevista prévia ao Minha Vida, existem casos de relação abusiva que não se resolvem sozinhos e necessitam de uma intervenção externa — o que ocorre em inúmeros casos de gaslighting.
Em razão disso, é recomendado buscar ajuda de um serviço de acolhimento caso a vítima se identifique em uma situação como essa. Também é possível a realização de uma ocorrência policial, a abertura de inquérito e uma ação na justiça especializada. Atualmente, a Lei Maria da Penha possibilita às vítimas o manejo de vários instrumentos de proteção e de defesa.
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