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Em novembro de 2022, a ONU comemorou o marco populacional da terra. Essas são estimativas, claro, mas além dos números, o que realmente chama atenção é que, em 2023, não atingimos a taxa de reposição populacional. A humanidade deve atingir seu pico no final do século e, inevitavelmente, começará a diminuir.
Mas até que ponto podemos confiar nesses dados? Essa já era uma questão debatida há algum tempo e, agora, um novo estudo adiciona ainda mais complexidade ao afirmar que estávamos contando errado. Tanto que deixamos para trás centenas de milhões de pessoas.
Podemos confiar nos números?
“Calcular o número de pessoas no planeta é uma ciência inexata.” Esse foi o comentário do demógrafo Jakub Bijak à BBC no verão passado, logo após a publicação do estudo World Population Prospects. Ciência remete à precisão, mas o pesquisador destacou que a única certeza ao prever números populacionais é a incerteza.
Isso, no entanto, não significa que os demógrafos inventam números do nada. “É algo difícil de fazer, mesmo com base na nossa experiência, conhecimento e todas as informações às quais temos acesso”, disse Toshiko Kanera, especialista em previsão demográfica. Desde 1950, os demógrafos têm se apoiado em dados e tendências de cada país, mas… e se esses dados não tivessem sido contados corretamente?
Estamos perdendo milhões
Um novo estudo publicado na Nature revelou que os conjuntos de dados usados por demógrafos subestimam, de forma “profunda e sistemática”, os números populacionais em todo o mundo. O mais impressionante é que a diferença pode chegar a centenas de milhões de pessoas a mais vivendo na Terra.
Áreas rurais subestimadas
Josias Láng-Ritter, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, concentrou sua análise em um segmento específico: a população rural. “Pela primeira vez, nosso estudo fornece evidências de que uma parte significativa da população rural pode estar ausente dos conjuntos de dados populacionais globais”, ele observa.
E não estamos falando de alguns poucos milhões, mas de bilhões. “Dependendo do conjunto de dados analisado, as populações rurais foram subestimadas entre 53% e 84% ao longo do período estudado. Os resultados são notáveis, pois esses bancos de dados foram usados em milhares de estudos e influenciaram fortemente a tomada de decisões, mas sua precisão nunca foi sistematicamente avaliada”, comenta o pesquisador.
Viés nos dados
Tentativas de revisar esses números não são novas, mas pesquisas anteriores costumavam focar em países específicos ou áreas urbanas. Já os pesquisadores da Universidade Aalto buscaram uma abordagem mais abrangente, comparando os cinco principais bancos de dados populacionais do mundo. Eles utilizaram mapas de alta resolução e um critério concreto para validação: os números de reassentamento de mais de 300 projetos de barragens rurais em 35 países.
Por que escolher as barragens como referência? Porque, quando uma barragem é construída, a população que vive na área inundada precisa ser realocada e, nesse processo, dados precisos de reassentamento costumam ser registrados. Ao comparar os números populacionais entre 1975 e 2010, os pesquisadores descobriram que os mapas de 2010 eram mais precisos, mas ainda deixavam de fora entre 32% e 77% da população rural.
Os bancos de dados foram atualizados entre 2015 e 2020, mas os demógrafos acreditam que a subestimação da população rural ainda persiste e afeta todas as regiões do mundo.
Consequências de uma contagem errada
Estamos lidando com um problema cuja solução é complexa. Segundo os pesquisadores, por mais que os dados sejam revisados, a questão é estrutural. Muitos governos não têm recursos para coletar informações precisas sobre as populações rurais, criando uma grande discrepância entre a população real e aquela estimada nos mapas populacionais usados em estudos demográficos. E isso impacta diretamente a tomada de decisões.
As estimativas atuais indicam que 43% dos 8,2 bilhões de habitantes do mundo vivem em áreas rurais — cerca de 3,526 bilhões de pessoas. No entanto, se essa porcentagem foi subestimada entre 53% e 84%, estamos falando de um número muito maior. E saber exatamente quantos somos é essencial por uma razão simples: a redistribuição de recursos.
Falta de dados pode comprometer políticas públicas
A ausência de registros demográficos precisos pode afetar diretamente políticas públicas e decisões sociais. Ritter dá alguns exemplos: “Em muitos países, pode não haver dados suficientes disponíveis em nível nacional, então os governos dependem de mapas populacionais globais para tomar decisões. Precisamos de uma estrada pavimentada ou de um hospital? Quantos medicamentos devem ser enviados para uma região? Quantas pessoas podem ser afetadas por desastres naturais como terremotos ou enchentes?”.
Fazendo um cálculo rápido, no melhor cenário — um desvio de 53% na população rural —, estaríamos falando de 1,869 bilhão de pessoas que não foram contadas. No pior cenário, com um erro de 84%, seriam 2,962 bilhões de pessoas ausentes das estatísticas. No estudo da Nature, os pesquisadores citam o Paraguai como exemplo: o país pode ter deixado de registrar um quarto de sua população no censo de 2012.
Revisão dos métodos
Na análise da equipe, alguns países se saíram melhor que outros. A Finlândia, por exemplo, foi apontada como um caso de sucesso na coleta de dados, pois começou a manter registros populacionais digitais há 30 anos. No entanto, em países onde o registro digital demorou mais para ser implementado — muitas vezes devido a crises econômicas ou sociais —, as discrepâncias entre as populações reais e estimadas são muito mais significativas.
"Para garantir que as comunidades rurais tenham acesso equitativo a serviços e outros recursos, precisamos debater criticamente as aplicações passadas e futuras desses mapas populacionais", explica o pesquisador. Só assim todos os países poderão formular políticas sociais mais precisas, baseadas em dados concretos — e não em estimativas.