Graduada em Medicina (2006) pela Faculdade de Medicina de Santo Amaro. Especialização em Clínica Médica pelo Hospital do...
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Amamentar é muito mais do que o ato de alimentar um bebê. É um processo que envolve a interação pai-mãe-filho e que, além de promover a saúde e o bem-estar, contribui para o desenvolvimento cognitivo e emocional de toda a família.
Felizmente, a amamentação já não precisa ser exclusiva daquelas pessoas que engravidam e passam pelo parto. Para casais de mulheres e até mesmo homens transgêneros que desejam viver a experiência de nutrir um bebê, isso é possível através da indução à lactação.
A partir dessa técnica, também chamada de lactação induzida, o processo fisiológico de produção de leite ocorre intencionalmente com a ajuda de diferentes estímulos, até que as mamas da pessoa não-puerperal estejam aptas para amamentar.
De acordo com Cinthia Calsinski, enfermeira obstetra e consultora de amamentação, maternidade e parentalidade da V-Lab, os protocolos desse método envolvem desde formas não-farmacológicas, como a estimulação das mamas, até o uso de medicamentos específicos.
Como é feita a indução à lactação?
O tratamento de indução à lactação deve começar, pelo menos, seis meses antes do nascimento do bebê. Durante esse período, é realizada a administração de medicamentos anticoncepcionais, que simulam os efeitos hormonais da gestação no corpo humano, e também de remédios galactogogos (domperidona), responsáveis por estimular o hormônio prolactina, que incentiva o corpo a produzir mais leite. Com isso, a menstruação é suspensa e ocorre o aumento gradativo dos hormônios estrogênio e progesterona.
Ao mesmo tempo, a futura mamãe ou papai também deve realizar o estímulo mamário manual ou com bomba extratora de leite — hábitos importantes para aumentar os níveis de prolactina. Por fim, quando o parto estiver próximo, o uso dos medicamentos é interrompido para que o corpo entenda que o bebê está próximo de nascer.
É importante destacar que, durante o tratamento, a pessoa pode encarar alguns efeitos adversos, como mais facilidade de perder peso. De acordo com Carla Iaconelli, ginecologista especialista em Reprodução Humana, isso ocorre porque a produção de leite demanda muita energia do organismo. Ademais, a administração dos galactagogos pode causar reações adversas, como dor de cabeça, agitação e boca seca.
Alternativas ao uso de medicamentos
Para aqueles que não podem ou não querem usar fármacos para induzir a lactação, é possível ainda realizar o tratamento através do uso de fitoterápicos — que são medicamentos produzidos a partir de vegetais ou plantas medicinais com alguma ação terapêutica.
“Vale salientar que fitoterápicos também podem produzir efeitos colaterais indesejáveis e que este processo deve ter acompanhamento profissional para seu uso. Existem poucos estudos científicos sobre sua aplicação e as evidências são controversas”, acrescenta Cinthia, que também é consultora internacional de lactação pela International Board Certified Lactation Consultant (IBCLC).
Além disso, a origem natural das substâncias presentes nos fitoterápicos não torna sua ação mais rápida ou mais lenta. A intensidade do efeito desses medicamentos depende de inúmeros fatores, de forma que é importante avaliar seu uso com as orientações de um médico ginecologista.
Leia mais: Fitoterápicos: entenda como esse tipo de medicamento age
Cuidados durante o tratamento
Antes de iniciar o tratamento para induzir a lactação, é essencial buscar atendimento médico especializado com um profissional que tenha formação adequada para indicar a melhor solução para cada paciente, conforme recomenda a ginecologista Carla Iaconelli.
A amamentação induzida não deixa de ser um aleitamento cruzado nos casos em que a pessoa que amamenta não gestou o bebê. “Por isso, são recomendados cuidados em relação à triagem para doenças transmissíveis, da mesma maneira que é realizado em gestantes, por meio de exames de sangue”, explica Cinthia Calsinski.
Cuidados após o tratamento
Mesmo após o nascimento da criança, a mãe ou pai ainda pode ter perda de peso. Afinal, a amamentação representa um gasto diário de 500 calorias, em média, o que demanda uma boa nutrição para suprir esse consumo energético. “Certos alimentos são essenciais tanto para a pessoa que está amamentando quanto para a criança, que receberá seus nutrientes por meio do leite”, diz a consultora.
Portanto, é importante incluir na dieta alguns alimentos que possuem nutrientes essenciais, tais como:
- Cálcio: a ingestão diária indicada é de cerca de 1.300 miligramas, a fim de fortalecer os ossos e dentes da pessoa que amamenta e da criança. Leite, iogurte, queijos duros e aveia são alguns dos alimentos ricos no mineral.
- Proteína: a recomendação diária de consumo é de, aproximadamente, 65 gramas, mas pode variar de acordo com o peso da pessoa que está amamentando. Carnes bovinas, leguminosas, iogurte e leite são alimentos ricos em proteínas.
- Ferro: nutriente essencial para a amamentação, o ferro é capaz de prevenir a anemia na pessoa lactante e contribui para o desenvolvimento da criança. Por isso, é importante consumir carnes bovinas, peixes, feijão, sementes de abóbora e frutas secas.
- Vitamina C: essencial para o fortalecimento do sistema imunológico, tanto do bebê quanto da pessoa que amamenta, além de ajudar na absorção de ferro. Frutas cítricas, brócolis, batata, pimentão e kiwi são alimentos ricos em vitamina C.
Ademais, a especialista Carla Iaconelli ainda lista algumas recomendações importantes para o período após o nascimento do bebê, como:
- Amamente após o parto assim que possível
- Use uma bombinha extratora regularmente
- Amamente com frequência
- Verifique se a pega do bebê está correta
- Amamente com ambos os seios
- Não pule mamadas
- Fale com seu médico sobre uso de medicamentos
- Beba bastante água
Existem contraindicações ao tratamento?
As contraindicações ao tratamento de indução à lactação dependem do histórico da pessoa, quadro de saúde e outras situações particulares que devem ser avaliadas por um profissional. Por se tratar de um processo que envolve a administração de medicamentos específicos, alguns pacientes podem ter certas limitações.
Benefícios da amamentação dupla
Dividir os cuidados com o bebê pode diminuir toda a teia de estresse que permeia o ambiente pós-parto, especialmente quando existem dificuldades para amamentar — que podem surgir por inúmeras razões. Além de contribuir para o fortalecimento do vínculo entre o casal e com o próprio filho, a divisão das responsabilidades nesse contexto também promove mais segurança, bem-estar e saúde mental para as pessoas que amamentam.
“É muito difícil criar um ser humano sozinho. Nossas relações são a base para o desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor. Cada um tem a sua própria maneira e diferentes formas de fazer a mesma coisa, agregando no desenvolvimento de qualquer pessoa, principalmente de um ser em formação”, diz Cinthia.
Além disso, um benefício da amamentação dupla que vale ser destacado é a qualidade e a disponibilidade de leite para a criança. Uma vez que o casal pode dar de mamar, é possível manter a amamentação em livre demanda, prática na qual a pessoa permite que o bebê se alimente quantas vezes quiser e pelo tempo que sentir vontade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a amamentação deve ocorrer de maneira exclusiva até os seis meses de vida e, após esse período, o leite é oferecido como complemento até os dois anos de idade. Através do aleitamento, o bebê também recebe uma série de anticorpos e outras substâncias que fortalecem seu sistema imunológico, protegendo-o de inúmeras doenças.
"A amamentação dupla não somente existe, como deve ser oferecida como opção, pois não é incomum as pessoas não terem conhecimento sobre o assunto. O principal benefício é para o bebê, que vai receber o melhor leite que existe com todas as suas características incomparáveis. E para a pessoa que não gestou, há a sensação de satisfação e autoconfiança. Para ambos, existem os benefícios de vínculo, apego e contato íntimo”, finaliza Cinthia Calsinski.