Dra. Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, da Infância e Adolescência, preceptora na residência da Universidade Federal...
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O ambiente familiar desempenha um papel fundamental na formação do ser humano. Um convívio social pacífico fornece melhores condições de desenvolvimento para as crianças e adolescentes. Todavia, às vezes, aqueles que formam um lar não estão mentalmente e emocionalmente preparados. É quando se configuram as famílias disfuncionais.
Entende-se que uma família se torna disfuncional quando as necessidades materiais, sociais, afetivas e culturais deixam de funcionar corretamente — e os conflitos, a má conduta e o abuso por parte dos membros ocorrem regularmente. Como consequência, há um padrão de comportamento que é repetido e passado de geração em geração.
“Esses comportamentos acabam trazendo a essas crianças inúmeras dificuldades em diversas áreas de sua vida, seu dia a dia é tenso, estão frequentemente em estado de alerta e muitas começam, na infância, a desenvolver transtornos emocionais e transtornos psiquiátricos”, explica Liliana Seger, psicóloga clínica e doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.
Na maioria das vezes, as crianças crescem sem conseguir identificar que tais comportamentos são prejudiciais à saúde mental. No futuro, há grandes chances de reproduzirem essas características ao formarem a sua própria família, de acordo com Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, da infância e da adolescência e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
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O que leva uma família a ser disfuncional?
Diversos fatores podem condicionar uma estrutura familiar à disfunção. Em especial, a reprodução de ações e de comportamentos de pais e responsáveis que normalmente também provêm de uma família disfuncional.
Outras causas podem englobar questões socioeconômicas, tais como transtornos emocionais vindos de membros da família, dependência química de um membro ou desgaste emocional. A falta de empatia e a dificuldade afetiva também podem configurar disfunções em uma estrutura familiar, uma vez que gera falta de tolerância e excesso de culpa e julgamento.
Como identificar uma família disfuncional?
Dentro de uma família com disfunção, os membros deixam de contribuir para que o ambiente seja positivo e pacífico. Os conflitos e as crises passam a existir na estrutura, o que resulta em relações cada vez mais fragilizadas e desgastadas. Nesse contexto, uma das principais formas de identificá-la é que a disfunção se dá através de abusos.
Entende-se por abuso qualquer ato destinado a prejudicar outra pessoa que esteja em uma posição de vulnerabilidade. É quando uma pessoa usa do próprio poder sem lógica e sem moderação. Dentro de uma família, os abusos podem ser físicos, sexuais e/ou psicológicos e, em todos os casos, as consequências são graves — especialmente para os membros mais jovens.
É muito comum que, em uma família disfuncional, um ou ambos os responsáveis sejam dependentes químicos e/ou alcoólicos, ou possuam algum tipo de distúrbio emocional ou mental, como depressão e TOC. A junção desses problemas pode levar a episódios de violência doméstica, que aterroriza as crianças e aumenta o risco delas desenvolverem traumas ao longo do tempo.
“Algumas famílias têm dificuldades com empatia, outras têm inúmeros comportamentos abusivos, comportamentos muito agressivos, com ofensas, violências físicas e verbais frequentes”, aponta Liliana.
Além disso, em um ambiente como esse é muito difícil encontrar alguém capaz de entender ou validar os sentimentos dos outros. Em função disso, os membros são intolerantes com os defeitos e erros do próximo, criticando-se mutuamente diariamente.
Prejuízo emocional para crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes que vivem num ambiente disfuncional, por sofrerem com a falta de afeto dos responsáveis, tendem a esconder suas emoções e sentimentos. Se tornam pessoas introvertidas, inseguras e com baixa autoestima — o que prejudica diretamente suas relações interpessoais.
“As crianças são as que mais precisam da família. Ela é o maior fator protetivo e de risco para transtornos mentais na infância e na adolescência. Então, as crianças não se sentem seguras, elas não têm para onde correr, não têm uma figura de ligação com quem possam conversar”, aponta Danielle.
Além disso, quando há superproteção ou controle excessivo por parte dos pais, pode gerar sentimentos de inadequação, dependência passiva ou submissão. É muito provável que a criança apresente características de estresse no dia a dia e de estresse pós-traumático a médio e longo prazo.
Em alguns casos, a criança também pode crescer com um senso exagerado de autoimportância e falta de empatia, o que leva a um transtorno de personalidade narcisista. Com o passar dos anos, ela também pode desenvolver sintomas de depressão, ansiedade e síndrome do pânico. O abuso frequente também pode desencadear dependência química e problemas nos relacionamentos no futuro.
Tratamento de uma família disfuncional
A psicoterapia individual ou familiar é a melhor abordagem para tratar as causas da disfunção e os danos causados por ela, especialmente aos jovens. O uso de medicamentos pode ser necessário quando um dos membros possui dependência química, por exemplo.
“Normalmente, quem acaba sendo o porta-voz dessa família disfuncional são as crianças. É muito comum a família buscar acompanhamento porque a escola pediu, pois aquela criança está ‘dando problema’. Quando você vai ver, é uma questão familiar importante”, explica Danielle.
A especialista ainda explica que, a partir da terapia familiar, é possível repensar as relações, o papel de cada membro na estrutura e, se necessário, indicar a terapia individual para um membro em específico. Todavia, a busca por ajuda psicológica pelos pais é mais difícil. “Na maioria das vezes, a família disfuncional não se vê dessa forma. O mais comum é a procura por tratamento dos filhos dessas pessoas”, finaliza Liliana.